Dizer o Direito

domingo, 17 de agosto de 2025

A responsabilidade do arrematante pelos tributos sobre imóvel adquirido em hasta pública não depende da data de imissão na posse

Imagine a seguinte situação hipotética:

No dia 15 de março de 2020, João arrematou um imóvel em um leilão judicial. Ele (arrematante) assinou o auto de arrematação junto com o juiz e o leiloeiro.

Ocorre que, logo após a arrematação, o antigo proprietário do imóvel apresentou embargos à arrematação, questionando a validade do procedimento. Essa discussão judicial se estendeu por três anos.

Durante esse período, João não conseguiu tomar posse do imóvel nem utilizá-lo de forma alguma, permanecendo o bem ocupado pelo antigo proprietário enquanto os embargos tramitavam na Justiça.

Somente em abril de 2023, após o julgamento definitivo dos embargos, foi expedida a carta de arrematação e João finalmente conseguiu registrar o imóvel em seu nome no cartório de registro de imóveis.

Durante esses três anos de litígio (2020, 2021 e 2022), o Município lançou cobranças de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e TLP (Taxa de Limpeza Pública) em nome de João, considerando-o responsável pelo pagamento do tributo desde a data da arrematação em março de 2020.

Inconformado, João ingressou com ação questionando essa cobrança, sob o argumento de que somente deveria ser responsável pelos tributos a partir da expedição da carta de arrematação em abril de 2023, momento em que efetivamente se tornou proprietário e passou a usufruir do bem.

 

O STJ concordou com os argumentos de João?

NÃO.

Quando um indivíduo arremata um imóvel em leilão judicial (hasta pública), ele passa a ser considerado proprietário do bem a partir do momento em que o auto de arrematação é assinado pelo juiz, pelo leiloeiro e pelo próprio arrematante, e não apenas quando ele passa a ter a posse efetiva do imóvel ou quando é expedida e registrada a carta de arrematação.

Logo, o arrematante é responsável pelo pagamento do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e da TLP (Taxa de Limpeza Pública) a partir da data da arrematação, mesmo que ele ainda não tenha sido imitido na posse do imóvel.

O art. 130 do CTN prevê que, nos casos de arrematação, os débitos anteriores à arrematação ficam sub-rogados no preço do bem, ou seja, são descontados do valor pago no leilão:

Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação.

Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço.

 

No entanto, os tributos gerados após a arrematação são de responsabilidade do novo proprietário (o arrematante).

A responsabilidade tributária nesse caso decorre do fato de o arrematante já ser considerado proprietário desde a assinatura do auto de arrematação, e não apenas após o registro da carta de arrematação no cartório de imóveis.

O registro é necessário para que terceiros reconheçam oficialmente a nova titularidade, mas entre o arrematante e o Poder Público (para fins tributários), a propriedade já se configura com a arrematação.

Eventuais entraves judiciais, como embargos à arrematação propostos pelo antigo proprietário, não impedem a incidência do IPTU ao arrematante, pois tais discussões não alteram o fato de que ele passou a ser o titular do imóvel para fins de incidência do tributo a partir da arrematação. Além disso, segundo o art. 34 do CTN, o contribuinte do IPTU é o proprietário do bem, e não se exige que ele tenha a posse ou esteja usando o imóvel:

Art. 34. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.

 

Vale ressaltar, por fim, que a arrematação judicial é considerada perfeita e acabada com a assinatura do auto. A expedição da carta de arrematação ou o registro no cartório apenas formalizam e completam os efeitos dessa expropriação para fins de publicidade frente a terceiros. Portanto, o arrematante não pode se eximir da responsabilidade pelos tributos gerados após a arrematação sob a alegação de que ainda não obteve a posse do imóvel.

 

Em suma:

A partir da expedição do auto de arrematação, assinado pelo juiz, leiloeiro e arrematante, este torna-se responsável pelo pagamento dos tributos do imóvel, ainda que postergada a respectiva imissão na posse. 

STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 2.689.401-PE, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 24/2/2025 (Info 25 - Edição Extraordinária).


sábado, 16 de agosto de 2025

Contratação temporária não configura, por si só, preterição de candidato aprovado fora do número de vagas

Imagine a seguinte situação hipotética:

João prestou concurso público para o cargo de Professor da Universidade do Estado.

O edital do concurso previa apenas 2 vagas para o cargo.

Após todas as etapas do certame, João foi aprovado, mas ficou classificado em 4º lugar, ou seja, fora do número de vagas inicialmente oferecidas.

 

Qual é o entendimento do STF sobre o direito à nomeação de candidatos aprovados fora do número de vagas?

O STF, no julgamento do RE 837.311/PI sob repercussão geral, estabeleceu que candidatos aprovados como excedentes não possuem direito público subjetivo à nomeação. Esse direito somente surge quando comprovado o surgimento de novas vagas ou abertura de novo concurso durante a validade do certame anterior, com preterição arbitrária e imotivada pela administração.

 

Voltando ao caso concreto:

Durante o prazo de validade do concurso, a Universidade enfrentou carência de professores e, em vez de nomear os aprovados fora das vagas, como João, optou por contratá-los temporariamente para suprir a necessidade, nos termos do art. 37, IX, da CF/88:

Art. 37 (...)

IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

 

João aceitou a contratação temporária e passou a exercer exatamente as mesmas funções que exerceria se tivesse sido nomeado como efetivo.

Diante dessa situação, João entendeu que sua própria contratação como temporário para exercer as mesmas funções do cargo efetivo configurava uma preterição arbitrária e imotivada pela administração pública. Afinal, se havia necessidade do serviço - tanto que ele foi contratado temporariamente -, por que não nomeá-lo definitivamente para o cargo efetivo?

Com base nesse argumento, João impetrou mandado de segurança pleiteando sua nomeação para o cargo efetivo, alegando que sua mera expectativa de direito havia se convertido em direito líquido e certo à nomeação.

 

A discussão chegou até o STJ. A contratação temporária para atender necessidade transitória de  excepcional interesse público, nos termos do art. 37, IX, da Constituição Federal, configura, por si só, a preterição do candidato aprovado e gera o direito à nomeação? 

NÃO.

A convocação de professores temporários se dá, em linhas gerais, em razão de licenças e/ou afastamentos dos professores titulares, tais como as licenças às gestantes ou os afastamentos por motivo de saúde. Assim, a simples convocação de contratados temporariamente não caracteriza, só por si, a preterição dos candidatos a cargos efetivos.

No caso concreto, o impetrante não juntou nenhuma evidência documental da existência de cargos efetivos disponíveis para nomeação. No mesmo sentido:

A contratação temporária de professores não configura preterição, pois visa suprir necessidade transitória e de excepcional interesse público, conforme art. 37, IX, da Constituição Federal.

STF. 1ª Turma. AgInt no RMS 71.238/SC, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, julgado em 24/2/2025.

 

Em suma:

A contratação temporária de terceiros para atender necessidade transitória de excepcional interesse público, nos termos do art. 37, IX, da Constituição Federal, não configura, por si só, a preterição dos candidatos regularmente aprovados, nem a existência de cargos efetivos vagos. 

STJ. 1ª Turma. AgInt no RMS 70.802-MG, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 8/4/2025 (Info 25 - Edição Extraordinária).


sexta-feira, 15 de agosto de 2025

É possível, na ação de improbidade administrativa, que o juiz aplique a cassação de aposentadoria como sanção por ato de improbidade?

É possível, na ação de improbidade administrativa, que o juiz aplique a cassação de aposentadoria como sanção por ato de improbidade?

SIM.

No julgamento da ADPF 418, o STF decidiu que a penalidade de perda do cargo público pode sim ser convertida em cassação de aposentadoria, especialmente quando esta seja a única sanção disponível para a Administração Pública aplicar ao servidor:

Não há inconstitucionalidade na previsão da penalidade de cassação de aposentadoria de servidores públicos, disposta nos arts. 127, IV, e 134 da Lei nº 8.112/90.

A aplicação da penalidade de cassação de aposentadoria ou disponibilidade é compatível com o caráter contributivo e solidário do regime próprio de previdência dos servidores públicos.

A perda do cargo público foi prevista no texto constitucional como uma sanção que integra o poder disciplinar da Administração. É medida extrema aplicável ao servidor que apresentar conduta contrária aos princípios básicos e deveres funcionais que fundamentam a atuação da Administração Pública.

A impossibilidade de aplicação de sanção administrativa a servidor aposentado, a quem a penalidade de cassação de aposentadoria se mostra como única sanção à disposição da Administração, resultaria em tratamento diverso entre servidores ativos e inativos, para o sancionamento dos mesmos ilícitos, em prejuízo do princípio isonômico e da moralidade administrativa, e representaria indevida restrição ao poder disciplinar da Administração em relação a servidores aposentados que cometeram faltas graves enquanto em atividade, favorecendo a impunidade.

STF. Plenário ADPF 418, Rel. Alexandre de Moraes, julgado em 15/04/2020.

 

Depois isso, houve julgados específicos de cassação de aposentadoria em ações de improbidade:

Julgando ação rescisória, o Tribunal de origem manteve o acórdão rescindendo, que determinou a conversão da pena de perda do cargo público em cassação de aposentadoria, no âmbito da ação de improbidade administrativa. Este entendimento mostra-se em harmonia com a jurisprudência do STF, que reputa constitucional a pena de cassação da aposentadoria.

STF. 1ª Turma. ARE 1321655 AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 23/08/2021.

 

Não obstante o caráter contributivo do benefício previdenciário, é constitucional e plenamente possível a pena de cassação da aposentadoria nos casos de configuração de ato de improbidade administrativa.

STF. 2ª Turma. ARE 1257379 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/11/2020.

 

O STJ acompanhou esse entendimento:

A cassação da aposentadoria de servidor público, como consequência da perda da função pública por ato de improbidade administrativa, é admissível mesmo sem previsão expressa na Lei de Improbidade Administrativa, não configurando confisco ou enriquecimento ilícito do Estado. 

STJ. 1ª Seção. MS 26.106-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 5/6/2025 (Info 25 - Edição Extraordinária).

 

Se o servidor se aposentou antes da conclusão do processo ou do trânsito em julgado da sentença, essa aposentadoria não pode funcionar como um escudo para impedi-lo de sofrer as consequências legais dos seus atos.

A cassação da aposentadoria é uma medida compatível com o regime previdenciário dos servidores públicos, que é baseado nos princípios da contribuição e da solidariedade. Isso significa que o fato de o servidor ter contribuído durante a carreira para a sua aposentadoria não impede que ele a perca, caso tenha cometido atos graves.

O benefício previdenciário não é um direito absoluto e incondicional, pois ele está vinculado à legalidade da conduta funcional do servidor ao longo do tempo. Portanto, se o servidor violou gravemente seus deveres enquanto estava na ativa, a perda da aposentadoria não configura confisco e nem representa enriquecimento ilícito por parte do Estado.

Outro ponto importante abordado foi o princípio da legalidade. De fato, a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992) não prevê expressamente a sanção de cassação de aposentadoria. No entanto, o Judiciário precisa aplicar a sanção compatível com a realidade funcional do servidor. Se a pena imposta foi a perda da função pública e o servidor já estava aposentado, a cassação da aposentadoria é a única forma de efetivar a sanção. Caso contrário, haveria um tratamento desigual entre servidores ativos (que podem perder o cargo) e inativos (que estariam imunes a qualquer sanção), o que ofenderia o princípio da isonomia.

Dessa forma, o STJ concluiu que a cassação da aposentadoria, nesses casos, é válida e não fere os princípios da legalidade, da contribuição previdenciária, da isonomia ou da moralidade administrativa. O servidor aposentado que foi condenado à perda da função pública por improbidade administrativa pode sim ter sua aposentadoria cassada como forma de dar efetividade à decisão judicial e evitar impunidade.


quinta-feira, 14 de agosto de 2025

O candidato que teve a prova oral em concurso público anulada e refeita, ao obter nota inferior àquela objeto da anulação, não tem direito à nota anteriormente atribuída, por se tratar de ato nulo, destituído de efeitos jurídicos

Imagine a seguinte situação hipotética:

João participou do concurso público para outorga de delegação de serviços notariais e registrais (“cartório”).

O concurso previa várias etapas, dentre elas a Prova Oral, composta por três “estações temáticas” (Estação A – “Direito Registral”, Estação B – “Direito Civil e Empresarial” e Estação C – “Direito Tributário”).

Aprovado nas fases anteriores, o candidato, na fase oral, sorteou o Ponto 7 da Estação Temática C, que versava sobre “Competência tributária da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.

Contudo, ao ser arguida pelo examinador, ele foi questionado de forma aprofundada sobre tema diverso, “Imposto sobre propriedade territorial rural (ITR)”, conteúdo que seria relativo ao Ponto 8 (não sorteado).

Ao final da arguição, João obteve nota 8,0 na Estação Temática C da prova oral (Direito Tributário).

O candidato apresentou recurso administrativo alegando que havia sido arguido sobre matéria estranha ao ponto sorteado. No recurso, pediu a majoração de sua nota ou a anulação da prova oral.

O Conselho de Recursos Administrativos reconheceu a ilegalidade cometida pelos examinadores e determinou a anulação da prova oral de Direito Tributário, ordenando que João fosse submetido a uma nova arguição sobre todo o grupo de matérias da Estação C.

Na nova arguição, João tirou 7 na prova oral da Estação C, ou seja, obteve uma nota inferior à anterior.

Diante disso, João impetrou mandado de segurança pedindo que:

• fosse atribuído a ele a pontuação máxima da prova oral (10,0); ou,

• alternativamente, que fosse mantida a nota original (8,0).

 

O STJ concordou com os argumentos de João?

NÃO.

 

Atos nulos não produzem efeitos

Como a própria Administração reconheceu que houve erro na aplicação da primeira prova oral e expressamente anulou aquele ato, a nota obtida naquela ocasião (8,0) não poderia mais subsistir ou produzir qualquer efeito jurídico. Quando um ato administrativo é anulado, ele é considerado como se nunca tivesse existido, não podendo gerar direitos ou vantagens para ninguém. Portanto, mesmo que o candidato tenha obtido uma nota melhor na primeira prova, essa nota perdeu completamente sua validade jurídica após a anulação.

 

Princípio da vinculação ao edital

O edital de concurso público funciona como uma “lei” entre as partes, vinculando tanto a Administração quanto os candidatos às suas regras.

No caso de João, o edital não previa especificamente o que deveria acontecer com a pontuação quando uma prova oral fosse anulada. Como não havia cláusula expressa determinando que o candidato deveria receber nota máxima ou manter a nota anterior em casos de anulação por erro da banca, a atribuição automática da pontuação máxima não constituía um direito objetivo do candidato.

 

Princípio da isonomia

Conceder nota máxima a João, sem que ele tivesse efetivamente respondido às questões corretas ou demonstrado conhecimento sobre o tema adequado, colocaria os demais candidatos em situação de desigualdade. Isso violaria o princípio constitucional da igualdade, que exige que todos os candidatos sejam tratados da mesma forma e tenham as mesmas oportunidades de demonstrar seus conhecimentos.

 

Princípio da separação de poderes

Não cabe ao Poder Judiciário estabelecer qual deveria ser a pontuação adequada para uma questão de concurso. Determinar notas ou critérios de correção é competência exclusiva da banca examinadora, e a intervenção judicial nessa seara violaria a independência entre os poderes.

O Judiciário só pode intervir quando há flagrante ilegalidade, mas não pode substituir a Administração na função de avaliar e pontuar candidatos.

 

Em suma:

A Administração agiu corretamente ao reconhecer o erro e oportunizar uma nova prova. O candidato teve a chance de refazer o exame em condições regulares, sendo questionado sobre o tema correto. O fato de ter obtido nota menor na segunda oportunidade não gera direito à manutenção da nota anterior, pois esta havia sido obtida em procedimento viciado e posteriormente anulado.

Embora tenha havido equívoco por parte dos examinadores na primeira prova, a solução adotada pela Administração (anular o ato irregular e proporcionar nova oportunidade) foi a medida adequada e proporcional.

O candidato não pode se beneficiar de um erro administrativo para obter vantagem sobre os demais concorrentes, e a nota obtida na segunda prova, realizada em condições regulares, deve prevalecer como expressão legítima de seu desempenho no certame.

 

O candidato que teve a prova oral em concurso público anulada e refeita, ao obter nota inferior àquela objeto da anulação, não tem direito à nota anteriormente atribuída, por se tratar de ato nulo, destituído de efeitos jurídicos. 

STJ. 2ª Turma. RMS 73.454-RS, Rel. Min. Afrânio Vilela, julgado em 26/3/2025 (Info 25 - Edição Extraordinária).


terça-feira, 12 de agosto de 2025

INFORMATIVO Comentado 25 Edição Extraordinária STJ (completo e resumido)

Olá, amigas e amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível mais um INFORMATIVO COMENTADO.

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 25 EDIÇÃO EXTRAORDINÁRIA DO STJ


DIREITO ADMINISTRATIVO

INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE PRIVADA > DESAPROPRIAÇÃO

§  É inexequível o capítulo da sentença de ação de desapropriação que condena ao pagamento de juros compensatórios se o imóvel possuir graus de utilização da terra e de eficiência na exploração iguais a zero, com imissão na posse posterior a 5/5/2000.

 

CONCURSOS PÚBLICOS

§  O candidato que teve a prova oral em concurso público anulada e refeita, ao obter nota inferior àquela objeto da anulação, não tem direito à nota anteriormente atribuída, por se tratar de ato nulo, destituído de efeitos jurídicos.

§  Contratação temporária não configura, por si só, preterição de candidato aprovado fora do número de vagas.

 

SERVIDORES PÚBLICOS

§  Professor do Magistério Superior não pode aproveitar tempo de serviço em instituição diversa para progressão funcional acelerada.

 

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

§  Embora os prazos prescricionais da ação de improbidade, sob a redação anterior da lei, possam seguir o art. 115 do CP, os marcos interruptivos permanecem regidos pelas normas civis e administrativas, diante da ausência de remissão a regras penais.

§  É possível, na ação de improbidade administrativa, que o juiz aplique a cassação de aposentadoria como sanção por ato de improbidade?

 

TEMAS DIVERSOS

§  Reconhecimento administrativo do direito após a prescrição implica renúncia e reinício do prazo prescricional em sua integralidade.

§  Para caracterização do ilícito descrito no art. 5º, V, da Lei 12.846/2013, é dispensável a existência de ato de corrupção em sentido estrito ou a criação de óbices ligados a investigações de ilícitos a ela assemelhados, sendo suficiente o embaraço à fiscalização.

§  A responsabilidade solidária da pessoa jurídica, decorrente de ilícito pretérito ou que ainda produza efeitos, perdurará ainda que ocorram alterações contratuais, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária.

 

DIREITO AMBIENTAL

INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA

§  Impossibilidade de liberação de veículo apreendido em infração ambiental pela passagem do tempo, aplicando-se o Tema 1.036 do STJ independentemente da consolidação temporal.

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

PEDIDO DE SUSPENSÃO DE LIMINAR E SENTENÇA (LEI Nº 8.437/1992)

§  É incabível o pedido de suspensão de liminar quando a ação originária foi proposta pelo próprio ente público requerente.

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA

§  É vedada a compensação cruzada de débitos previdenciários com créditos de tributos apurados antes do eSocial.

 

TEMAS DIVERSOS

§  Governador, Secretário de Fazenda e gerente de fiscalização não possuem legitimidade para figurar no polo passivo de mandado de segurança que questiona exigência de tributo.

 

TEMAS DIVERSOS > SIMPLES NACIONAL

§  As microempresas e empresas de pequeno porte optantes do Simples Nacional são isentas do pagamento do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM).

 

IR

§  Não incide IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sobre as indenizações securitárias de sinistros de automóveis da frota de pessoa jurídica locadora de veículos.

§  Receitas de concessionária de transmissão de energia não podem ser tributadas como se fossem de empresa de construção civil, pois as obras realizadas são apenas meio para a execução do serviço público.

 

ITCMD

§  A base de cálculo do ITCD sobre quotas sociais integralizadas com bens imóveis deve considerar o valor de mercado dos imóveis, e não apenas o valor patrimonial contábil declarado pelo contribuinte.

 

IPTU

§  A responsabilidade do arrematante pelos tributos sobre imóvel adquirido em hasta pública não depende da data de imissão na posse.

§  A eventual imunidade tributária do possuidor do imóvel não impede o Município de cobrar o IPTU da pessoa que consta como proprietária no registro imobiliário.

 

CONTRIBUIÇÕES > CPRB

§  A CPRB deve incluir em sua base de cálculo os tributos incidentes na operação, inclusive a própria CPRB.

 

CONTRIBUIÇÕES > PIS/COFINS

§  O Etanol Anidro Combustível (EAC) é insumo indispensável no processo de formulação da Gasolina C, razão pela qual sua aquisição tributada rende ensejo à apropriação de créditos da contribuição ao PIS e da COFINS.


domingo, 10 de agosto de 2025

É lícita a negativa de cobertura por operadora do plano de saúde de medicamento de uso domiciliar à base de canabidiol não listado no rol da ANS

Imagine a seguinte situação hipotética:

O médico de Ana, uma criança com diagnóstico de autismo, receitou o uso de pasta de canabidiol (2400mg, 0,5 ml a cada 12 horas) para controle dos sintomas.

A mãe pediu à operadora de saúde Unimed o fornecimento do medicamento, mas o pedido foi negado.

O plano de saúde alegou que se trata de remédio para uso domiciliar, fora da lista da ANS, e que não se enquadra nas exceções legais de cobertura obrigatória.

Ana, representada por seus pais, ajuizou ação contra a operadora pedindo que ela fosse obrigada a fornecer o medicamento.

A controvérsia chegou até o STJ.

 

O que foi decidido? A operadora do plano de saúde pode se recusar a fornecer medicamento de uso domiciliar à base de canabidiol não listado no rol da ANS?

SIM.

Em regra, os planos de saúde não são obrigados a fornecer medicamentos para tratamento domiciliar.

EXCEÇÕES: Mesmo sendo medicamentos de uso domiciliar, os planos de saúde são obrigados a fornecer:

a) os antineoplásicos orais (e correlacionados);

b) a medicação assistida (home care); e

c) os incluídos no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) para esse fim.

 

Assim, os medicamentos receitados por médicos para uso doméstico e adquiridos comumente em farmácias não estão, em regra, cobertos pelos planos de saúde. Isso porque, em regra, os planos de saúde (que integram o Sistema da Saúde Suplementar) somente são obrigados a custear os fármacos usados durante a internação hospitalar. As exceções ficam por conta dos antineoplásicos orais para uso domiciliar (e correlacionados), os medicamentos utilizados no home care e os remédios relacionados a procedimentos listados no Rol da ANS.

 

O tema é tratado no art. 10, VI, da Lei nº 9.656/98

O art. 10 lista em seus incisos tratamentos, procedimentos e medicamentos que os planos de saúde não são obrigados a fornecer.

O inciso VI afirma que, em regra, o plano de saúde não é obrigado a fornecer medicamentos para tratamento domiciliar, ressalvado o disposto no art. 12, I, “c” e II, “g” da Lei.

O art. 12, I, “c” e II, “g” preveem que os planos de saúde são obrigados a fornecer antineoplásicos orais (e correlacionados). Confira:

Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto:

(...)

VI - fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, ressalvado o disposto nas alíneas ‘c’ do inciso I e ‘g’ do inciso II do art. 12;

 

Art. 12. (...)

I - quando incluir atendimento ambulatorial:

(...)

c) cobertura de tratamentos antineoplásicos domiciliares de uso oral, incluindo medicamentos para o controle de efeitos adversos relacionados ao tratamento e adjuvantes;

II - quando incluir internação hospitalar:

(...)

g) cobertura para tratamentos antineoplásicos ambulatoriais e domiciliares de uso oral, procedimentos radioterápicos para tratamento de câncer e hemoterapia, na qualidade de procedimentos cuja necessidade esteja relacionada à continuidade da assistência prestada em âmbito de internação hospitalar;

 

Exceção 1: antineoplásicos

Antineoplásicos são medicamentos que destroem neoplasmas ou células malignas. Têm a função, portanto, de evitar ou inibir o crescimento e a disseminação de tumores. Servem, portanto, para tratamento de câncer. Existem alguns medicamentos antineoplásicos que são de uso oral e, portanto, podem ser ministrados em casa, fora do ambiente hospitalar. A lei prevê que esses medicamentos, se prescritos pelo médico como indicados para o tratamento do paciente, devem ser obrigatoriamente fornecidos pelo plano de saúde.

 

Exceção 2: medicação assistida (home care)

Se o paciente está em home care (tratamento domiciliar), o plano de saúde também será obrigado a fornecer a medicação assistida, ou seja, toda a medicação necessária para o tratamento e que ele receberia caso estivesse no ambiente hospitalar.

O home care significa fornecer para o paciente que está em casa o mesmo tratamento que ele receberia caso estivesse no hospital. Se, no hospital, o paciente teria que tomar o remédio “X” a cada 8h, este medicamento deverá ser custeado pelo plano de saúde, tal qual ocorreria se estivesse internado.

Obs: essa exceção é uma decorrência do fato de que o STJ entende que os planos de saúde podem ser obrigados a custear o home care.

 

Exceção 3: outros fármacos que sejam incluídos pela ANS como sendo de fornecimento obrigatório

A norma do art. 10, VI, da Lei nº 9.656/98 é voltada à operadora de plano de saúde, a qual, na contratação, pode adotar tal limitação. Esse dispositivo, contudo, não proíbe que a ANS (“órgão regulador setorial”) inclua determinados medicamentos como sendo de custeio obrigatório no rol de cobertura mínima assistencial, ainda que sejam de uso domiciliar.

 

A conclusão acima exposta não mudou com o § 13 do art. 10, inserido pela Lei nº 14.454/2022

A Lei nº 14.454/2022 inseriu o § 13 no art. 10 da Lei nº 9.656/1998, com a seguinte redação:

Art. 10 (...)

§ 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que:

I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou

II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.

 

A nova regra do §13 do art. 10 determina, portanto, que, em alguns casos, os planos são obrigados a cobrir tratamentos que não estão no rol da ANS, desde que haja comprovação de eficácia científica e recomendação técnica. Mas será que essa regra também obriga os planos a cobrir medicamentos de uso domiciliar? O STJ entendeu que não.

O §13 serve apenas para ampliar a cobertura de tratamentos fora do rol da ANS, mas não tem força para modificar ou eliminar as regras já existentes que excluem certos itens, como os medicamentos usados em casa (medicamentos de uso domiciliar), da obrigação dos planos de saúde.

Se o Poder Judiciário obrigasse os planos a fornecer todo e qualquer medicamento eficaz prescrito por um médico, inclusive os de uso domiciliar, isso iria contra o equilíbrio financeiro dos contratos e desrespeitaria a própria lei, que foi clara ao excluir esses medicamentos da cobertura obrigatória (salvo em casos excepcionais previstos em lei ou contrato).

Assim, a regra do §13 do art. 10 não modifica o entendimento anterior que exclui, de forma expressa, os medicamentos de uso domiciliar da cobertura obrigatória.

 

Planos de saúde não são obrigados a cobrir medicamentos de uso domiciliar, como o canabidiol, salvo exceções legais expressas

A forma de administração do medicamento (no caso, domiciliar) é determinante para caracterizar a exclusão da cobertura obrigatória. Assim, ainda que o canabidiol tenha sua eficácia reconhecida para o tratamento do transtorno do espectro autista, o fato de ser de uso domiciliar e não se enquadrar nas exceções legais (como internação domiciliar, tratamento oncológico, contrato específico ou norma regulamentar) afasta a obrigatoriedade de custeio por parte da operadora.

A cobertura obrigatória se aplicaria, por exemplo, se o medicamento fosse administrado durante internação domiciliar substitutiva da hospitalar, ou se exigisse supervisão direta de profissional de saúde, o que não era o caso.

Ainda que haja jurisprudência favorável à cobertura do canabidiol pelos planos de saúde, o STJ esclareceu que tais decisões não tratavam da especificidade de sua administração em ambiente domiciliar, o que muda o enquadramento jurídico.

 

Em suma:

É lícita a negativa de cobertura por operadora do plano de saúde de medicamento de uso domiciliar à base de canabidiol não listado no rol da ANS.

STJ. 3ª Turma. Processo em segredo de justiça, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 17/6/2025 (Info 855).


sábado, 9 de agosto de 2025

Só cabe penhora do bem de família dado em hipoteca se a dívida beneficiar a entidade familiar

Espécies de bem de família

No Brasil, atualmente, existem duas espécies de bem de família:

a) bem de família convencional ou voluntário (arts. 1711 a 1722 do Código Civil);

b) bem de família legal (Lei nº 8.009/90).

 

Bem de família legal

O bem de família legal consiste no imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar.

Considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.

Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do Código Civil (bem de família convencional).

 

Proteção conferida ao bem de família legal

O bem de família legal é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas na Lei nº 8.009/90.

 

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

João e Regina, casados em comunhão parcial de bens, são sócios da empresa Frutaria do Vale Ltda.

Em 13/06/2016, a empresa contratou um empréstimo com o Banco Alfa, emitindo uma Cédula de Crédito Bancário. Como garantia, João e Regina ofereceram em hipoteca o imóvel onde residem com a família.

Ocorre que a dívida não foi paga.

Diante da inadimplência, o banco moveu execução contra a empresa devedora e os sócios (João e Regina), indicando o imóvel residencial como bem a ser penhorado.

Após a citação, João e Regina alegaram que que o imóvel era o único bem imóvel do casal e servia de moradia familiar, pedindo o reconhecimento da impenhorabilidade prevista no art. 1º da Lei nº 8.009/1990:

Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

 

O juízo de primeira instância indeferiu o pedido, determinando a penhora com base no art. 3º, V, da Lei nº 8.009/90, que permite a penhora do bem de família quando oferecido como garantia hipotecária:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

(...)

V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

 

A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça.

Ainda inconformados, João e Regina interpuseram recurso especial.

Argumentaram que o imóvel é sua residência e que a dívida foi contraída pela empresa, sem benefício direto à família.

Alegaram que o banco não comprovou o contrário, ou seja, o banco não comprovou que a dívida contraída pela empresa gerou benefício à família. Logo, deveria ser reconhecida a impenhorabilidade.

 

O STJ acolheu os argumentos de João e Regina?

NÃO.

 

Exceção do inciso V do art. 3º da Lei do Bem de Família

O bem de família legal (Lei nº 8.009/1990) tem como finalidade proteger o imóvel urbano ou rural destinado à residência da família, excluindo-o da possibilidade de penhora, ao lado dos demais bens que compõem o patrimônio do devedor.

Trata-se de uma proteção conferida pelo Estado, com fundamento em norma de ordem pública, que se aplica automaticamente (ex lege), bastando que o imóvel se destine à moradia familiar.

Essa proteção representa a efetivação do direito fundamental à moradia, ao preservar determinado bem essencial à subsistência da família do devedor. Assim, embora a obrigação e a responsabilidade patrimonial permaneçam, parte do patrimônio (o imóvel residencial) é resguardada da execução judicial, garantindo a dignidade da entidade familiar.

Contudo, a proteção conferida ao bem de família não é absoluta.

O art. 3º da Lei nº 8.009/1990 prevê hipóteses em que essa impenhorabilidade pode ser relativizada, especialmente diante da presença de outros interesses juridicamente relevantes, como a natureza da dívida ou o contexto da relação jurídica que a originou.

Veja o que diz o inciso V:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

(...)

V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

 

Esse inciso V diz que o bem de família pode ser penhorado se o imóvel foi oferecido em hipoteca como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar.

A hipoteca é uma espécie de direito real de garantia, disciplinada nos arts. 1.473 a 1.505 do Código Civil. Se a parte que deu o bem em hipoteca não cumprir a sua obrigação, o credor poderá executar a hipoteca, hipótese na qual o imóvel dado em garantia será alienado e o valor obtido utilizado para pagar o débito.

 

A exceção prevista no art. 3º, inciso V, da Lei nº 8.009/1990 aplica-se exclusivamente às situações em que a dívida foi contraída em benefício da entidade familiar

O STJ ao interpretar esse inciso V do art. 3º, faz a seguinte distinção:

1) Se o imóvel foi dado em garantia de uma dívida que beneficiou o casal ou entidade familiar:

2) Se o imóvel foi dado em garantia de uma dívida que beneficiou um terceiro:

Este bem poderá ser penhorado.

A situação se enquadra no inciso V do art. 3º.

Este bem NÃO poderá ser penhorado.

A situação NÃO se enquadra no inciso V do art. 3º.

Ex: Antônio toma um empréstimo junto ao banco (contrato de mútuo) a fim de pagar a faculdade de sua filha. Ele oferece o seu apartamento em hipoteca como garantia da dívida. Se Antônio deixar de pagar as prestações, o banco poderá executar a hipoteca, ou seja, vender o apartamento e utilizar o dinheiro para quitar o saldo devedor.

Trata-se de situação que se enquadra no inciso V do art. 3º (é uma exceção à proteção do bem de família).

Ex: Carlos toma um empréstimo junto ao banco a fim de pagar tratamento médico de seu filho. Ele precisava dar uma garantia real para o caso de não pagar as parcelas do mútuo. Como não tinha nenhum bem para oferecer em garantia, pediu ajuda a seu amigo Pedro. Assim, Pedro ofereceu a sua casa em hipoteca como garantia de uma dívida de terceiro (Carlos).

Se Carlos não conseguir pagar as parcelas combinadas, o banco NÃO poderá executar a hipoteca e vender a casa. Isso porque se trata de bem de família e NÃO se enquadra na exceção do inciso V do art. 3º.

 

Desse modo, para a jurisprudência do STJ, a exceção prevista no art. 3º, V, da Lei nº 8.009/90 não se aplica aos casos em que a hipoteca é dada como garantia de empréstimo contraído em favor de terceiro, somente quando garante empréstimo tomado diretamente em favor do próprio devedor.

Essa é a primeira parte da tese do Tema 1.261:

I) A exceção à impenhorabilidade do bem de família nos casos de execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar, prevista no art. 3º, V, da Lei n. 8.009/1990, restringe-se às hipóteses em que a dívida foi constituída em benefício da entidade familiar.

STJ. 2ª Seção. REsp 2.093.929-MG e REsp 2.105.326-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgados em 5/6/2025 (Recurso Repetitivo - Tema 1261) (Info 855).

 

O oferecimento de garantia e posterior alegação de impenhorabilidade configura comportamento contraditório (venire contra factum proprium)

Ainda que a impenhorabilidade do bem de família tenha por finalidade a proteção da entidade familiar como um todo (e não apenas do devedor), a confiança legítima criada no credor pela atuação da própria família pode justificar a eficácia da garantia constituída.

Quando o casal ou a entidade familiar oferta o imóvel residencial como garantia real, eventual tentativa posterior de afastar os efeitos da hipoteca representa comportamento em desacordo com a conduta anterior, em afronta à boa-fé objetiva.

O princípio do venire contra factum proprium impede a adoção de conduta contraditória que frustre a confiança legítima do outro contratante, constituindo um limite ao exercício de direitos subjetivos, inclusive potestativos. Trata-se, portanto, de vedação ao uso abusivo do direito, em especial da prerrogativa de invocar a impenhorabilidade de um bem oferecido em garantia.

É importante destacar que, embora a proteção ao bem de família decorra de norma de ordem pública voltada à tutela da moradia (direito fundamental), sua aplicação não pode comprometer a segurança jurídica das relações contratuais.

Nesse contexto, o reconhecimento da exceção à impenhorabilidade deve observar interpretação restritiva, incidindo apenas quando demonstrado que a dívida garantida foi contraída em benefício da entidade familiar. Esse é o entendimento prevalente na jurisprudência do STJ, que busca harmonizar a função social da moradia com a estabilidade das garantias reais válidas e eficazes.

 

Ônus da prova de que a dívida se reverteu em favor da família

Se o bem de família foi dado pelo casal como garantia de dívida contraída por pessoa jurídica, ele poderá ser penhorado em caso de inadimplemento?

Depende:

1) Se apenas um dos cônjuges for sócio da pessoa jurídica: em regra, o bem será impenhorável

2) Se os cônjuges forem os únicos sócios da pessoa jurídica devedora:

O bem de família é IMPENHORÁVEL quando for dado em garantia real de dívida por um dos sócios da pessoa jurídica, cabendo ao credor o ônus da prova de que o proveito se reverteu à entidade familiar.

O bem de família é PENHORÁVEL quando os únicos sócios da empresa devedora são os titulares do imóvel hipotecado, sendo ônus dos proprietários a demonstração de que não se beneficiaram dos valores auferidos.

Ex: Lúcio e Carla são casados e moram em um apartamento com os filhos. Lúcio é sócio da empresa LT. O outro sócio é seu amigo Tiago.

A empresa LT contraiu um empréstimo para comprar equipamentos e Lúcio deu em garantia o imóvel em que reside. Ainda que dado em garantia de empréstimo concedido a pessoa jurídica, é impenhorável o imóvel (bem de família), já que não se pode presumir que o mútuo tenha sido concedido em benefício da família.

Ex: Sandro e Michele, casados entre si, são os dois únicos sócios da sociedade empresária SM Comércio Ltda. A empresa SM contraiu um empréstimo junto ao banco (contrato de mútuo). O casal deu o apartamento em que mora como garantia da dívida (garantia hipotecária). Se o empréstimo não for pago, o banco poderá executar e penhorar o apartamento.

 

Essa é a segunda parte da tese fixada:

II) Em relação ao ônus da prova:

a) se o bem for dado em garantia real por um dos sócios de pessoa jurídica, é, em regra, impenhorável, cabendo ao credor o ônus de comprovar que o débito da pessoa jurídica se reverteu em benefício da entidade familiar; e

b) caso os únicos sócios da sociedade sejam os titulares do imóvel hipotecado, a regra é da penhorabilidade do bem de família, competindo aos proprietários demonstrar que o débito da pessoa jurídica não se reverteu em benefício da entidade familiar.

STJ. 2ª Seção. REsp 2.093.929-MG e REsp 2.105.326-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgados em 5/6/2025 (Recurso Repetitivo - Tema 1261) (Info 855).

 

Tese jurídica completa:

I) A exceção à impenhorabilidade do bem de família nos casos de execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar, prevista no art. 3º, V, da Lei n. 8.009/1990, restringe-se às hipóteses em que a dívida foi constituída em benefício da entidade familiar;

II) Em relação ao ônus da prova:

a) se o bem for dado em garantia real por um dos sócios de pessoa jurídica, é, em regra, impenhorável, cabendo ao credor o ônus de comprovar que o débito da pessoa jurídica se reverteu em benefício da entidade familiar; e

b) caso os únicos sócios da sociedade sejam os titulares do imóvel hipotecado, a regra é da penhorabilidade do bem de família, competindo aos proprietários demonstrar que o débito da pessoa jurídica não se reverteu em benefício da entidade familiar.

STJ. 2ª Seção. REsps 2.093.929-MG e 2.105.326-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 5/6/2025 (Recurso Repetitivo - Tema 1261) (Info 855).

 

Caso concreto

É ônus dos proprietários do imóvel a demonstração de que a família não se beneficiou dos valores auferidos.

No caso concreto, os proprietários do imóvel são os únicos sócios da sociedade empresária devedora, motivo pelo qual se presume a penhorabilidade do bem, competindo aos proprietários demonstrar que o débito da pessoa jurídica não se reverteu em benefício da entidade familiar.

Dessa forma, inexistindo elementos nos autos que afastem a presunção de benefício à entidade familiar, concluiu-se pela manutenção do acórdão do TJ, que reconheceu a possibilidade de penhora do bem de família oferecido como garantia hipotecária.


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