quarta-feira, 3 de dezembro de 2025
Taxistas com permissão do Poder Público têm direito à isenção de IPI na compra do primeiro veículo, sem necessidade de comprovar exercício anterior da atividade
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João participou de um processo licitatório público
promovido pelo Município e conseguiu obter permissão para exercer a atividade
de transporte individual de passageiros (táxi).
Para formalizar essa permissão e iniciar seu trabalho, a
regulamentação municipal exigia que ele apresentasse um veículo adequado.
Dessa forma, para adquirir seu primeiro carro na condição de
futuro taxista, João solicitou a isenção do Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI) à Receita Federal do Brasil (RFB), com fundamento no
art. 1º da Lei nº 8.989/1995, que concede o benefício a motoristas
profissionais autônomos que exerçam a atividade de condutor de passageiros na
condição de permissionários do poder público:
Art. 1º Ficam isentos do
Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) os automóveis de passageiros de
fabricação nacional, equipados com motor de cilindrada não superior a 2.000 cm³
(dois mil centímetros cúbicos), de, no mínimo, 4 (quatro) portas, inclusive a
de acesso ao bagageiro, movidos a combustível de origem renovável, sistema
reversível de combustão ou híbrido e elétricos, quando adquiridos por:
I - motoristas profissionais que
exerçam, comprovadamente, em veículo de sua propriedade atividade de condutor
autônomo de passageiros, na condição de titular de autorização, permissão ou
concessão do Poder Público e que destinam o automóvel à utilização na categoria
de aluguel (táxi);
(...)
A Receita Federal, contudo, negou o pedido de isenção. O
fundamento foi que João nunca havia exercido anteriormente a atividade de
taxista e não possuía veículo próprio utilizado nessa categoria.
A Receita considerou que o benefício da isenção só se
aplica a quem já desempenha, comprovadamente, a atividade de condutor autônomo
de passageiros em veículo próprio, conforme a redação literal do art. 1º, I, da
Lei nº 8.989/95, que menciona motoristas que “exerçam, comprovadamente, em
veículo de sua propriedade, atividade de condutor autônomo de passageiros”.
Assim, para a Receita Federal, a simples posse da
permissão municipal para operar como taxista não bastava. O contribuinte
precisaria demonstrar que já exercia a profissão e utilizava um veículo na
categoria de aluguel (táxi).
Diante da negativa, João impetrou mandado de segurança,
sustentando que o indeferimento era ilegal, pois se tratava de sua primeira
aquisição de veículo justamente para iniciar a atividade de taxista.
Alegou que a lei não exige o exercício anterior da
profissão, bastando a posse da permissão municipal que o habilitava a explorar
o serviço.
Argumentou ainda que a Receita
Federal, ao exigir comprovação do exercício prévio, teria criado requisito não
previsto em lei.
Após tramitar pelas instâncias ordinárias, o caso
chegou ao STJ. O pedido de João foi acolhido?
SIM.
A isenção de IPI tem finalidade extrafiscal, política
pública tributária destinada ao incentivo do exercício da atividade
profissional por motoristas autônomos taxistas, estimulando a aquisição de
veículo nas condições especificadas em lei, que serve como instrumento de
trabalho. Nesse sentido:
A isenção de IPI prevista na Lei 8.989/1995 tem finalidade
extrafiscal, destinada a estimular o exercício da atividade de taxista mediante
facilitação da aquisição do veículo utilizado como instrumento de trabalho.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.310.565/PB, Rel. Min. Herman Benjamin,
julgado em 21/8/2012.
Conforme prevê o art. 111, inciso II, do CTN, a legislação
tributária que confere outorga de isenção deve ser interpretada literalmente:
Art. 111. Interpreta-se
literalmente a legislação tributária que disponha sobre:
(...)
II - outorga de isenção;
Essa exigência, contudo, não impede o intérprete de
considerar a finalidade e a coerência com o sistema jurídico, mas apenas veda a
ampliação do benefício fiscal para além daquelas hipóteses que o legislador
previu.
Esse entendimento doutrinário está alinhado à
jurisprudência do STJ, segundo a qual “o art. 111 do CTN, que prescreve a
interpretação literal da norma, não pode levar o aplicador do direito à absurda
conclusão de que esteja ele impedido, no seu mister de apreciar e aplicar as
normas de direito, de valer-se de uma equilibrada ponderação dos elementos
lógico-sistemático, histórico e finalístico ou teleológico, os quais integram a
moderna metodologia de interpretação das normas jurídicas” (Resp 192.531/RS,
relator Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, julgado em 17/2/2005,
DJ de 16/5/2005).
Assim, não há no art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.989/1995,
exigência alguma de exercício prévio da atividade de taxista. A tese da
Fazenda, ao condicionar a isenção a esse requisito, cria limitação não escrita
pelo legislador.
A finalidade extrafiscal da norma e sua coerência do
sistema normativo conduz ao entendimento de que a expressão presente no texto
legal de “motoristas profissionais que exerçam” está relacionada com a
destinação do veículo adquirido exclusivamente para atividade de taxista,
bastando a existência prévia de autorização ou de permissão do Poder Público.
Restringir o benefício apenas aos taxistas já
estabelecidos anteriormente na profissão equivaleria a reduzir o alcance social
da lei, criando uma barreira injustificada ao ingresso de novos profissionais e
incompatível com o objetivo da política pública.
Desse modo, a previsão do art. 1º, inciso I, da Lei
8.989/1995 favorece tanto os taxistas que já exercem a profissão quanto os que
desejam ingressar nela.
Em suma:
O direito à isenção do Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI) na aquisição de veículo automotor para o exercício da
atividade de taxista não exige o exercício anterior da referida atividade,
bastando a existência prévia de autorização ou de permissão do Poder
Público.
STJ. 1ª
Turma. REsp 2.018.676-MG, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, julgado em
14/10/2025 (Info 869).

