sábado, 13 de abril de 2024

O réu que vai a julgamento no plenário do Tribunal do Júri tem o direito subjetivo de não usar o uniforme do presídio?

Imagine a seguinte situação hipotética:

João foi denunciado e pronunciado por homicídio doloso.

Foi designado o dia do julgamento pelo Tribunal do Júri.

Vale ressaltar que João respondeu todo o processo preso e, portanto, iria diretamente do presídio para o seu julgamento no plenário do júri no fórum da cidade.

A defesa de João peticionou ao juiz pedindo autorização para que João se apresentasse ao júri vestindo roupas civis, em vez do uniforme do presídio.

O advogado argumentou que o uso de roupas civis seria crucial para garantir a plenitude da defesa e evitar qualquer estigma junto aos jurados.

O pedido, contudo, foi negado pelo magistrado sob a justificativa de que o uso do uniforme prisional não viola o direito de defesa e é uma prática comum, não afetando a imparcialidade dos jurados.

Além disso, argumentou que permitir que o preso trocasse de roupa traria riscos à segurança, dada a insuficiente escolta policial disponível no fórum.

Diante disso, João permaneceu com o uniforme do presídio durante todo o seu julgamento.

Ao final, ele foi condenado pelos jurados.

O réu interpôs apelação alegando nulidade pelo fato de não ter sido permitido que ele usasse suas próprias roupas, em vez do uniforme do sistema carcerário.

O Tribunal de Justiça negou provimento à apelação.

A defesa impetrou habeas corpus junto ao STJ insistindo na tese de nulidade por ofensa à ampla defesa.

 

O STJ concordou com os argumentos da defesa?

SIM.

O Tribunal do Júri é o juiz natural e soberano para julgar os crimes dolosos contra a vida, sendo instituição que desempenha o exercício direto da participação da sociedade no Poder Judiciário, nos termos preceituados no art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal.

O conselho de sentença, no uso de suas prerrogativas constitucionais, adota o sistema da íntima convicção, no tocante à valoração das provas, de forma que “a decisão do tribunal do júri, soberana, é regida pelo princípio da livre convicção, e não pelo art. 93, IX, da CF.” (HC n. 82.023/RJ, rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJ de 7/12/2009).

Na visão da doutrina, o tribunal do júri é um ritual, ou seja “a instituição da sociedade existe enquanto materialização desse magma de significações imaginárias sociais, traduzível por meio do simbólico. A relação dos agentes sociais com a realidade (que aparece) é intermediada por um mundo de significações” (STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do Júri: símbolos e rituais. 44ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001). Em suma, o ritual e seus simbolismos serão levados em conta pelo jurado, juiz natural do júri, para tomar a decisão final.

Partindo de tais premissas, no caso, verifica-se que o acusado foi submetido a julgamento pelo conselho de sentença com a utilização do uniforme prisional. Contudo, constata-se que a decisão que indeferiu o pedido da defesa para apresentação do réu com roupas civis em plenário não apontou um risco concreto de fuga especificamente do acusado, mas apenas de modo geral e hipotético, devido à insuficiência de vigilância no fórum.

A utilização de roupas sociais pelo réu durante seu julgamento pelo tribunal do júri é um direito e não traria qualquer insegurança ou perigo, tendo em vista a existência de ostensivo policiamento nos fóruns do estado.

O indeferimento do pleito da defesa de troca do uniforme prisional para vestimentas civis, sem nenhum fundamento legítimo, configura violação aos princípios fundamentais, acarretando influência em sua condenação. Deve ser possibilitado aos julgadores um olhar de imparcialidade e serenidade para com o réu, através da abolição de qualquer símbolo de culpa, tal como a vestimenta carcerária, que constrói, por óbvio, um estigma sociocultural de culpado em torno do custodiado, influenciando de forma indevida o ânimo dos jurados.

Ressalte-se, ainda, que é possível a utilização das Regras de Mandela ao caso concreto (Regra 19), que dispõe:

Regra 19:

(...)

3. Em circunstâncias excepcionais, sempre que um preso se afastar do estabelecimento prisional, por motivo autorizado, deverá ter permissão de usar suas próprias roupas ou outra que seja discreta (o acórdão mencionou expressamente a Regra 19.3).

 

As “Regras de Mandela” são um conjunto de diretrizes promulgadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas para a gestão do tratamento de prisioneiros.

 

O STJ já se manifestou no sentido de que “havendo razoabilidade mínima no pleito da defesa, como se vislumbra do pedido pela apresentação do réu em Plenário com roupas civis, resta eivada de nulidade a decisão que genericamente o indefere.” (STJ. 5ª Turma. RMS 60.575/MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 19/8/2019).

 

Em suma:

É nula a decisão que, genericamente, indefere o pedido de apresentação do réu em plenário do júri com roupas civis. 

STJ. 5ª Turma. HC 778.503-MG, Rel. Min. Daniela Teixeira, julgado em 12/3/2024 (Info 804).


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