quinta-feira, 17 de junho de 2021

Pessoa com deficiência que possui atividade laboral remunerada, pode, mesmo assim, ser enquadrada como dependente, para fins de imposto de renda?

  

Dependente no imposto de renda

A inclusão de dependentes na declaração do Imposto de Renda gera um abatimento no cálculo do tributo que será pago (art. 4º, III, da Lei nº 9.250/95).

Além disso, o contribuinte pode incluir na declaração as despesas com saúde, educação e previdência privada feitas pelos dependentes. Tais despesas são abatidas do montante do imposto a pagar ou aumentam o valor a restituir (art. 8º, II, “c”, da Lei nº 9.250/95).

 

Quem pode ser considerado dependente, para os fins do imposto de renda?

Existe uma relação prevista no art. 35 da Lei nº 9.250/95:

Art. 35. Para efeito do disposto nos arts. 4º, inciso III, e 8º, inciso II, alínea c, poderão ser considerados como dependentes:

I - o cônjuge;

II - o companheiro ou a companheira, desde que haja vida em comum por mais de cinco anos, ou por período menor se da união resultou filho;

III - a filha, o filho, a enteada ou o enteado, até 21 anos, ou de qualquer idade quando incapacitado física ou mentalmente para o trabalho;

IV - o menor pobre, até 21 anos, que o contribuinte crie e eduque e do qual detenha a guarda judicial;

V - o irmão, o neto ou o bisneto, sem arrimo dos pais, até 21 anos, desde que o contribuinte detenha a guarda judicial, ou de qualquer idade quando incapacitado física ou mentalmente para o trabalho;

VI - os pais, os avós ou os bisavós, desde que não aufiram rendimentos, tributáveis ou não, superiores ao limite de isenção mensal;

VII - o absolutamente incapaz, do qual o contribuinte seja tutor ou curador.

 

Se você ler novamente os incisos III e V, irá perceber que, se a pessoa com deficiência for maior que 21 anos e tiver condições de trabalhar, ela não poderá ser enquadrada como dependente. Obs: se essa pessoa estiver cursando ensino superior, poderá ser considerada dependente até completar 24 anos.

 

ADI

A OAB ajuizou ação direta de inconstitucionalidade contra o art. 35, III e V, da Lei nº 9.250/95.

Na ação, a autora pediu que o STF desse interpretação conforme a Constituição ao dispositivo e que as pessoas com deficiência, independentemente da capacidade física ou mental para o trabalho, possam ser consideradas como dependentes para fins de imposto de renda.

Em outras palavras, a OAB pediu para que a pessoa com deficiência possa ser considerada dependente mesmo que possa trabalhar.

 

O STF concordou com o pedido formulado pela OAB?

Em parte.

O STF julgou parcialmente procedente a ADI e fixou interpretação conforme a Constituição do art. 35, III e V, da Lei nº 9.250/95, estabelecendo que a pessoa com deficiência, mesmo que esteja capacitada para o trabalho, pode sim ser considerada como dependente mas, para isso, a sua remuneração não pode exceder as deduções autorizadas por lei.

 

As pessoas com deficiência compõem o grupo vulnerável que possui a disciplina de proteção mais completa atualmente positivada na Constituição brasileira, no que diz respeito ao detalhamento e à extensão da tutela. O texto constitucional assegura a elas inúmeros direitos.

Em linha com o texto da Constituição de 1988, o Brasil ratificou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – CDPD (Decreto Legislativo nº 186/2008), que foi incorporada à ordem jurídica brasileira com o status de emenda constitucional, na forma do art. 5º, § 3º, da CF/88. Essa Convenção compõe, então, o chamado bloco de constitucionalidade, servindo como parâmetro para o controle de constitucionalidade.

De acordo com o artigo 1º da Convenção, as pessoas com deficiência “são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”.

O art. 35, III e V, da Lei nº 9.250/95 introduz uma discriminação indireta contra as pessoas com deficiência, notadamente à luz do seu direito ao trabalho, já que a aparente neutralidade do critério da capacidade física ou mental para o trabalho oculta o efeito anti-isonômico produzido. Para a generalidade dos indivíduos, pode fazer sentido que a aptidão laborativa seja o critério definidor da condição de dependente em relação aos ganhos do genitor ou responsável, tendo em vista que, sob essa circunstância, eles possuem chances de se alocarem no mercado de trabalho e proverem o próprio sustento. Tal probabilidade se reduz de forma drástica quando se trata de pessoas com deficiência, cujas condições físicas ou mentais restringem de forma mais ou menos intensa as oportunidades profissionais.

Uma pesquisa de outubro de 2020, realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, revelou que, desde janeiro daquele ano, mais de 23 mil pessoas com deficiência perderam o emprego, não tendo havido qualquer mês em que o saldo de geração de postos de trabalho para esse grupo tenha sido positivo. Por outro lado, para os demais trabalhadores, só em setembro foram registrados mais de 131 mil novos postos formais de emprego. Portanto, não é legítimo que a lei adote o mesmo critério, ainda que objetivo, para disciplinar situações absolutamente distintas. Ao assim fazer, afronta o direito à igualdade material.

A norma questionada produz mais um efeito deletério, desta vez em relação ao direito ao trabalho da pessoa com deficiência. Alguém que antes era incapaz para a atividade laboral pode, em razão de inovações tecnológicas, da criação de novos postos de trabalho ou mesmo da superação de limites individuais que até então pareciam intransponíveis, tornar-se apto para o exercício de uma atividade remunerada específica. O dispositivo legal impugnado, porém, traz um desestímulo a que a pessoa com deficiência busque alternativas para se inserir no mercado de trabalho, principalmente quando incorre em elevadas despesas médicas - que não raro estão atreladas a deficiências mais graves. Vale dizer, instaura-se um incentivo inversamente proporcional ao crescimento das deduções legalmente autorizadas, que excedam a remuneração da pessoa com deficiência. Quanto maiores forem tais deduções, menor será o incentivo de integração no mercado de trabalho.

Isso se dá porque, mantida a incapacidade laboral e, por conseguinte, a qualidade de dependente, o seu genitor ou responsável pode deduzir tais gastos da base de cálculo do imposto sobre a renda, sem qualquer limitação de valor. De outra parte, ao receber um salário, a pessoa com deficiência perde a condição de dependente e passa a ter que declarar os seus rendimentos de forma isolada, o que provavelmente a impedirá de descontar a maior parte do montante das despesas médicas. Isso ocorre porque, em geral, as pessoas com deficiência, quando obtêm um emprego, recebem salários menores do que os demais trabalhadores.

Nesse ponto, não sendo possível à pessoa com deficiência deduzir boa parte de suas despesas médicas da base de cálculo do imposto sobre a renda, há uma clara afronta ao conceito constitucional de renda e ao

princípio da capacidade contributiva (arts. 153, II, e 145, § 1º, da CF/88). A dependência, como causa de dedução de valores da base de cálculo do IRPF, ampara-se no fato de que, ordinariamente, os dependentes consomem os rendimentos do pai, mãe ou responsável. As despesas por eles geradas provocam uma perda de renda para o contribuinte. Ao adotar como critério para a cessação da dependência a capacidade para o trabalho, a norma questionada nesta ação presume o que normalmente acontece: o então dependente passa a arcar com as suas próprias despesas médicas, sem mais representar um ônus financeiro para os seus genitores ou responsáveis. Contudo, não é o que ocorre, como regra, com aqueles que possuem uma pessoa com deficiência, sobretudo grave, na família. Nesse caso, dadas as particularidades envolvidas, o alto nível de despesas médicas não costuma ser compensado pelos baixos ganhos da pessoa com deficiência que exerce uma atividade remunerada. Justifica-se, dessa maneira, a diminuição da base de cálculo do imposto, para que não incida sobre valores que não representam verdadeiro acréscimo patrimonial (art. 153, III, da CF/88).

Desse modo, mostra-se evidente a inconstitucionalidade de uma das hipóteses de incidência do art. 35, III e V, da Lei nº 9.250/95 – a perda da qualidade de dependente de pessoas com deficiência que superem o

limite etário e que sejam capacitadas para o trabalho –, por afronta aos arts. 5º, I, 6º, 153, I e 145, § 1º, da CF/1988 e à Convenção Internacional de Direitos das Pessoas com Deficiência, principalmente aos seus arts. 2º, 4º, 5º, 8º, 19 e 27.

 

Solução dada pelo STF para o caso

A OAB pediu para que fosse reconhecido que toda e qualquer pessoa com deficiência se qualifica como dependente para fins de imposto sobre a renda. O STF disse que essa interpretação contraria a existência de diferentes graus de deficiência e a realidade de cada um deles.

Assim, o STF adotou uma interpretação alternativa, que foi sugerida pela Defensoria Pública da União, que atuou no caso como amicus curiae.

A interpretação adotada pela Corte foi a seguinte: a pessoa com deficiência pode ser enquadrada como dependente, mesmo que seja capaz para o trabalho, mas desde que não receba remuneração que exceda as deduções legalmente autorizadas.

Assim, com a exigência desse último requisito (desde que sua remuneração não exceda as deduções autorizadas por lei) as pessoas com deficiência que recebam valores suficientes para arcar com suas despesas perdem a qualidade de dependente e, neste caso, deverão preencher a sua própria declaração de imposto de renda.

Essa interpretação protege principalmente aqueles que tenham despesas médicas mais elevadas. Normalmente, são as pessoas que possuem deficiências de maior gravidade e, por consequência, as que encontram maior dificuldade para ingressar no mercado de trabalho e para atingir a sua independência financeira.

 

Em suma:

Na apuração do imposto sobre a renda de pessoa física, a pessoa com deficiência que supere o limite etário e seja capacitada para o trabalho pode ser considerada como dependente quando a sua remuneração não exceder as deduções autorizadas por lei.

STF. Plenário. ADI 5583/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 14/5/2021 (Info 1017).

 

Print Friendly and PDF