sexta-feira, 13 de abril de 2012
Decisão do STF na ADPF 54: não existe crime de aborto de fetos anencéfalos
sexta-feira, 13 de abril de 2012
Conceito de aborto
Aborto é a interrupção da vida intra-uterina, com a destruição do produto da concepção (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial. São Paulo: Atlas, 24ª ed., 2006, p. 62).
O aborto no Brasil é crime?
SIM. O aborto no Brasil é crime,
tipificado nos arts. 124, 125 e 126 do Código Penal. 
Exceções em que o aborto não é crime no Brasil:
O Código Penal, em seu art. 128,
traz duas hipóteses em que o aborto é permitido:
Inciso I: se não há outro meio de
salvar a vida da gestante (é o chamado “aborto necessário”).
Inciso II: no caso de gravidez
resultante de estupro (“aborto humanitário”).
Segundo o texto do CP, essas
seriam as duas únicas hipóteses em que o aborto seria permitido legalmente
no Brasil.
Feto anencéfalo
Feto anencéfalo é aquele que, 
“por malformação congênita, não possui uma parte do sistema nervoso central, ou melhor, faltam-lhe os hemisférios cerebrais e tem uma parcela do tronco encefálico (bulbo raquidiano, ponte e pedúnculos cerebrais)” (DINIZ, Maria Helena. O Estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 281)
ADPF 54
A Confederação Nacional dos
Trabalhadores da Saúde do Brasil ingressou com uma ação de arguição de
descumprimento de preceito fundamental no Supremo Tribunal Federal (ADPF n.º 54)
pedindo que a Corte Constitucional conferisse ao Código Penal uma interpretação
conforme a Constituição e declarasse que o aborto de fetos anencéfalos não é
crime.
Principais argumentos utilizados na ADPF:
A ação foi assinada pelo grande
constitucionalista Luis Roberto Barroso e tinha, entre outros, os seguintes
argumentos:
- Como o feto anencéfalo não desenvolveu o cérebro, ele não teria qualquer condição de sobrevivência extrauterina;
- Perdurar a gestação por meses seria apenas prolongar o sofrimento da mãe considerando que a morte da criança ao nascer, ou mesmo antes do parto, seria cientificamente inevitável;
- Rigorosamente, não haveria nem mesmo aborto porque o feto anencéfalo é desprovido de cérebro e, segundo a Lei n.º 9.434/1997, o marco legislativo para se aferir a morte de uma pessoa ocorre no momento em que se dá sua morte cerebral.
Argumentos contrários à ADPF:
Outros setores da sociedade e, em
especial a Igreja Católica, mostraram-se completamente contrários à possibilidade
de aborto de fetos anencefálicos. Para tanto, valeram-se das seguintes razões:
- O feto já pode ser considerado um ser humano e deve ter seu direito à vida respeitado;
- Haveria chances de sobrevivência extrauterina, como no caso raro de uma criança chamada Marcela de Jesus Galante Ferreira, que foi diagnosticada como feto anencéfalo, mas teria sobrevivido alguns meses após o parto (conhecido como “Caso Marcela”). (obs: os médicos rechaçam essa afirmação, sustentando que não se trataria de feto anencéfalo, tendo havido erro no diagnóstico);
- A legalização do aborto de fetos anencefálicos representaria o primeiro passo para a legalização ampla e irrestrita dos abortos no Brasil;
- O aborto de fetos anencefálicos seria um tipo de aborto eugênico, isto é, uma espécie de aborto preconizada por regimes arianos, como o nazista, no qual se eliminariam indivíduos com deficiências físicas ou mentais, em uma forma de purificação da raça.
CNBB como amicus curiae
A Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil (CNBB) chegou, inclusive, a pedir para intervir na ADPF como amicus curiae (intervenção processual
atípica de terceiros), o que, no entanto, foi negado pelo Ministro Relator da
ação.
Medida cautelar concedida pelo Min. Marco Aurélio
Em 1º de julho de 2007, o Min.
Marco Aurélio, do STF, concedeu, em decisão monocrática, medida cautelar na referida ação, declarando
que não haveria crime nesses casos e determinando a suspensão dos processos que
versassem sobre o tema.
O Pleno do STF se reuniu, cassou
a liminar concedida pelo Relator, mas determinou que os processos que tratassem
sobre o assunto em outros juízos continuassem suspensos.
ADPF como instrumento para discutir o tema
Antes de examinar o mérito, ainda no julgamento da cautelar concedida pelo Min. Marco Aurélio, o
Procurador Geral da República suscitou uma questão de ordem no sentido de que a
ADPF não seria o meio processual adequado para tratar sobre tal tema. O STF, no
entanto, rejeitou a questão de ordem e, por 7 votos contra 4 (à época) declarou que não
havia qualquer empecilho processual e que a ADPF poderia ser utilizada para
discutir o assunto.
Audiências públicas
Desde então o STF realizou audiências públicas e ouviu inúmeros representantes da área médica a fim de recolher
maiores subsídios para julgar a ação.
Julgamento do mérito da ADI
Após longos anos de tramitação, nesta quarta (11/04) e quinta-feira
(12/04), o STF julgou o mérito da ADPF.
O que foi decidido?
Por 8 votos a 2, os Ministros
entenderam que não é crime interromper a gravidez de fetos anencéfalos. 
Assim, os médicos que fazem a
cirurgia e as gestantes que decidem interromper a gravidez não cometem crime de
aborto.
A grávida e a equipe médica precisam de autorização judicial para fazer
a cirurgia de retirada de um feto anencéfalo?
NÃO. Segundo restou decidido, para interromper a gravidez
de feto anencéfalo não é necessária decisão judicial que a autorize. Basta o
diagnóstico de anencefalia do feto.
A cirurgia de retirada de um feto anencéfalo é considerada aborto?
NÃO. Sete Ministros que
participaram do julgamento consideraram que não se trata de aborto porque não
há a possibilidade de vida do feto fora do útero.
O Min. Gilmar Mendes votou pela
descriminalização da prática, mas considerou que tal prática configura  sim aborto. Segundo
o Min. Mendes, o aborto de feto anencéfalo pode ser enquadrado no inciso II do
art. 128 do CP, que afirma que não se pune o aborto praticado por médico se não
há outro meio de salvar a vida da gestante.
Trechos relevantes dos votos dos Ministros (com informações do site do
STF):
| 
Min. Marco Aurélio 
(Relator da ADPF) | 
“A incolumidade física do feto
  anencéfalo, que, se sobreviver ao parto, o será por poucas horas ou dias, não
  pode ser preservada a qualquer custo, em detrimento dos direitos básicos da
  mulher”.  
Para ele, é inadmissível que o direito à vida de um feto que não tem
  chances de sobreviver prevaleça em detrimento das garantias à dignidade da
  pessoa humana, à liberdade no campo sexual, à autonomia, à privacidade, à
  saúde e à integridade física, psicológica e moral da mãe, todas previstas na
  Constituição. 
Obrigar a mulher a manter esse
  tipo de gestação significa colocá-la em uma espécie de “cárcere privado em
  seu próprio corpo”, deixando-a desprovida do mínimo essencial de
  autodeterminação, o que se assemelha à tortura. 
“Cabe à mulher, e não ao
  Estado, sopesar valores e sentimentos de ordem estritamente privada, para
  deliberar pela interrupção, ou não, da gravidez”, afirmou, acrescentando
  estar em jogo a privacidade, a autonomia e a dignidade humana dessas
  mulheres, direitos fundamentais que devem ser respeitados. 
Direito à vida 
Em seu voto, o Min. Marco
  Aurélio sustentou que na ADPF 54 não se discute a descriminalização do
  aborto, já que existe uma clara distinção entre este e a antecipação de parto
  no caso de anencefalia. “Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida
  potencial. No caso do anencéfalo, repito, não existe vida possível”. A
  anencefalia, que pressupõe a ausência parcial ou total do cérebro, é doença
  congênita letal, para a qual não há cura e tampouco possibilidade de
  desenvolvimento da massa encefálica em momento posterior. “O anencéfalo
  jamais se tornará uma pessoa. Em síntese, não se cuida de vida em potencial,
  mas de morte segura”, afirmou o Ministro. 
Código Penal 
Em relação ao fato de não haver
  menção no Código Penal aos casos de anencefalia como quesito autorizador de
  interrupção de gravidez, o Ministro Marco Aurélio argumentou que nas décadas
  de 30 e 40, quando foi editado o Código Penal hoje vigente, a medicina não
  possuía os recursos técnicos necessários para identificar previamente esse
  tipo de anomalia fetal. 
Estado laico 
Ao proferir seu voto, o Min.
  reforçou ainda o caráter laico do Estado brasileiro, previsto desde a Carta
  Magna de 1891, quando da transição do Império à República. “A questão posta
  nesse processo – inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual
  configura crime a interrupção de gravidez de feto anencéfalo - não pode ser
  examinada sob os influxos de orientações morais religiosas”, frisou. 
Doação de órgãos 
Ao sustentar seu entendimento,
  o Ministro também afastou a premissa utilizada em prol da defesa do
  anencéfalo de que os seus órgãos poderiam ser doados. Segundo ele, além de
  ser vedada a manutenção de uma gravidez somente para viabilizar a doação de
  órgãos, essa possibilidade é praticamente impossível no caso de anencefalia,
  pois o feto teria outras anomalias que inviabilizariam a prática. Obrigar a
  mulher a manter a gravidez apenas com esse propósito, para o relator, seria
  tratá-la a partir de uma perspectiva utilitarista, de instrumento de geração
  de órgãos para doação, o que também fere o princípio da dignidade da pessoa
  humana. | 
| 
Min. Rosa Weber | 
O que está em jogo, no caso,
  não é o direito do feto anencefálico à vida, já que, de acordo com o conceito
  de vida do Conselho Federal de Medicina (CFM), jamais terá condições de
  desenvolver uma vida com a capacidade psíquica, física e afetiva inata ao ser
  humano, pois não terá atividade cerebral que o qualifique como tal. O que
  está em jogo, portanto, segundo ela, é o direito da mãe de escolher se ela
  quer levar adiante uma gestação cujo fruto nascerá morto ou morrerá em curto
  espaço de tempo após o parto, sem desenvolver qualquer atividade cerebral,
  física, psíquica ou afetiva, própria do ser humano. 
Embora, em seu voto, a Ministra
  sustentasse a relatividade dos conceitos da ciência sobre o que é vida e
  sobre a aplicabilidade dos conceitos e paradigmas da ciência às demais áreas
  da vida humana, em virtude de sua mutabilidade, ela se reportou, em seu voto,
  à Resolução nº 1480/97 do Conselho Federal de Medicina, que estabeleceu como
  parâmetro para diagnosticar a morte de uma pessoa a ausência de atividade
  motora em virtude da morte cerebral, isto é, a certeza de que o indivíduo não
  apresentará mais capacidade cerebral. 
  Este é, segundo a Ministra, “um critério claro, seguro e garantido”
  que pode ser aplicado, por analogia, ao feto anencefálico. 
“A gestante deve ficar livre
  para optar sobre o futuro de sua gestação do feto anencéfalo”, sustentou a Ministra Rosa Weber. | 
| 
Min. Joaquim
  Barbosa | 
Em se tratando de feto com vida
  extrauterina inviável, não há possibilidade alguma de que esse feto venha a
  sobreviver fora do útero materno. Desse modo, a antecipação desse evento, em
  nome da saúde física e psíquica da mulher não se contrapõe ao princípio da
  dignidade da pessoa humana. Ao fazer a ponderação entre os valores jurídicos
  tutelados pelo direito, a vida extrauterina inviável e a liberdade e
  autonomia privada da mulher, deve prevalecer a dignidade da mulher, deve
  prevalecer o direito de liberdade desta de escolher aquilo que melhor
  representa seus interesses pessoais, suas convicções morais e religiosas, seu
  sentimento pessoal. | 
| 
Min. Luiz Fux | 
“Impedir a interrupção da
  gravidez sob ameaça penal efetivamente equivale a uma tortura, vedada pela
  Constituição Federal”. 
Com base em inúmeros estudos e
  dados científicos, o Ministro Luiz Fux afirmou ser possível chegar a “três
  conclusões lastimáveis” sobre a gestação de anencéfalos: que a expectativa de
  vida deles fora do útero é absolutamente efêmera, que o diagnóstico de
  anencefalia pode ser feito com razoável índice de precisão e que as
  perspectivas de cura da deficiência na formação do tubo neural são
  absolutamente inexistentes nos dias de hoje. 
Diante dessas conclusões, o Ministro ressaltou a importância de se proteger a saúde física e psíquica da
  gestante, dois componentes da dignidade humana da mulher. | 
| 
Min. Cármen Lúcia | 
O Supremo não está decidindo
  nem permitindo a introdução do aborto no Brasil, menos ainda a possibilidade
  de aborto em virtude de qualquer deformação.  
“Estamos discutindo o direito à
  vida, à liberdade e à responsabilidade”. “Estamos deliberando sobre a
  possibilidade jurídica de uma pessoa ou de um médico ajudar uma mulher que
  esteja grávida de um feto anencéfalo, a fim de ter a liberdade de fazer a escolha
  sobre qual é o melhor caminho a ser seguido, quer continuando quer não
  continuando com essa gravidez”, explicou. 
“Todas as opções, mesmo essa
  interrupção, são de dor. A escolha é qual a menor dor, não é de não doer
  porque a dor do viver já aconteceu, a dor do morrer também”, disse a Ministra, destacando que, para ela, a interrupção da gravidez de fetos
  anencéfalos não é criminalizável para que seja preservada a dignidade da vida
  “que é o que a Constituição assegura como o princípio fundamental do constitucionalismo
  contemporâneo”. | 
| 
Min. Ayres Britto | 
Em seu voto, afirmou que não se
  pode falar em aborto de anencéfalo porque o que as mulheres carregam no
  ventre, nesses casos, é um natimorto cerebral, sem qualquer expectativa de
  vida extrauterina. “Dar à luz é dar a vida, e não a morte”, afirmou,
  acrescentando que se os homens engravidassem, a interrupção da gravidez de
  anencéfalos “estaria autorizada desde sempre”. 
O Ministro salientou que
  nenhuma mulher será obrigada a interromper a gravidez se estiver gerando um
  feto anencéfalo mas, não se pode levar às últimas consequências esse martírio
  contra a vontade da mulher, pois isso corresponde à tortura, ao tratamento
  cruel. | 
| 
Min. Gilmar Mendes | 
Considerou a interrupção da
  gravidez de feto anencéfalo como hipótese de aborto, mas defendeu que essa
  situação está compreendida como causa de excludente de ilicitude, já prevista
  no Código Penal, por ser comprovado que a gestação de feto anencéfalo é perigosa
  à saúde da gestante. 
Ressalvou que seria indispensável
  que as autoridades competentes regulamentem de forma adequada, com normas de
  organização e procedimento, o reconhecimento da anencefalia a fim de
  “conferir segurança ao diagnóstico dessa espécie”.  | 
| 
Min. Celso de Mello | 
O STF, no estágio em que já se
  acha este julgamento, está a reconhecer que a mulher, apoiada em razões
  fundadas nos seus direitos reprodutivos e protegida pela eficácia
  incontrastável dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana,
  da liberdade, da autodeterminação pessoal e da intimidade, tem o direito
  insuprimível de optar pela antecipação terapêutica de parto nos casos de
  comprovada malformação fetal por anencefalia; ou então, legitimada por razões
  que decorrem de sua autonomia privada, o direito de manifestar sua liberdade
  individual, em clima da absoluta liberdade, pelo prosseguimento natural do
  processo fisiológico de gestação.  
“Nós não estamos autorizando
  práticas abortivas, legitimando a prática do aborto”, disse o Ministro,  observando que “esta é outra questão que
  poderá ser submetida à apreciação desta Corte, em outro momento, mas não é o
  caso”. Ele fez questão de afirmar que há uma grande diferença entre
  legalização do aborto e a antecipação terapêutica do parto em caso de
  anencefalia. 
Em seu voto, ele lembrou que há
  diversos conceitos de vida, sobre seu início e fim, e que a Constituição não
  define quando ela se inicia. Entretanto, o Ministro lembrou que o critério
  deve ser mesmo o previsto na Lei 9.434/97 e na Resolução 1.752/97 do Conselho
  Federal de Medicina (CFM), que consideram morto um ser humano quando cessa
  completamente sua atividade cerebral, ou seja, a morte encefálica. Por
  analogia, segundo ele, o feto anencéfalo não é um ser humano vivo, porque não
  tem cérebro e nunca vai desenvolver atividade cerebral. 
Portanto, sequer haveria
  tipicidade de crime contra a vida na interrupção antecipada de tal parto. | 
| 
Min. Ricardo
  Lewandowski | 
O voto do Ministro Lewandowski
  seguiu duas linhas de raciocínio. Na primeira, ele destacou os limites
  objetivos do controle de constitucionalidade.  
Afirmou que o STF só pode
  exercer o papel de legislador negativo. Nesse aspecto, o Ministro observou
  que o Congresso Nacional, se assim o desejasse, poderia ter alterado a
  legislação para incluir os anencéfalos nos casos em que o aborto não é
  criminalizado, mas até hoje não o fez. O tema, assinalou, é extremamente
  controvertido, e ambos os lados defendem suas posições com base na dignidade
  da pessoa humana.  
Sustentou que o Congresso se
  encontra profundamente dividido, refletindo, aliás, a abissal cisão da
  própria sociedade brasileira em torno da matéria. 
O segundo ponto enfatizado pelo
  Ministro foi a possibilidade de que uma decisão favorável ao aborto de fetos
  anencéfalos torne lícita a interrupção da gestação de embriões com diversas
  outras patologias que resultem em pouca ou nenhuma perspectiva de vida
  extrauterina.  
Para o Ministro, uma decisão
  judicial isentando de sanção o aborto de fetos portadores de anencefalia, ao
  arrepio da legislação penal vigente, abriria a possibilidade de interrupção
  da gestação de inúmeros outros casos. | 
| 
Min. Cezar Peluzo | 
Segundo o Ministro, o
  anencéfalo morre, e ele só pode morrer porque está vivo.  
Lembrou, ainda, que a questão
  dos anencéfalos tem de ser tratada com “cautela redobrada”, diante da
  imprecisão do conceito, das dificuldades do diagnóstico e dos dissensos em
  torno da matéria. 
Os apelos para a liberdade e
  autonomia pessoais são “de todo inócuos” e “atentam contra a própria ideia de
  um mundo diverso e plural”. A discriminação que reduz o feto “à condição de
  lixo”, a seu ver, “em nada difere do racismo, do sexismo e do especismo”.
  Todos esses casos retratam, de acordo com o voto, “a absurda defesa e
  absolvição da superioridade de alguns sobre outros”. 
Ao encerrar seu voto, o
  presidente do STF ressaltou ainda que não cabe ao STF atuar como legislador
  positivo, e que o Legislativo não incluiu o caso dos anencéfalos nas
  hipóteses que, no art. 124 do Código Penal, autorizam o aborto. | 
O Ministro Dias Toffoli não
participou do julgamento por julgar-se impedido, considerando que, na época em
que era Advogado-Geral da União, atuou na elaboração do parecer da AGU em favor da
ADPF.
Como fica a situação das pessoas que já foram condenadas criminalmente
por interromperem uma gestação de feto anencefálico? Esta decisão do STF irá
retroagir?
Entendo que SIM. 
O Plenário do STF,
em decisão com eficácia erga omnes e
efeito vinculante, decidiu que é atípica a conduta da interrupção da gravidez de
um feto anencefálico. Não há, portanto, crime.
As decisões condenatórias que, eventualmente tenham sido proferidas, podem ser desconstituídas mediante habeas
corpus ou revisão criminal considerando que violam preceito fundamental da
Constituição Federal segundo decisão do STF, repita-se, com eficácia erga omnes e efeito vinculante.
A jurisprudência favorável pode então retroagir para alcançar casos já julgados?
Este sempre foi um acirrado
debate na doutrina. Penso que, com esta decisão do STF, a tendência seja
reconhecer que a jurisprudência favorável ao réu possui eficácia retroativa
como se fosse uma lex mitior (lei mais
favorável). Isso porque o entendimento da Corte, manifestado na ADPF 54, com toda
a certeza irá retroagir para alcançar (e desconstituir) eventuais condenações
por aborto de fetos anencefálicos que tenham sido proferidas.
Na doutrina, Nilo Batista e Eugenio
Raúl Zaffaroni, Paulo Queiroz, Juarez Tavares, Luiz Flávio Gomes, entre outros, defendem que a jurisprudência
pode retroagir para ser aplicada em casos já julgados desde que seja mais
benéfica ao réu e se constitua em uma interpretação criativa, com uma mudança massificada
de entendimento, e não mera alteração momentânea.
Penso que, com a decisão da ADPF
54, ganha força esta tese, ou seja, a de que a jurisprudência mais favorável pode sim retroagir para alcançar condenações já transitadas em julgado. Trata-se da aplicação da teoria
(idealizada no processo civil) da relativização da coisa julgada
inconstitucional em benefício do réu.
Bons estudos. Um grande abraço a todos.
 





