quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Comentários à Lei 13.484/2017: naturalidade nos assentos públicos e RCPN como ofícios da cidadania



Olá amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada hoje a Lei nº 13.484/2017, que modifica a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73). Vale ressaltar que esta Lei é fruto da conversão da MP 776/2017.

Trata-se de importante novidade legislativa e que certamente será muito cobrada nas provas de concurso, especialmente de cartório.

Vamos verificar o que mudou:

1. NATURALIDADE QUE DEVERÁ CONSTAR NOS ASSENTOS PÚBLICOS

Imagine a seguinte situação hipotética:
Maria está grávida e mora em Manaquiri, pequeno Município do interior do Amazonas.
Como em Manaquiri não existe maternidade, Maria foi realizar o parto em Manaus, onde, então, nasceu seu filho Neymar.

No momento em que Neymar for ser registrado, o oficial do Registro Civil deverá consignar que ele é natural de qual Município? Qual será a naturalidade de Neymar?
Antes da Lei 13.484/2017 (MP 776/2017)
ATUALMENTE
Se esse fato tivesse ocorrido antes da MP 776/2017 (convertida na Lei nº 13.484/2017), o Oficial deveria consignar que Neymar era natural de Manaus (AM), local em que ele efetivamente nasceu.
Existem duas opções de naturalidade para Neymar. Ele poderá ser registrado como sendo natural de:
1) Manaus (local onde ocorreu o nascimento); ou de
2) Manaquiri (Município de residência da mãe do registrando na data do nascimento).

Assim, a Lei nº 13.484/2017 alterou a LRP para prever que se a criança nasceu em cidade diferente daquela onde mora sua mãe, ela poderá ser registrada como sendo natural do local de nascimento ou do Município onde reside sua genitora.
A pessoa que estiver declarando o nascimento é quem irá escolher uma das duas opções acima (obs: normalmente quem declara o nascimento é o pai ou a mãe, nos termos do art. 52 da LRP).

Veja o parágrafo acrescido pela Lei nº 13.484/2017 ao art. 54 da Lei de Registros Públicos:
Art. 54 (...)
§ 4º A naturalidade poderá ser do Município em que ocorreu o nascimento ou do Município de residência da mãe do registrando na data do nascimento, desde que localizado em território nacional, e a opção caberá ao declarante no ato de registro do nascimento.

Vale ressaltar que não há grande repercussão jurídica no fato de a criança ser registrada em um ou outro Município brasileiro. A questão aqui é mais sentimental, ou seja, de a mãe sentir que seu filho é natural do Município onde eles moram mas, apesar disso, antes da mudança, ela ser obrigada a registrá-lo como sendo natural de outro local pelo simples fato de o parto ter ocorrido ali. Dessa forma, a intenção da Lei nº 13.484/2017 foi a de corrigir uma "injustiça" que os Municípios mais pobres do Brasil sofriam, já que praticamente não tinham pessoas registradas como sendo naturais dali porque as mães eram obrigadas a ter seus filhos em cidades vizinhas.

Assento e certidão de nascimento
Outra novidade trazida pela Lei nº 13.484/2017 é que agora existe a expressa previsão legal de que o registrador, no momento do assento do nascimento, deverá consignar a naturalidade do registrando. Isso já acontecia na prática, no entanto, agora esse dever consta expressamente na LRP.
Além disso, a Lei também determinou que nas certidões de nascimento deverá constar a naturalidade do nascido.

Assento do casamento
A Lei nº 13.484/2017 determinou que no assento do casamento deverá constar expressamente a naturalidade dos cônjuges. Antes não havia essa exigência.
Art. 70. Do matrimônio, logo depois de celebrado, será lavrado assento, assinado pelo presidente do ato, os cônjuges, as testemunhas e o oficial, sendo exarados:
1º) os nomes, prenomes, nacionalidade, naturalidade, data de nascimento, profissão, domicílio e residência atual dos cônjuges;


2. REGISTROS CIVIS COMO OFÍCIOS DA CIDADANIA

Outra importante mudança feita pela Lei nº 13.484/2017 foi a de ampliar a possibilidade de serviços a serem prestados pelos cartórios de Registro de Pessoas Naturais.

No Registro Civil de Pessoas Naturais (RCPN) são feitos os registros de nascimentos, casamentos, conversões de união estável em casamento, óbitos, emancipações, entre outros previstos no art. 29 da Lei nº 6.015/73.

Em virtude da relevância social desse registro, existe um cartório de RCPN em praticamente todo Município do Brasil.

Vale ressaltar que a arrecadação dos Registradores Civis é baixa e, em algumas cidades do interior, muitos cartórios são deficitários, ou seja, praticamente têm prejuízo. Em Municípios pobres, algumas vezes é até difícil fazer o provimento desses cartórios por falta de interessados. Atenção: não estou falando de cartórios de Registro de Imóveis, Tabelionatos de Notas ou de Protesto, onde o cenário é bem diverso. Refiro-me aqui ao RCPN, que possui uma realidade completamente diferente do que se imagina em termos de faturamento de cartórios.

O que fez, então, a Lei nº 13.484/2017: decidiu aproveitar a capilaridade dos cartórios do RCPN (sua presença maciça nos Municípios) e também incrementar a arrecadação dessas serventias. Para tanto, a Lei autorizou que os cartórios de RCPN prestem outros serviços remunerados à população. Veja os §§ 3º e 4º, que foram acrescentados ao art. 29 pela Lei nº 13.484/2017:
Art. 29 (...)
§ 3º Os ofícios do registro civil das pessoas naturais são considerados ofícios da cidadania e estão autorizados a prestar outros serviços remunerados, na forma prevista em convênio, em credenciamento ou em matrícula com órgãos públicos e entidades interessadas.
§ 4º O convênio referido no § 3º deste artigo independe de homologação e será firmado pela entidade de classe dos registradores civis de pessoas naturais de mesma abrangência territorial do órgão ou da entidade interessada.

Exemplos desses outros serviços: emissão de RG, CPF, passaporte etc.
Trata-se de importante novidade, considerando que amplia a possibilidade de oferta de serviços às populações mais distantes dos grandes centros.

Para fins de concurso, fique atento para a qualificação que foi utilizada para caracterizar os cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais: ofícios da cidadania.


3. CERTIDÃO DE ÓBITO LAVRADA PELO OFICIAL DO REGISTRO CIVIL DO LUGAR DE RESIDÊNCIA DO FALECIDO

Outra mudança feita pela Lei nº 13.484/2017 foi alterar a redação do art. 77 da Lei nº 6.015/73, prevendo a possibilidade de a certidão de óbito ser expedida pelo oficial do Registro Civil do lugar de residência do falecido quando a morte ocorrer em local diverso do seu domicílio.

Ex: João morava em uma cidade (“A”) do interior e sofreu um AVC; foi encaminhado para o hospital mais estruturado que fica no Município vizinho (“B”); infelizmente, acabou falecendo; o corpo foi levado de volta para ser enterrado na cidade onde morava. A certidão de óbito poderá ser lavrada pelo oficial do Registro Civil do lugar de residência do falecido (cidade “A”).

Compare a mudança:
Antes da Lei nº 13.484/2017
ATUALMENTE
Art. 77. Nenhum sepultamento será feito sem certidão, do oficial de registro do lugar do falecimento, extraída após a lavratura do assento de óbito, em vista do atestado de médico, se houver no lugar, ou em caso contrário, de duas pessoas qualificadas que tiverem presenciado ou verificado a morte.
Art. 77. Nenhum sepultamento será feito sem certidão do oficial de registro do lugar do falecimento ou do lugar de residência do de cujus, quando o falecimento ocorrer em local diverso do seu domicílio, extraída após a lavratura do assento de óbito, em vista do atestado de médico, se houver no lugar, ou em caso contrário, de duas pessoas qualificadas que tiverem presenciado ou verificado a morte.


4. MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DEIXA DE SER OBRIGATÓRIA NAS AVERBAÇÕES E RETIFICAÇÕES

Averbação
Averbação é o ato do oficial de Registro por meio do qual ele, após ser provocado, anota na margem do assento algum fato ou ato jurídico que modifica ou cancela o conteúdo do registro.
Ex: se o pai tem suspenso ou perde o poder familiar em relação ao seu filho, essa circunstância deverá ser averbada no livro de nascimento (art. 102 da LRP).
Ex2: se um casal se divorcia, isso será averbado à margem do registro (art. 10, I, do Código Civil).

A Lei nº 6.015/73 exigia do oficial de Registro que, antes de fazer a averbação, ele ouvisse o Ministério Público.

Essa exigência era muito criticada porque, na maioria dos casos, as averbações eram simples, sem grande polêmica, razão pela qual se mostrava absolutamente desnecessária essa formalidade.

A Lei nº 12.484/2017 alterou esse cenário e passou a dizer que:
• Em regra: não é necessária a oitiva do Ministério Público para que o oficial do Registro faça as averbações.
• Exceção: nas hipóteses em que o oficial suspeitar de fraude, falsidade ou má-fé nas declarações ou na documentação apresentada para fins de averbação, não praticará o ato pretendido e submeterá o caso ao representante do Ministério Público para manifestação, com a indicação, por escrito, dos motivos da suspeita.

Trata-se da nova redação do art. 97 da Lei nº 6.015/73 (LRP).

Retificação
A retificação é o ato do oficial do Registro que, de ofício ou mediante requerimento, corrige um erro, omissão ou inverdade do registro, da averbação ou da anotação.

O art. 110 da LRP afirmava que os erros mais simples, ou seja, aqueles que não exigiam qualquer indagação para a sua constatação, poderiam ser corrigidos de ofício pelo oficial de Registro no próprio cartório sem necessidade de decisão judicial. No entanto, a Lei exigia manifestação do Ministério Público. Ex: na certidão de nascimento da criança, constou o nome do pai como sendo Waldinei, mas na verdade era Waldiney. Para que essa retificação fosse feita, era indispensável a manifestação prévia do Promotor de Justiça.

O que fez a Lei nº 13.484/2017:
• Melhorou a organização do tema, prevendo hipóteses de retificação;
• Dispensou a prévia oitiva do Ministério Público.

Veja a nova redação do art. 110 da LRP:
Art. 110.  O oficial retificará o registro, a averbação ou a anotação, de ofício ou a requerimento do interessado, mediante petição assinada pelo interessado, representante legal ou procurador, independentemente de prévia autorização judicial ou manifestação do Ministério Público, nos casos de:
I - erros que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção;
II - erro na transposição dos elementos constantes em ordens e mandados judiciais, termos ou requerimentos, bem como outros títulos a serem registrados, averbados ou anotados, e o documento utilizado para a referida averbação e/ou retificação ficará arquivado no registro no cartório;
III - inexatidão da ordem cronológica e sucessiva referente à numeração do livro, da folha, da página, do termo, bem como da data do registro;
IV - ausência de indicação do Município relativo ao nascimento ou naturalidade do registrado, nas hipóteses em que existir descrição precisa do endereço do local do nascimento;
V - elevação de Distrito a Município ou alteração de suas nomenclaturas por força de lei.

§ 1º (Revogado).
§ 2º (Revogado).
§ 3º (Revogado).
§ 4º (Revogado).

§ 5º Nos casos em que a retificação decorra de erro imputável ao oficial, por si ou por seus prepostos, não será devido pelos interessados o pagamento de selos e taxas.

Esse art. 110 será muito exigido nas provas de concurso, sendo fundamental que você saiba as hipóteses ali elencadas.

Márcio André Lopes Cavalcante
Professor



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