quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Mesmo que o juiz reconheça a prescrição das penas pela prática do ato de improbidade, a ação poderá continuar para analisar o pedido de ressarcimento ao erário, não sendo necessária uma ação autônoma apenas para discutir isso

 

Prescrição

Se um direito é violado, o titular deste direito passa a ter a pretensão de buscar judicialmente a reparação do dano (de forma específica ou pelo equivalente em dinheiro).

Essa pretensão, contudo, deve ser exercida dentro de um prazo previsto na lei. Esgotado esse prazo, extingue-se a pretensão. A extinção dessa pretensão pelo decurso do prazo é chamada de prescrição.

Isso está previsto no art. 189 do Código Civil, valendo, como regra geral:

Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.

 

A prescrição tem como fundamentos a pacificação social e a segurança jurídica. Se não existisse prazo para o titular do direito exercer a sua pretensão, todas as relações jurídicas seriam sempre marcadas pela incerteza e instabilidade, considerando que um fato ocorrido há anos ou mesmo décadas poderia ser questionado.

A prescrição está presente nos diversos ramos do Direito, inclusive no Direito Administrativo.

 

Prescrição e atos de improbidade administrativa

Os atos de improbidade administrativa, assim como ocorre com as infrações penais, também estão sujeitos a prazos prescricionais.

Logo, caso o Ministério Público demore muito tempo para ajuizar a ação de improbidade administrativa contra o responsável pelo ato ímprobo, haverá a prescrição e a consequente perda da pretensão punitiva.

 

Qual é o prazo prescricional para a propositura de ações de improbidade administrativa?

8 anos. É o que prevê o art. art. 23 da Lei nº 8.429/92:

Art. 23. A ação para a aplicação das sanções previstas nesta Lei prescreve em 8 (oito) anos, contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência. (Redação dada pela Lei nº 14.230/2021)

 

Exceção: ressarcimento ao erário em casos de atos de improbidade praticados dolosamente

A Lei nº 8.429/92 prevê, em seu art. 12, uma lista de penas aplicáveis ao condenado por ato de improbidade administrativa. São elas:

• perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio;

• perda da função pública;

• suspensão dos direitos políticos;

• pagamento de multa civil; e

• proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios;

 

O art. 12 afirma, ainda, que, além das penas acima listadas, o responsável pelo ato de improbidade deverá ser condenado a fazer o ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo.

Aí é que entra o ponto excepcional: enquanto as penas acima listadas estão sujeitas à prescrição, o ressarcimento integral do dano é imprescritível, se o ato de improbidade praticado foi doloso.

Foi o que decidiu o STF:

Tese fixada pelo STF

O STF fixou a seguinte tese para fins de repercussão geral:

São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.

STF. Plenário. RE 852475/SP, Rel. orig. Min. Alexandre de Moraes, Rel. para acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 08/08/2018 (Info 910).

 

O fundamento para isso está no § 5º do art. 37 da CF/88:

Art. 37 (...)

§ 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

 

Em sua primeira parte, o dispositivo prevê que:

- a lei deverá estabelecer os prazos de prescrição para ilícitos

- praticados por qualquer pessoa (servidor ou não)

- que gerem prejuízo ao erário.

 

Na segunda parte, o constituinte disse o seguinte: não se aplica o que eu falei antes para as ações de ressarcimento. O que isso quer dizer? Que a lei não poderá estabelecer prazos de prescrição para tais ações, sendo elas, portanto, imprescritíveis.

Assim, o texto constitucional é expresso ao prever a ressalva da imprescritibilidade da ação de ressarcimento ao erário.

Vale ressaltar que, segundo a interpretação do STF, a imprescritibilidade só vale para os atos doloso de improbidade. Assim, podemos fazer a seguinte distinção:

Ação de reparação de danos à Fazenda Pública

decorrentes de ilícito civil

é PRESCRITÍVEL

(STF RE 669069/MG).

Ação de ressarcimento decorrente de

ato de improbidade administrativa praticado com CULPA

é PRESCRITÍVEL

(devem ser propostas no prazo do art. 23 da LIA).

Ação de ressarcimento decorrente de

ato de improbidade administrativa praticado com DOLO

é IMPRESCRITÍVEL

(§ 5º do art. 37 da CF/88).

 

Feita essa revisão, imagine agora a seguinte situação hipotética:

O Ministério Público ajuizou ação de improbidade contra João, ex-prefeito, imputando-lhe a prática do ato tipificado no art. 9º, I, da Lei nº 8.429/92:

Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:

I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;

(...)

 

O juiz constatou que já havia se passado o prazo prescricional e, em razão disso, proferiu sentença extinguindo o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, II, do CPC:

Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz:

(...)

II - decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição;

 

O magistrado afirmou, na decisão, que eventual ressarcimento ao erário deveria ser postulado em ação autônoma.

 

Agiu corretamente o juiz?

NÃO.

A Lei nº 8.429/92 autoriza que o autor da ação de improbidade requeira ao juiz a aplicação das sanções previstas no art. 12 e, de forma cumulativa, o ressarcimento integral dos danos causados ao erário. Nesse sentido:

Mostra-se lícita a cumulação de pedidos de natureza condenatória, declaratória e constitutiva nesta ação, quando sustentada nas disposições da Lei nº 8.429/92.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.660.381/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 26/11/2018.

 

Partindo de tais premissas, o STJ construiu jurisprudência no sentido de que “a declaração da prescrição das sanções aplicáveis aos atos de improbidade administrativa não impede o prosseguimento da demanda quanto à pretensão de ressarcimento dos danos causados ao erário” (STJ. 1ª Turma. REsp 1.331.203/DF, Rel. Min. Ari Pargendler, DJe de 11/04/2013). No mesmo talante:

É prescindível a propositura de ação autônoma para pleitear ressarcimento ao erário, mesmo que já estejam prescritas as penas referentes à prática de atos de improbidade.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.732.285/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 21/11/2018.

 

É plenamente cabível a ação civil pública por improbidade administrativa, para fins exclusivos de ressarcimento ao erário, mesmo nos casos em que se reconhece a prescrição da ação quanto às outras sanções previstas na Lei nº 8.429/92.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.304.930/AM, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 28/08/2013.

 

Tese fixada:

Na ação civil pública por ato de improbidade administrativa é possível o prosseguimento da demanda para pleitear o ressarcimento do dano ao erário, ainda que sejam declaradas prescritas as demais sanções previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.899.455-AC, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 22/09/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 1089) (Info 710).



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