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sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Servidores efetivos do Poder Judiciário podem ser nomeados para cargos comissionados dentro do Poder Judiciário, mesmo sendo parentes de magistrados, desde que não haja subordinação direta e sejam observados requisitos de qualificação

O caso concreto, com adaptações, foi o seguinte:

A Lei estadual nº 7.451/1991, de São Paulo, criou os cargos de Assistente Jurídico do Tribunal de Justiça do Estado, que atuam assessorando os Desembargadores.

Trata-se de cargo em comissão, de livre nomeação e exoneração pelo Presidente do TJ/SP.

O art. 4º, parágrafo único, dessa Lei prevê que não pode ser nomeado para o cargo de Assistente Jurídico quem for cônjuge ou parente de qualquer integrante do Poder Judiciário paulista.

Veja a redação do dispositivo:

Artigo 4º O Assistente Jurídico será nomeado em comissão pelo Presidente do Tribunal de Justiça, mediante indicação do Desembargador interessado.

Parágrafo único - É vedada a nomeação de cônjuge, de afim e de parente em linha reta ou colateral, até o 3º grau, inclusive, de qualquer dos integrantes do Poder Judiciário do Estado de São Paulo.

 

ADI

O Procurador-Geral da República (PGR) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra esse referido dispositivo.

O PGR pediu que o STF declarasse a sua inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, a fim de excluir da vedação os servidores públicos efetivos da carreira judiciária, admitidos por concurso público, desde que não haja subordinação ao magistrado de quem decorre a incompatibilidade.

O autor alegou que:

• a proibição genérica fere o princípio da isonomia, ao tratar de forma igual situações desiguais;

• a vedação também afronta o princípio da acessibilidade aos cargos públicos, previsto no art. 37, I, da Constituição Federal;

• servidores efetivos, aprovados em concurso público, não deveriam ser alcançados pela proibição, exceto quando o cargo em comissão estivesse subordinado ao magistrado de quem decorre a relação de parentesco;

• a norma estadual contraria a Lei federal nº 9.421/1996 e o art. 355, § 8º, do Regimento Interno do STF, que reconhecem a possibilidade de nomeação de servidores efetivos para cargos comissionados mesmo quando parentes, desde que atendidos critérios técnicos e de não subordinação direta;

• a norma, ao vedar de forma absoluta a nomeação de parentes mesmo qualificados, extrapola a vedação ao nepotismo, afastando, sem justificativa constitucional suficiente, servidores efetivos que tenham passado por processo seletivo objetivo.

 

O STF concordou com os argumentos invocados pelo PGR?

SIM.

O STF, por maioria, julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do art. 4º, parágrafo único, da Lei nº 7.451/1991 do Estado de São Paulo.

O STF disse que não está sujeito a essa proibição o servidor ocupante de cargo de provimento efetivo, admitido por concurso público, desde que observadas:

i) a compatibilidade do grau de escolaridade do cargo de origem

ii) a qualificação profissional do servidor e

iii) a complexidade inerente ao cargo de assistente jurídico.

 

É vedada, em todo caso, a nomeação quando o cargo for subordinado ao membro do Poder Judiciário determinante da situação de incompatibilidade.

 

Vamos entender com calma.

 

O art. 4º, parágrafo único, da Lei estadual tem um propósito legítimo: combater o nepotismo, prática que fere os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade administrativa, além de não ser republicana.

Nomeações fundadas em vínculos pessoais ou familiares podem configurar confusão entre o público e o privado, comprometendo a ética, a eficiência e a legitimidade da administração pública.

O STF já consolidou o entendimento de que a vedação ao nepotismo decorre diretamente da Constituição Federal, não sendo necessária lei específica para proibi-lo. Esse entendimento está cristalizado na Súmula Vinculante nº 13, que proíbe a nomeação de cônjuges, companheiros ou parentes até o terceiro grau para cargos em comissão ou funções gratificadas em toda a Administração Pública:

Súmula vinculante 13-STF: A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.

 

Contudo, a vedação absoluta prevista na lei paulista viola a Constituição Federal quando aplicada indistintamente a servidores efetivos do Poder Judiciário, aprovados por concurso público. Isso porque, conforme o art. 37, I, da Constituição Federal, os cargos públicos são acessíveis a todos os brasileiros que preencham os requisitos legais, sendo o concurso público a forma legítima de aferir essa qualificação.

Há uma diferença muito grande entre a nomeação de um parente sem qualquer vínculo com a Administração Pública (caso clássico de nepotismo) e aquela de um servidor de carreira, aprovado por concurso e tecnicamente apto para a função.

Se o indivíduo é servidor de carreira ele pode ser nomeado para o cargo de Assistente Jurídico mesmo sendo cônjuge ou parente de algum membro do Poder Judiciário, desde que se verifiquem três requisitos:

1) não pode haver subordinação direta do servidor ao magistrado com quem possua vínculo familiar ou afetivo, pois isso sim poderia configurar favorecimento e comprometer a imparcialidade e a ética na administração. Ex: não se pode nomear o servidor efetivo para ser Assistente Jurídico lotado no gabinete da sua mãe, que é Desembargadora. Por outro lado, se o filho de um Desembargador é servidor efetivo do Tribunal, ele pode ser nomeado Assistente Jurídico de outro Desembargador completamente diferente.

2) deve existir compatibilidade entre o grau de escolaridade exigido no cargo efetivo e o cargo comissionado. Ex: não se pode nomear o servidor concursado para o cargo de motorista do TJ para o cargo em comissão de Assistente Jurídico.

3) o servidor deve possuir qualificação profissional e capacidade técnica compatíveis com a complexidade das atribuições do cargo comissionado. Ex: não se pode nomear o servidor efetivo que não é bacharel em Direito para o cargo de Assistente Jurídico.

 

A Resolução n. 7/2005 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já prevê essa exceção, permitindo a nomeação de servidores efetivos, desde que observadas as mesmas condições (qualificação, compatibilidade e ausência de subordinação):

Art. 2º Constituem práticas de nepotismo, dentre outras:

I - o exercício de cargo de provimento em comissão ou de função gratificada, no âmbito da jurisdição de cada Tribunal ou Juízo, por cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados;

(...)

§ 1º Ficam excepcionadas, nas hipóteses dos incisos I, II e III deste artigo, as nomeações ou designações de servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo das carreiras judiciárias, admitidos por concurso público, observada a compatibilidade do grau de escolaridade do cargo de origem, a qualificação profissional do servidor e a complexidade inerente ao cargo em comissão a ser exercido, e que o outro servidor também seja titular de cargo de provimento efetivo das carreiras jurídicas, vedada, em qualquer caso a nomeação ou designação para servir subordinado ao magistrado ou servidor determinante da incompatibilidade. (Redação dada pela Resolução nº 181, de 17.10.2013)

 

Essa resolução, inclusive, foi declarada constitucional no julgamento da ADC 12:

Os condicionamentos impostos pela Resolução nº 7/2005 do CNJ, que disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e servidores, não atentam contra a liberdade de prover e desprover cargos em comissão e funções de confiança, pois concretizam os princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade previstos na Constituição de 1988.

O CNJ, como órgão do Poder Judiciário, possui competência para expedir atos regulamentares no âmbito administrativo, não havendo violação aos princípios da separação dos poderes e do federalismo.

A resolução é compatível com a Constituição Federal e tem aplicação imediata em todo o Poder Judiciário nacional.

STF. Plenário. ADC 12, Rel. Min. Ayres Britto, julgado em 18/12/2009.

 

O STF concluiu que a vedação absoluta contida na lei paulista restringe indevidamente o acesso de pessoas qualificadas aos cargos em comissão, especialmente quando essas pessoas já demonstraram sua capacitação técnica ao serem aprovadas em concurso público. Essa restrição excessiva viola o direito constitucional de acesso aos cargos públicos.

Diante disso, o STF utilizou a técnica da “declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto”. Essa técnica permite que o STF declare inconstitucional apenas uma das interpretações possíveis da lei, mantendo o texto original. Assim, a lei continua valendo, mas não pode mais ser interpretada de forma a proibir absolutamente a nomeação de servidores efetivos.

 

Em suma:

É constitucional a nomeação de servidor público efetivo de carreira judiciária, admitido via concurso público, para o cargo em comissão de assistente jurídico de desembargador — ainda que o servidor seja cônjuge, afim ou parente de algum integrante do órgão —, desde que:

i) inexista subordinação direta do servidor ao magistrado com quem possui laços prévios; e

ii) sejam observadas a compatibilidade do grau de escolaridade do cargo de origem, a qualificação profissional do servidor e a complexidade inerente ao cargo em comissão a ser exercido.

Essas ressalvas visam prestigiar a efetividade do serviço prestado e maximizar a acessibilidade a cargo público.

STF. Plenário. ADI 3.496/SP, Rel. Min. Nunes Marques, julgado em 13/10/2025 (Info 1194)


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