O caso concreto, com
adaptações, foi o seguinte:
A Lei estadual nº 7.451/1991, de
São Paulo, criou os cargos de Assistente Jurídico do Tribunal de Justiça do
Estado, que atuam assessorando os Desembargadores.
Trata-se de cargo em comissão, de
livre nomeação e exoneração pelo Presidente do TJ/SP.
O art. 4º, parágrafo único, dessa
Lei prevê que não pode ser nomeado para o cargo de Assistente Jurídico quem for
cônjuge ou parente de qualquer integrante do Poder Judiciário paulista.
Veja a redação do dispositivo:
Artigo 4º O Assistente Jurídico será
nomeado em comissão pelo Presidente do Tribunal de Justiça, mediante indicação
do Desembargador interessado.
Parágrafo único - É vedada a nomeação
de cônjuge, de afim e de parente em linha reta ou colateral, até o 3º grau,
inclusive, de qualquer dos integrantes do Poder Judiciário do Estado de São
Paulo.
ADI
O Procurador-Geral da República
(PGR) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra esse referido
dispositivo.
O PGR pediu que o STF declarasse a
sua inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, a fim de excluir da
vedação os servidores públicos efetivos da carreira judiciária, admitidos por
concurso público, desde que não haja subordinação ao magistrado de quem decorre
a incompatibilidade.
O autor alegou que:
• a proibição genérica fere o
princípio da isonomia, ao tratar de forma igual situações desiguais;
• a vedação também afronta o
princípio da acessibilidade aos cargos públicos, previsto no art. 37, I, da
Constituição Federal;
• servidores efetivos, aprovados
em concurso público, não deveriam ser alcançados pela proibição, exceto quando
o cargo em comissão estivesse subordinado ao magistrado de quem decorre a
relação de parentesco;
• a norma estadual contraria a
Lei federal nº 9.421/1996 e o art. 355, § 8º, do Regimento Interno do STF, que
reconhecem a possibilidade de nomeação de servidores efetivos para cargos
comissionados mesmo quando parentes, desde que atendidos critérios técnicos e
de não subordinação direta;
• a norma, ao vedar de forma
absoluta a nomeação de parentes mesmo qualificados, extrapola a vedação ao
nepotismo, afastando, sem justificativa constitucional suficiente, servidores
efetivos que tenham passado por processo seletivo objetivo.
O STF concordou com os
argumentos invocados pelo PGR?
SIM.
O STF, por maioria, julgou
procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução
de texto, do art. 4º, parágrafo único, da Lei nº 7.451/1991 do Estado de São
Paulo.
O STF disse que não está sujeito
a essa proibição o servidor ocupante de cargo de provimento efetivo, admitido
por concurso público, desde que observadas:
i) a compatibilidade do grau de
escolaridade do cargo de origem
ii) a qualificação profissional
do servidor e
iii) a complexidade inerente ao
cargo de assistente jurídico.
É vedada, em todo caso, a
nomeação quando o cargo for subordinado ao membro do Poder Judiciário
determinante da situação de incompatibilidade.
Vamos entender com calma.
O art. 4º, parágrafo único, da
Lei estadual tem um propósito legítimo: combater o nepotismo, prática que fere
os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade administrativa,
além de não ser republicana.
Nomeações fundadas em vínculos
pessoais ou familiares podem configurar confusão entre o público e o privado,
comprometendo a ética, a eficiência e a legitimidade da administração pública.
O STF já consolidou o
entendimento de que a vedação ao nepotismo decorre diretamente da Constituição
Federal, não sendo necessária lei específica para proibi-lo. Esse entendimento
está cristalizado na Súmula Vinculante nº 13, que proíbe a nomeação de
cônjuges, companheiros ou parentes até o terceiro grau para cargos em comissão
ou funções gratificadas em toda a Administração Pública:
Súmula vinculante 13-STF: A nomeação de cônjuge, companheiro ou
parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau,
inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica
investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de
cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na
Administração Pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante
designações recíprocas, viola a Constituição Federal.
Contudo, a vedação absoluta
prevista na lei paulista viola a Constituição Federal quando aplicada
indistintamente a servidores efetivos do Poder Judiciário, aprovados por
concurso público. Isso porque, conforme o art. 37, I, da Constituição Federal,
os cargos públicos são acessíveis a todos os brasileiros que preencham os
requisitos legais, sendo o concurso público a forma legítima de aferir essa
qualificação.
Há uma diferença muito grande entre
a nomeação de um parente sem qualquer vínculo com a Administração Pública (caso
clássico de nepotismo) e aquela de um servidor de carreira, aprovado por
concurso e tecnicamente apto para a função.
Se o indivíduo é servidor de
carreira ele pode ser nomeado para o cargo de Assistente Jurídico mesmo sendo
cônjuge ou parente de algum membro do Poder Judiciário, desde que se verifiquem
três requisitos:
1) não pode haver subordinação
direta do servidor ao magistrado com quem possua vínculo familiar ou afetivo,
pois isso sim poderia configurar favorecimento e comprometer a imparcialidade e
a ética na administração. Ex: não se pode nomear o servidor efetivo para ser
Assistente Jurídico lotado no gabinete da sua mãe, que é Desembargadora. Por outro
lado, se o filho de um Desembargador é servidor efetivo do Tribunal, ele pode
ser nomeado Assistente Jurídico de outro Desembargador completamente diferente.
2) deve existir compatibilidade
entre o grau de escolaridade exigido no cargo efetivo e o cargo comissionado.
Ex: não se pode nomear o servidor concursado para o cargo de motorista do TJ
para o cargo em comissão de Assistente Jurídico.
3) o servidor deve possuir
qualificação profissional e capacidade técnica compatíveis com a complexidade
das atribuições do cargo comissionado. Ex: não se pode nomear o servidor
efetivo que não é bacharel em Direito para o cargo de Assistente Jurídico.
A Resolução n. 7/2005 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
já prevê essa exceção, permitindo a nomeação de servidores efetivos, desde que
observadas as mesmas condições (qualificação, compatibilidade e ausência de
subordinação):
Art. 2º Constituem práticas de
nepotismo, dentre outras:
I - o exercício de cargo de provimento
em comissão ou de função gratificada, no âmbito da jurisdição de cada Tribunal
ou Juízo, por cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por
afinidade, até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes
vinculados;
(...)
§ 1º Ficam excepcionadas, nas hipóteses
dos incisos I, II e III deste artigo, as nomeações ou designações de servidores
ocupantes de cargo de provimento efetivo das carreiras judiciárias, admitidos
por concurso público, observada a compatibilidade do grau de escolaridade do
cargo de origem, a qualificação profissional do servidor e a complexidade
inerente ao cargo em comissão a ser exercido, e que o outro servidor também
seja titular de cargo de provimento efetivo das carreiras jurídicas, vedada, em
qualquer caso a nomeação ou designação para servir subordinado ao magistrado ou
servidor determinante da incompatibilidade. (Redação dada pela Resolução nº
181, de 17.10.2013)
Essa resolução, inclusive, foi
declarada constitucional no julgamento da ADC 12:
Os condicionamentos impostos pela Resolução nº 7/2005 do CNJ,
que disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges
e companheiros de magistrados e servidores, não atentam contra a liberdade de
prover e desprover cargos em comissão e funções de confiança, pois concretizam
os princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade
previstos na Constituição de 1988.
O CNJ, como órgão do Poder Judiciário, possui competência para
expedir atos regulamentares no âmbito administrativo, não havendo violação aos
princípios da separação dos poderes e do federalismo.
A resolução é compatível com a Constituição Federal e tem
aplicação imediata em todo o Poder Judiciário nacional.
STF. Plenário. ADC 12, Rel. Min. Ayres Britto, julgado em
18/12/2009.
O STF concluiu que a vedação
absoluta contida na lei paulista restringe indevidamente o acesso de pessoas
qualificadas aos cargos em comissão, especialmente quando essas pessoas já
demonstraram sua capacitação técnica ao serem aprovadas em concurso público.
Essa restrição excessiva viola o direito constitucional de acesso aos cargos
públicos.
Diante disso, o STF utilizou a
técnica da “declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto”.
Essa técnica permite que o STF declare inconstitucional apenas uma das
interpretações possíveis da lei, mantendo o texto original. Assim, a lei continua
valendo, mas não pode mais ser interpretada de forma a proibir absolutamente a
nomeação de servidores efetivos.
Em suma:
É constitucional a nomeação de servidor público
efetivo de carreira judiciária, admitido via concurso público, para o cargo em
comissão de assistente jurídico de desembargador — ainda que o servidor seja
cônjuge, afim ou parente de algum integrante do órgão —, desde que:
i) inexista subordinação direta do servidor ao
magistrado com quem possui laços prévios; e
ii) sejam observadas a compatibilidade do grau de
escolaridade do cargo de origem, a qualificação profissional do servidor e a
complexidade inerente ao cargo em comissão a ser exercido.
Essas ressalvas visam prestigiar a efetividade do
serviço prestado e maximizar a acessibilidade a cargo público.
STF.
Plenário. ADI 3.496/SP, Rel. Min. Nunes Marques, julgado em 13/10/2025 (Info
1194)

