segunda-feira, 8 de abril de 2024

Duas mulheres que vivem em união estável homoafetiva decidem ter um filho por inseminação artificial; uma delas será responsável pela gestação da criança; a outra mulher – mãe não gestante – também terá direito à licença-maternidade

Imagine a seguinte situação hipotética:

Regina e Ângela vivem em união estável homoafetiva.

Elas decidiram ter um filho por meio de inseminação artificial.

Regina doou o óvulo e o embrião foi implantado em sua companheira Ângela, que ficou grávida.

Ângela é considerada como a mãe gestante enquanto Regina é a mãe não gestante.

Regina é servidora pública municipal. Ela requereu licença-maternidade do Município, mas o pedido foi indeferido. A Administração Pública argumentou que ela não ficou gestante nem deu à luz e, portanto, não poderia gozar da licença-maternidade.

Inconformada, Regina ingressou com ação contra o Município pedindo a concessão da licença-maternidade.

 

A discussão chegou até o STF. Regina tem direito à licença-maternidade?

SIM.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que os casais formados por pessoas do mesmo sexo devem receber a mesma proteção dada pela Constituição às famílias formadas por casais heteroafetivos (ADI 4.277 e ADPF 132, rel. Min. Ayres Britto, julgado em 05/05/2011).

Além disso, a jurisprudência do STF adotou interpretação não reducionista do conceito de família, incorporando uma concepção plural, baseada em vínculos afetivos. Isso em homenagem aos princípios da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e da razoabilidade, bem como à doutrina da proteção integral da criança e do adolescente.

Nesse contexto, o Estado tem o dever de assegurar especial proteção ao vínculo maternal, independentemente da origem da filiação ou da configuração familiar.

A licença-maternidade é um benefício previdenciário destinado à proteção da maternidade e da infância, motivo pelo qual também deve ser garantido à mãe não gestante.

Negar esse benefício à mãe não gestante ofende o princípio constitucional da isonomia considerando que o ordenamento jurídico confere licença-paternidade aos pais que adotam uma criança. Além disso, ao se negar a licença quem também está sendo prejudicada é a criança, de forma que se observa uma violação ao princípio do melhor interesse do menor.

 

Qual é o tempo de duração da licença-maternidade concedida à mãe não gestante?

Depende:

• Se a mãe gestante tiver recebido licença-maternidade: neste caso, a mãe não gestante terá direito à licença-maternidade com a mesma duração da licença-paternidade (5 dias*).

• Se a mãe gestante não tiver recebido licença-maternidade: neste caso, a mãe não gestante terá direito à licença-maternidade com prazo integral (120 dias**).

 

Ex1: suponhamos que Ângela, mulher que gestou a criança, era uma arquiteta autônoma e afirmou não ter condições/interesse de parar de trabalhar para ficar exclusivamente cuidando do bebê. Diante disso, não tirou licença-maternidade. Neste caso, Regina, mãe não gestante, terá direito à licença-maternidade de 120 dias.

 

Ex2: imaginemos situação diferente agora. Ângela, mulher que gestou a criança, era servidora pública estadual. Foi a ela deferida licença-maternidade de 180 dias (conforme previsão na lei estadual). Neste caso, Regina, mãe não gestante, terá direito à licença-maternidade de 5 ou 20 dias (conforme previsão ne legislação).

 

Entendimento se aplica para a iniciativa privada ou para a Administração Pública

Vale ressaltar que o entendimento acima explicado se aplica tanto para mães não gestantes que sejam servidoras públicas como também para mães não gestantes que sejam empregadas da iniciativa privada.

 

Entendimento se aplica também para casamento

O STF, na tese fixada, falou em união estável homoafetiva. Contudo, o entendimento se aplica também para a hipótese de casamento homoafetivo.

 

Em suma:

Na hipótese de gravidez em união homoafetiva, a mãe servidora pública ou trabalhadora do setor privado não gestante faz jus à licença-maternidade ou, quando a sua companheira já tenha utilizado o benefício, a prazo análogo ao da licença-paternidade.

STF. Plenário. RE 1.211.446/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 13/03/2024 (Repercussão Geral – Tema 1.072) (Info 1128).

 

Foi fixada a seguinte tese sobre o tema:

A mãe servidora ou trabalhadora não gestante em união homoafetiva tem direito ao gozo de licença-maternidade. Caso a companheira tenha utilizado o benefício, fará jus à licença pelo período equivalente ao da licença-paternidade.

STF. Plenário. RE 1.211.446/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 13/03/2024 (Repercussão Geral – Tema 1.072) (Info 1128).

 

Observações:

* O prazo da licença-paternidade é de 5 dias, de acordo com o que está estabelecido no art. 10, § 1º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). No entanto, a Lei nº 13.257/2016 prevê a possibilidade de prorrogação desse prazo para um total de 20 dias. Para que essa prorrogação ocorra, a empresa na qual o pai trabalha deve aderir ao programa “Empresa Cidadã”, conforme é disciplinado pela Lei nº 11.770/2008. Na Administração Pública a extensão para 20 dias também é possível e depende de lei ou regulamentação interna do órgão ou entidade.

 

** O prazo da licença-maternidade é de 120 dias como regra geral, conforme estabelecido no art. 7º, XVIII, da CF/88. No entanto, foi mencionado que existe um programa chamado “Empresa Cidadã”, criado em 2008 através da Lei nº 11.770/2008, que permite às empresas concederem uma licença-maternidade estendida de 180 dias para suas empregadas que se tornaram mães. Na Administração Pública a extensão para 180 dias também é possível e depende de lei ou regulamentação interna do órgão ou entidade.


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