sábado, 3 de julho de 2021

Importação de droga via postal: a competência será do local onde a droga foi apreendida ou do local de destino da droga?

  

Imagine a seguinte situação hipotética:

Lucas, que mora em Londrina (PR) comprou, pela internet, ecstasy, de Julian um vendedor de drogas residente na Holanda.

Julian remeteu, da Holanda, a caixa contendo a droga.

Ocorre que, ao chegar no Brasil, em um voo internacional que pousou em São Paulo, a caixa foi levada para inspeção no posto da Receita Federal e lá se descobriu, por meio da máquina de raio X, a existência da droga.

Desse modo, tem-se o seguinte cenário:

· endereço do destinatário da droga importada via Correio: Londrina (PR).

· local da local da apreensão da droga remetida do exterior pela via postal: São Paulo (SP).

 

Qual foi o delito em tese praticado pela pessoa que seria destinatária da droga (que encomendou o entorpecente)?

Tráfico transnacional de drogas (art. 33 c/c art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006). Lucas importou a droga.

 

A competência para julgar será da Justiça Estadual ou Federal?

Justiça Federal, nos termos do art. 109, V, da CF/88 e art. 70 da Lei nº 11.343/2006:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

(...)

V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

 

Art. 70. O processo e o julgamento dos crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, se caracterizado ilícito transnacional, são da competência da Justiça Federal.

 

A competência será da Justiça Federal de São Paulo ou de Londrina?

Importação da droga via postal (Correios)

Tráfico transnacional de drogas (art. 33 c/c art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006)

A competência será do local onde a droga foi apreendida ou do local de destino da droga?

Entendimento anterior do STJ:

Local de apreensão da droga (no ex: SP)

Entendimento atual do STJ:

Local de destino da droga (no ex: Londrina)

Essa posição estava manifestada na Súmula 528 do STJ, aprovada em 13/05/2015:

 

Súmula 528-STJ: Compete ao juiz federal do local da apreensão da droga remetida do exterior pela via postal processar e julgar o crime de tráfico internacional.

Na hipótese de importação da droga via correio cumulada com o conhecimento do destinatário por meio do endereço aposto na correspondência, a Súmula 528/STJ deva ser flexibilizada para se fixar a competência no Juízo do local de destino da droga, em favor da facilitação da fase investigativa, da busca da verdade e da duração razoável do processo.

STJ. 3ª Seção. CC 177.882-PR, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 26/05/2021 (Info 698).

Argumentos desse antigo entendimento:

O CPP prevê que a competência é definida pelo local em que o crime se consumar:

Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.

A conduta prevista no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006 constitui delito formal, multinuclear, sendo que, para sua consumação, basta a execução de qualquer das condutas previstas no dispositivo legal.

No caso em tela, a pessoa que encomendou a droga praticou o verbo “importar”, que significa “fazer vir de outro país, estado ou município; trazer para dentro.” Logo, pode-se afirmar que o delito se consumou no instante em que o produto importado tocou o território nacional, entrada essa consubstanciada na apreensão da droga.

Vale ressaltar que, para que ocorra a consumação do delito de tráfico transnacional de drogas, é desnecessário que a correspondência chegue ao destinatário final. Se chegar, haverá mero exaurimento da conduta. A consumação (importação) ocorreu quando a encomenda entrou no território nacional.

Dessa forma, o delito se consumou no local de entrada da mercadoria, sendo esse o juízo competente, nos termos do art. 70 do CPP.

Argumentos do novo entendimento:

· O primeiro argumento decorre do bom senso. Em São Paulo desembarca a maioria das remessas

importadas, via correios, do exterior. A existência de destinatário certo e devidamente identificado colocaria a Polícia Federal lotada no Estado de São Paulo para investigar indivíduo que residisse, v.g., em Porto Alegre, no Rio de Janeiro, em Boa Vista, em Cuiabá etc. Enfim, em qualquer lugar do Brasil para onde a encomenda estivesse endereçada. Isso dificultaria sobremaneira as investigações, quando não as inviabilizasse por completo;

· O segundo argumento decorre da regra que define a competência pelo lugar em que efetivamente se consuma a infração, circunstância esta essencial para a fixação da competência, nos termos do art. 70, do CPP. para que haja a remessa da droga ao Brasil é necessário que o importador entabule um negócio (evidentemente ilícito). Não é crível, ainda mais no âmbito do tráfico internacional, que alguém remeta drogas para o Brasil gratuitamente ou ofereça essa remessa como um presente sem ônus. É evidente que há um negócio espúrio preliminar à remessa do entorpecente. Assim, quando o importador acerta a remessa do entorpecente, efetua o pagamento do preço e se cerca dos cuidados para que receba o produto, o negócio se encontra aperfeiçoado, dependendo o seu êxito integral, tão somente, do efetivo recebimento da droga. Desse modo, a consumação da importação da droga ocorre no momento da entabulação do negócio jurídico. Logo, o local de apreensão da mercadoria em trânsito não se confunde com o local da consumação do delito, o qual já se encontrava perfeito e acabado desde a negociação.

 

A ementa oficial do julgado fala em “flexibilização da Súmula 528 do STJ”:

“(...) 7. A fixação da competência no local de destino da droga, quando houver postagem do exterior para o Brasil com o conhecimento do endereço designado para a entrega, proporcionará eficiência da colheita de provas relativamente à autoria e, consequentemente, também viabilizará o exercício da defesa de forma mais ampla. Em suma, deve ser estabelecida a competência no Juízo do local de destino do entorpecente, mediante flexibilização da Súmula n. 528/STJ, em favor da facilitação da fase investigativa, da busca da verdade e da duração razoável do processo. (...)”

 

Em suma:

Na hipótese de importação da droga via correio cumulada com o conhecimento do destinatário por meio do endereço aposto na correspondência, a Súmula 528/STJ deva ser flexibilizada para se fixar a competência no Juízo do local de destino da droga, em favor da facilitação da fase investigativa, da busca da verdade e da duração razoável do processo.

STJ. 3ª Seção. CC 177.882-PR, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 26/05/2021 (Info 698).

 

Logo, para fins de concurso público, deve-se adotar essa expressão (“flexibilização da Súmula 528 do STJ”). Na prática, contudo, o que se percebe é que o enunciado foi superado, ou seja, seu entendimento não mais representa a jurisprudência atual do Tribunal e, na minha opinião, não resta outro caminho a não ser cancelar a súmula ou, no mínimo, alterar a sua redação. Tanto isso é verdade que o Min. Relator Joel Ilan Paciornik determinou que fosse encaminhada cópia da decisão “à Comissão de Jurisprudência para adequação da Súmula n. 528/STJ”.

Alguns poderiam argumentar que a Súmula 528 continua a ser aplicada nos casos em que a droga é remetida via postal, mas não se conhece o destinatário. Essa hipótese é improvável. Isso porque toda correspondência remetida já deve ter, necessariamente, o endereço do destinatário. Logo, me parece que, a partir de agora, se a droga foi remetida via postal, a competência sempre será do juízo do destinatário da droga. Este é o novo critério.


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