terça-feira, 26 de junho de 2012

Questão interessante sobre latrocínio que pode ser cobrada em uma prova prática ou de sentença



Imagine a seguinte situação hipotética (baseado em um caso concreto, mas com adaptações):

João e Pedro decidem roubar uma padaria. Entram no local e, João, armado com um revólver, anuncia o assalto, ameaçando o dono do estabelecimento e subtraindo dinheiro do caixa.

Após fugirem, o dono da padaria aciona imediatamente a polícia que, por estar perto, logo chega ao local e começa a fazer uma busca nas redondezas.

João e Pedro resolvem, então, assaltar uma farmácia que ficava a duas ruas da padaria.

João entrou na farmácia, levantou a camisa, mostrando a arma de fogo e retirou das prateleiras, em seguida, pacotes de fraldas, colocando-as em cima do balcão, enquanto Pedro aguardava do lado de fora para garantir o sucesso da empreitada criminosa.

Os policiais que faziam a busca lograram êxito em chegar ao local e detiveram João.

Pedro, por outro lado, conseguiu empreender fuga, sendo perseguido por um policial. Durante a perseguição, Pedro atingiu o policial com um disparo de arma de fogo, causando-lhe lesões que foram a causa eficiente de sua morte.

Ficou provado que João e Pedro utilizaram, nos assaltos, um veículo que sabiam havia sido furtado por Mário, que o “emprestou” para que eles realizassem os crimes.

Que crimes cometeram João e Pedro?

Pedro
Roubo circunstanciado consumado (art. 157, § 2º, I e II, do CP)
Latrocínio consumado (art. 157, § 3º do CP)
Receptação (art. 180 do CP)
João
Roubo circunstanciado consumado (art. 157, § 2º, I e II, do CP)
Roubo circunstanciado tentado (art. 157, § 2º, I e II c/c art. 14, II, do CP)
Receptação (art. 180 do CP)
Vamos agora explicar cada uma das imputações:

Quanto à receptação:
João e Pedro respondem pela receptação pelo fato de terem “recebido” um carro que sabiam ser produto de crime. Veja o tipo penal:
Art. 180. Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

“Receber” significa adquirir a posse do bem, não importando que tenha como objetivo usá-lo e depois abandoná-lo.
João e Pedro não respondem pelo furto do veículo porque não há provas de que tenham concorrido, de qualquer modo, para a prática desse crime (auxiliado, instigado etc.).

Quanto ao roubo da padaria:
Tanto João como Pedro respondem pelo roubo circunstanciado (apesar de comum, é errado falar em roubo “qualificado”) previsto no art. 157, § 2º, I (emprego de arma) e II (concurso de pessoas):
Art. 157 (...)
§ 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade:
I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;
II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;

O fato de apenas João ter anunciado o assalto e apontado a arma não faz com que Pedro deixe de responder pelo mesmo tipo penal. Isso porque o emprego da arma é uma circunstância objetiva e as circunstâncias objetivas se comunicam a todos os envolvidos no evento criminoso, sejam eles coautores ou partícipes, conforme se extrai da regra prevista no art. 30 do CP.

Quanto ao roubo da farmácia:
Aqui é que há uma maior complexidade.

Pedro
Pedro responde por latrocínio consumado, mesmo a polícia tendo chegado na hora do crime e, por isso, não tendo sido conseguida a subtração de nenhum bem?
R: SIM, por razões de política criminal o STF entendeu que, apesar do latrocínio ser originalmente um crime patrimonial, deve-se dar prevalência ao bem jurídico vida, de modo que, se esta foi ceifada, o latrocínio deve ser considerado consumado. Nesse sentido:
Súmula 610-STF: Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não se realize o agente a subtração de bens da vítima.

Subtração
Morte
Latrocínio
Consumada
Consumada
Consumado
Tentada
Tentada
Tentado
Consumada
Tentada
Tentado
Tentada
Consumada
Consumado (Súmula 610-STF)
Dica: repare que a consumação do latrocínio será sempre determinada pela consumação ou não da morte.

João
Por que João não responde por latrocínio e sim por roubo tentado?
R: Em regra, se duas pessoas decidem participar de um roubo armado e um dos agentes causa a morte de alguém, o latrocínio consumado deve ser imputado a todos os envolvidos no evento criminoso. Isso porque o Código Penal adota a teoria monista ou unitária prevista no art. 29:
Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

Em outras palavras, em regra, o coautor que participa de roubo armado responde pelo latrocínio ainda que o disparo tenha sido efetuado só pelo comparsa. Essa é a jurisprudência do STJ e do STF.

Entretanto, excepcionalmente, em um caso concreto noticiado no Informativo 670, a 1ª Turma do STF considerou que não se poderia imputar o resultado morte ao coautor (João) em virtude de ter havido a ruptura do nexo de causalidade entre os agentes (HC 109151/RJ, rel. Min. Rosa Weber, 12.6.2012).

Seria necessário que houvesse entre os coautores (Pedro e João) o nexo biopsicológico no quesito relativo à culpabilidade, ou seja, a ciência de ambos a respeito do que iriam fazer. Seria necessário que João, ainda que implicitamente, tivesse concordado com o fato de Pedro atirar no policial. Ocorre que isso não foi demonstrado já que João aceitou ser preso (não reagiu) enquanto que Pedro fugiu e atirou no policial para garantir a fuga.

Veja como Cleber Masson, autor do melhor livro de Direito Penal para concursos, explica o tema:
Se, no contexto do roubo, praticado em concurso de pessoas, somente uma delas tenha produzido a morte de alguém – vítima da subtração patrimonial ou terceiro –, o latrocínio consumado deve ser imputado a todos os envolvidos na empreitada criminosa, como consectário lógico da adoção da teoria unitária ou monista pelo art. 29, caput, do Código Penal (...).
Entretanto, se um dos agentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste. Cuida-se de manifestação do instituto da cooperação dolosamente distinta, ou desvios subjetivos entre os agentes, disciplinado pelo art. 29, § 2º, do Código Penal.
Nessa hipótese, não há concurso de pessoas para o crime mais grave, mas somente para o de menor gravidade. Exemplo: “A” e “B” combinam a prática do furto de um automóvel. Quando, em via pública, valendo-se de chave falsa, começam a abrir a fechadura de um veículo para subtraí-lo, são surpreendidos pelo seu proprietário. Nesse momento, “A” decide fugir, ao passo que “B” luta com o dono do automóvel, vindo a mata-lo mediante disparo de arma de fogo. A solução jurídico-penal é simples: “A” responde por tentativa de furto qualificado, enquanto a “B” será imputado o crime de latrocínio consumado. (...)” (MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. Vol. 2. Parte Especial. 3ª ed., São Paulo : Editora Método, 2011, p. 406).

E então, se fosse um prova prática da Defensoria ou do Ministério Público, você teria conseguido fazer a correta tipificação das condutas? E se fosse uma prova de sentença, teria julgado de acordo com o STF?

Não estranhe se esse exemplo vier a ser cobrado na sua futura prova. Tenho certeza que você irá acertar. 

Bons estudos.

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