sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Comentários à EC 76/2013 (voto aberto no Congresso Nacional)


Olá amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada, no dia de hoje, a Emenda Constitucional n.° 76/2013, que trata sobre o fim do voto secreto no Congresso Nacional para as votações envolvendo perda de mandato de parlamentares e apreciação de vetos do Poder Executivo.

Vamos agora conhecer, com mais detalhes, sobre o que trata a emenda.

As votações no Congresso Nacional são secretas ou abertas?
A regra é que as votações na Câmara dos Deputados e no Senado Federal sejam ABERTAS. Isso decorre do fato de o Brasil ser uma República e de adotarmos a publicidade dos atos estatais como um princípio constitucional.
Assim, a população tem o direito de saber como votam os seus representantes, considerando que eles estão exercendo o poder em nome do povo (art. 1º, parágrafo único, da CF/88).

Existem votações no Congresso Nacional que são secretas?
SIM. A regra é a publicidade, mas a própria Constituição Federal de 1988 previu hipóteses em que a votação será secreta.

O que fez a Emenda Constitucional n.° 76/2013?
Acabou com o voto secreto em duas hipóteses:
1) Votação para decidir sobre a perda do mandato do parlamentar;
2) Apreciação de veto do Presidente da República.

Vejamos as duas hipóteses:

1) DECISÃO QUANTO À PERDA DO MANDATO DO PARLAMENTAR:

A CF/88 estipula as hipóteses em que o Parlamentar federal poderá perder o seu mandato:
Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;
II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;
III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;
IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;
VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.

Nas hipóteses dos incisos III, IV e V, a perda do mandato é automática.

Já nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto da maioria absoluta.

Essa votação para decidir se o Deputado ou Senador irá perder o mandato é uma votação secreta ou aberta?
A EC n.° 76/2013 determinou que essa votação seja ABERTA.
Na redação originária da CF/88 era secreta.


2. APRECIAÇÃO DE VETO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
O projeto de lei, após tramitar e ser aprovado pelo Congresso Nacional, é encaminhado para receber sanção ou veto do Presidente da República, conforme prevê o art. 66 da CF/88.

Presidente sanciona o projeto:
Se o Presidente decidir sancionar o projeto, este é promulgado, publicado e se torna lei.

Presidente veta o projeto:
Pode acontecer, no entanto, de o Presidente decidir vetar o projeto aprovado.
Nesse caso, ele irá retornar ao Poder Legislativo para que seja apreciado pelo Congresso Nacional, em uma sessão conjunta, ou seja, com votos de Deputados Federais e Senadores.
Os parlamentares poderão decidir manter o veto (concordando com o Presidente) ou, então, rejeitá-lo (discordando do chefe do Executivo e transformando o projeto vetado em lei).
Para que o veto seja rejeitado (derrubado) pelo Congresso Nacional é necessário o voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores (§ 4º do art. 66).

Essa votação para decidir se o veto será mantido ou rejeitado é uma votação secreta ou aberta?
A EC n.° 76/2013 determinou que essa votação seja ABERTA.
Na redação originária da CF/88 era secreta.

Em resumo, com a aprovação da EC n.° 76/2013 passam a ter votação ABERTA:
• A decisão se o Deputado ou Senador deverá perder o mandato, nas hipóteses previstas no art. 55, I, II e VI, da CF/88.
• A decisão se o veto do Presidente da República a um projeto de lei aprovado deverá ser mantido ou rejeitado.


Com a aprovação da EC n.° 76/2013 pode-se dizer que todas as votações da Câmara dos Deputados e do Senado Federal são agora abertas?
NÃO. Ainda existem quatro situações em que há votação secreta.
As três primeiras estão previstas na CF/88 (art. 52, III, IV e XI).
A quarta hipótese é tratada apenas pelo regimento interno do Senado e da Câmara.

Veja:

1) Escolha, pelos Senadores, de:
a) Magistrados, nos casos estabelecidos na Constituição (ex: Ministros do STF);
b) Ministros do TCU indicados pelo Presidente da República;
c) Governador de Território;
d) Presidente e diretores do Banco Central;
e) Procurador-Geral da República;
f) titulares de outros cargos que a lei determinar (ex: agências reguladoras).

2) Escolha, pelos Senadores, dos chefes de missão diplomática de caráter permanente
Obs: nesse caso, além do voto ser secreto, a sessão em que os indicados são arguidos (“sabatinados”) pelos Senadores também é secreta.

3) Aprovação, pelos Senadores, da exoneração, de ofício, do Procurador-Geral da República antes do término de seu mandato
Obs: sendo aprovada a sua exoneração, ele será destituído pelo Presidente a República.

4) Eleição da Mesa Diretora da Câmara e do Senado.
Obs: a eleição dos membros da Mesa Diretora (ex: Presidente, Secretário da Câmara/Senado) é secreta por força de uma previsão no regimento interno das Casas. A CF/88 não estabelece nem que essa votação seja aberta nem que seja secreta.
Diante dessa lacuna da CF/88, existem vozes que defendem, com acerto, que a previsão de voto secreto do regimento interno seria inconstitucional. Isso porque, conforme já explicamos, a regra é a publicidade e a exceção (sigilo) somente deve ser admitida nos casos em que a própria Constituição autorizar.

Logo, é incorreto dizer que acabou o voto secreto no Congresso Nacional, havendo, ainda, hipóteses de votação secreta, conforme visto acima.


Polêmica
Vamos comparar a redação dos dispositivos alterados pela EC 76/2013:

ANTES da EC 76/2013
DEPOIS da EC 76/2013
Art. 55 (...)
§ 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
Art. 55 (...)
§ 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
Art. 66 (...)
§ 4º O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em escrutínio secreto.
Art. 66 (...)
§ 4º O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores.

Se você reparar, a EC 76/2013 limitou-se a retirar as expressões “voto secreto” e “em escrutínio secreto”.

Não houve a inclusão de uma previsão expressa de que o voto teria que ser aberto em tais situações.

Logo, houve alguns comentários afirmando que o voto secreto ainda persistiria, considerando que está previsto nos Regimentos Internos da Câmara e do Senado.

Esse raciocínio está correto?
NÃO. Como já dito, a regra constitucional é a publicidade. A votação secreta somente é permitida se for expressamente prevista na CF. Em caso de silêncio, prevalece a publicidade. Tanto isso é verdade que, para as demais votações do Parlamento, o texto constitucional não precisa reafirmar que se trata de voto aberto. É o caso, por exemplo, das demais matérias previstas no art. 53 da CF/88.
Desse modo, os dispositivos dos Regimentos Internos que previam o voto secreto para perda de mandato e apreciação de veto não foram recepcionados pela EC 76/2013.
A EC 76/2013 fez bem em não prever expressamente o voto aberto para tais casos. Isso porque seria redundante, além de enfraquecer a força normativa do princípio da publicidade que não precisa de repetições ao longo do texto constitucional para que tenha eficácia geral.


As mudanças trazidas pela EC 76/2013 produzem efeitos também para os casos de Deputados Estaduais?
SIM. Por força do princípio da simetria, as regras previstas na CF/88 para os Deputados Federais quanto à perda de mandato e processo legislativo devem também ser aplicadas aos Deputados Estaduais (art. 27, § 1º).
Logo, os dispositivos da CF/88 que determinam o voto aberto nas sessões que discutem perda de mandato e apreciação de veto também devem ser aplicadas no âmbito do Poder Legislativo estadual.
Os dispositivos de Constituições estaduais que ainda prevejam votação secreta para tais deliberações das Assembleias Legislativas não foram recepcionados pela EC n.° 76/2013.


Márcio André Lopes Cavalcante


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