sábado, 18 de outubro de 2025
A realização de protestos sem comunicação prévia que causem graves transtornos à coletividade configura dano moral coletivo
O caso concreto, com adaptações,
foi o seguinte:
No dia 30 de agosto de 2013, a
Central Única dos Trabalhadores (CUT), juntamente com outras entidades
sindicais, organizou uma grande manifestação em Vitória (ES), para protestar
contra medidas do governo que afetavam os direitos dos trabalhadores.
A partir das 6 horas da manhã, os
manifestantes bloquearam os acessos à cidade. Em uma das vias, a passagem foi
completamente impedida com a queima de pneus.
As entidades sindicais não
comunicaram previamente as autoridades responsáveis pela segurança pública e
pelo controle do trânsito sobre a manifestação.
Os transtornos foram imensos:
milhares de pessoas não conseguiram chegar ao trabalho, compromissos
importantes foram perdidos, e houve até o caso de uma moradora que não
conseguiu chegar ao hospital para liberar o corpo de sua mãe, que havia
falecido na noite anterior.
Diante disso, o Ministério
Público do Espírito Santo ajuizou uma ação civil pública contra a CUT e as
demais centrais sindicais, pedindo a condenação das rés por danos materiais e
morais coletivos.
O juiz condenou as entidades ao
pagamento de R$ 1.200.000,00 por danos morais coletivos, além de danos
materiais a serem apurados em liquidação de sentença.
As entidades sindicais
recorreram, mas o Tribunal de Justiça do Espírito Santo manteve a condenação.
Ainda inconformada, a CUT
interpôs recurso especial ao STJ, argumentando que apenas exerceu o direito
constitucional de reunião e liberdade de expressão, e que não havia
demonstração de que a coletividade realmente se sentiu abalada pelos protestos.
Alegou ainda que a simples ausência de comunicação prévia não seria capaz de
configurar dano moral coletivo.
O STJ manteve a condenação?
SIM.
Dano moral coletivo
O dano moral coletivo não depende
da comprovação de dor ou sofrimento individual. Ele ocorre quando há uma ofensa
grave a valores fundamentais da coletividade, como o direito de ir e vir, a
ordem pública ou o respeito às instituições.
A constatação do dano moral
coletivo se dá in re ipsa, isto é, independentemente da comprovação de
dor, sofrimento ou abalo psicológico.
Não é necessário provar que cada
pessoa sofreu um dano individualmente, basta que a sociedade, como um todo,
tenha sido atingida de forma relevante e negativa.
Entretanto, é importante
ressaltar que sua configuração somente ocorrerá quando a conduta antijurídica
afetar, intoleravelmente, os valores e interesses coletivos fundamentais,
mediante conduta maculada de grave lesão, para que o instituto não seja tratado
de forma trivial, notadamente em decorrência da sua repercussão social.
Limites do direito de
reunião
A Constituição Federal garante o
direito de reunião para fins pacíficos. No entanto, esse direito não é
absoluto: para que seja exercido de forma legítima, é preciso cumprir duas
condições:
1) que a reunião não frustre
outra já convocada para o mesmo local;
2) que haja aviso prévio às
autoridades competentes.
Nesse sentido, veja a redação do dispositivo constitucional:
Art. 5º [...]
XVI - todos podem reunir-se
pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de
autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para
o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
No caso, os organizadores não
comunicaram previamente as autoridades sobre o protesto, o que impediu que
fossem tomadas medidas para minimizar os impactos à população.
Gravidade da conduta e seus
impactos
O STJ entendeu que o protesto
causou transtornos sérios e generalizados à coletividade, com bloqueio de vias
importantes, queima de pneus e paralisação do acesso à capital. Isso prejudicou
o deslocamento de pessoas para o trabalho, atendimento médico e outras
atividades essenciais.
Houve, inclusive, relato de uma
moradora que não conseguiu chegar ao hospital para liberar o corpo da mãe
falecida por conta dos bloqueios. Isso demonstra a dimensão concreta e grave
dos prejuízos causados à sociedade.
O protesto não teve a devida
organização e direção previstas no exercício legítimo do direito de reunião.
Além disso, a responsabilidade da CUT ficou demonstrada porque a manifestação
foi organizada por um fórum do qual ela fazia parte.
Portanto, ao ignorar as
exigências legais e causar danos à coletividade, a entidade assumiu o risco de
ser responsabilizada civilmente.
Função preventiva e
pedagógica da indenização
A condenação por danos morais
coletivos também tem uma função pedagógica: serve como exemplo para evitar que
outras entidades cometam os mesmos erros, promovendo manifestações sem
responsabilidade social.
Permitir esse tipo de conduta sem
qualquer consequência jurídica banalizaria o instituto do dano moral coletivo e
prejudicaria a convivência em sociedade.
Em suma:
A realização de protestos sem comunicação prévia às
autoridades e com obstrução de diversas vias públicas de acesso à capital do
Estado por lapso temporal considerável configura dano moral coletivo in
re ipsa.
STJ. 2ª Turma. REsp 2.026.929-ES, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze,
julgado em 9/9/2025 (Info 862).
DOD Plus: julgado
correlato
O que se entende por aviso
prévio para os fins do direito de reunião do art. 5º, XVI, da CF/88?
O art. 5º, XVI, da CF/88 prevê o direito de reunião nos
seguintes termos:
XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais
abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem
outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido
prévio aviso à autoridade competente;
Qual é o sentido de “prévio aviso” mencionado pelo dispositivo
constitucional?
O STF fixou a seguinte tese:
A exigência constitucional de aviso prévio relativamente ao
direito de reunião é satisfeita com a veiculação de informação que permita ao
poder público zelar para que seu exercício se dê de forma pacífica ou para que
não frustre outra reunião no mesmo local.
STF. Plenário. RE 806339/SE, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do
acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 14/12/2020 (Repercussão Geral – Tema 855)
(Info 1003).
