quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Comentários à Lei 12.736/2012, que antecipa, para a sentença condenatória, o momento adequado para realizar a detração da pena



Márcio André Lopes Cavalcante*

Foi publicada na segunda feira (dia 03/12/2012), a Lei n.° 12.736/2012 que acrescentou o § 2º ao art. 387 do CPP com o objetivo de que a detração seja considerada pelo juiz que proferir sentença condenatória.

Inicialmente, você lembra o que é detração penal?
A detração penal ocorre quando:
- o juiz
- desconta
- da pena ou da medida de segurança aplicada ao réu
- o tempo que ele ficou preso antes do trânsito em julgado (prisão provisória ou administrativa)
- ou o tempo em que ficou internado (em hospital de custódia).

Exemplo:
Eduardo foi preso em flagrante por roubo com emprego de arma em 02/01/2011.
Foi, então, denunciado pelo art. 157, § 2º, I, do CP, tendo respondido o processo preso cautelarmente.
Em 01/01/2012, foi sentenciado a 5 anos de reclusão, tendo ocorrido o trânsito em julgado.
Percebe-se, portanto, que Eduardo ficou preso provisoriamente (antes do trânsito em julgado) durante 1 ano.
Este período de prisão provisória (1 ano) deverá ser descontado, pelo juiz, da pena imposta a Eduardo (5 anos).
Assim, restará a Eduardo cumprir ainda 4 anos de reclusão.
O ato do juiz de descontar este período é chamado, pela lei, de detração.

A detração está prevista no art. 42 do Código Penal:

Detração
Art. 42. Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior.


Qual é o juízo responsável por realizar a detração?
Antes da Lei n.° 12.736/2012, a detração penal era realizada apenas no momento da execução da pena, pelo juízo das execuções penais. Nesse sentido, prevê o art. 66, da Lei n.° 7.210/84 (LEP):

Art. 66. Compete ao Juiz da execução:
(...)
III - decidir sobre:
(...)
c) detração e remição da pena;


Desse modo, após a condenação, a Secretaria da Vara expede um documento chamado “guia de execução”, que contém diversas informações sobre o réu, dentre elas o total da pena imposta ao condenado e o tempo em que ele ficou preso cautelarmente, ou seja, antes do trânsito em julgado.

Essa guia de execução, juntamente com outros documentos, é encaminhada ao juízo das execuções penais (geralmente outra vara) e lá é iniciado o processo de execução, no qual o magistrado irá decidir sobre a situação jurídica do reeducando, deliberando sobre progressão e regressão de regime, livramento condicional, detração e remição da pena, dentre outros.

Assim, como já dito, era somente, neste momento, ou seja, na execução penal, que era examinado o eventual direito do réu à detração.

Em nosso exemplo acima, seria o juízo da execução quem iria reconhecer que Eduardo tinha o direito à detração de 1 ano de sua pena.


O que a nova Lei trouxe sobre o tema?
A Lei n.° 12.736/2012 estabeleceu que o exame da detração deve ser feito já pelo juiz do processo de conhecimento, ou seja, pelo magistrado que condenar o réu.

Dessa forma, foi imposto um novo dever ao juiz na sentença condenatória, qual seja, o de analisar se o réu ficou preso provisoriamente, preso administrativamente ou internado no curso do processo e, caso tenha ficado, esse tempo deverá ser descontado, pelo magistrado, da pena imposta ao condenado.

Voltando ao nosso exemplo:
Eduardo foi condenado a 5 anos de reclusão.
Pela nova Lei, após fixar essa pena, o juiz, na própria sentença, irá reconhecer que o réu ficou 1 ano preso cautelarmente e, então, irá conferir-lhe a detração desse período, afirmando, portanto, que sua pena passa a ser de 4 anos com o desconto.
Em outras palavras, o juiz que condena o réu já aplica a detração.
Houve, então, uma antecipação do momento em que deve ser reconhecida a detração: antes era apenas na execução penal e, agora, passou a ser no momento da prolação da sentença condenatória.


Qual a intenção da inovação legislativa?
O objetivo foi o de tornar mais célere a concessão dos benefícios da execução penal ao condenado, em especial quanto ao regime de cumprimento de pena.

Exemplo:
No caso de Eduardo, antes da Lei n.° 12.736/2012, como ele foi condenado a 5 anos de reclusão, o juiz, na sentença, iria lhe impor o regime inicial semiaberto (art. 33, § 2º, b, do CP). Logo, Eduardo iria ser encaminhado à colônia agrícola ou industrial para cumprimento da pena. Somente passados alguns dias (ou até meses), o juízo da execução penal iria ter condições de examinar o seu processo e reconhecer que ele tinha direito à detração. Com o desconto da detração, o magistrado determinaria sua transferência para o regime aberto. O certo é que Eduardo teria ficado um tempo cumprindo pena no regime semiaberto de forma ilegal, tendo em vista que já possuía o direito de ser transferido para o regime aberto.

Com a nova disposição da Lei n.° 12.736/2012, o juiz que condenou Eduardo já faria a detração na sentença e reconheceria que, descontado, o 1 ano de prisão provisória, o condenado teria direito de já iniciar o cumprimento da pena no regime aberto. Dessa feita, mesmo sem decisão do juízo das execuções penais, o condenado já iniciaria a pena no regime aberto, considerando que a detração seria realizada na sentença reduzindo, desde logo, a pena imposta.


O juízo das execuções penais ainda pode continuar fazendo detração?
SIM. A Lei n.° 12.736/2012 impôs ao juízo da condenação que faça, já na sentença, a detração devida. Entretanto, a nova Lei não revogou, expressa ou tacitamente, o art. 66, III, c, da LEP. Assim, ainda é possível que o juízo das execuções penais faça a detração penal sempre que o juízo da condenação não tome essa providência ou, ainda, nas hipóteses em que algum período de prisão ou internação não tenha sido considerado na sentença por equívoco ou falta de informação.


Quadro comparativo:

ANTES da Lei n.° 12.736/2012
DEPOIS da Lei n.° 12.736/2012
A detração era realizada pelo juiz das execuções penais.
A detração é realizada pelo juiz do processo de conhecimento, no momento em que proferir a sentença condenatória.
Obs: o juízo das execuções penais continua tendo a possibilidade de fazer a detração, mas de forma subsidiária.
Na prolação da sentença, o juiz não examinava se o condenado possuía direito à detração.
Na prolação da sentença, o juiz tem o dever de fazer a detração.
O regime inicial de cumprimento da pena era fixado com base na pena total imposta (sem considerar eventual direito à detração).
Na fixação do regime inicial o juiz deverá descontar, da pena imposta, o tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação do condenado.
Em nosso exemplo, Eduardo iniciaria o cumprimento da pena no regime semiaberto.
Em nosso exemplo, Eduardo iniciaria o cumprimento da pena no regime aberto.


Com essa nova previsão legal, pode-se dizer que foi inserida uma nova fase no critério trifásico de dosimetria da pena?
NÃO. O critério trifásico de dosimetria da pena continua o mesmo (1-circunstâncias judiciais; 2-agravantes e atenuantes; 3-causas de aumento e de diminuição).
A detração realizada na sentença ocorre após ser concluída a dosimetria da pena e antes da fixação do regime inicial de cumprimento. Esse é o momento da detração na sentença.

Para fins de prescrição pela pena em concreto (retroativa, superveniente e executória), deverá ser considerado o total da reprimenda fixada na dosimetria ou a pena reduzida pela detração?
Para analisar se houve a prescrição, deverá ser levado em conta o total da pena fixada na dosimetria, não sendo considerado o desconto ocorrido pela detração.
A Lei n.° 12.736/2012 não alterou o critério para calcular a prescrição, que continua previsto no art. 110, caput e § 1º do Código Penal, os quais mencionam expressamente que a prescrição regula-se pela pena aplicada, ou seja, pela reprimenda fixada na dosimetria.
Assim, a detração realizada na sentença produz efeitos para fins de fixação do regime inicial e não para cálculo da prescrição. Nesse sentido, a redação do novel § 2º do art. 387 do CPP procurou ser explícita quanto à sua finalidade:

Art. 387. (...)
(...)
§ 2º O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade.


Vacatio legis
A Lei n.° 12.736/2012 não possui prazo de vacatio legis, de forma que já se encontra em vigor. Logo, as sentenças que forem prolatadas atualmente já devem observar essa inovação legislativa.


* Juiz Federal Substituto (TRF da 1ª Região). Foi Defensor Público, Promotor de Justiça e Procurador do Estado.

Como citar este texto:

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Comentários à Lei n.° 12.736/2012, que antecipa, para a sentença condenatória, o momento adequado para realizar a detração da pena. Disponível em: http://www.dizerodireito.com.br. Acesso em: dd mm aa


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