quinta-feira, 3 de julho de 2025
Companhias aéreas são obrigadas a permitir o embarque de animais de suporte emocional fora dos critérios estabelecidos por elas?
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Marina é uma mulher que sofre de
síndrome do pânico e depressão.
Durante seu tratamento
psiquiátrico, ela desenvolveu um vínculo especial com seus dois cachorros, Luke
e Meg, que se tornaram fundamentais para seu bem-estar emocional.
O psiquiatra responsável por seu
tratamento atestou que Luke e Meg atuam como animais de apoio emocional,
oferecendo conforto psicológico e ajudando no controle de suas crises.
Marina precisava viajar de Curitiba
para Roma e queria levar seus cães de suporte emocional na cabine do avião.
Ela apresentou para as companhias
aéreas (Gol e ITA Airways) toda a documentação sanitária dos animais: atestados
de saúde, carteiras de vacinação em dia, laudos de titulação de anticorpos para
raiva e até mesmo um atestado comportamental comprovando que os cães eram
dóceis e bem treinados.
No entanto, os cachorros não
atendiam aos critérios estabelecidos pelas companhias aéreas para transporte na
cabine: excediam o limite de peso de 10kg e não cabiam nas caixas
transportadoras exigidas para ficarem embaixo do assento.
Justamente por isso as companhias
se recusaram a transportar os animais na cabine, alegando que suas políticas
internas só permitiam exceções para cães-guia devidamente certificados.
Ofereceram apenas o transporte no porão da aeronave, o que representava riscos
consideráveis para os animais: Meg era idosa (mais de 10 anos) e Luke era de
raça braquicefálica, ambos com maior propensão a problemas respiratórios e
cardíacos durante o voo.
Diante desse cenário, Marina
ingressou com uma ação pedindo que as companhias fossem obrigadas a transportar
seus cães na cabine, equiparando-os aos cães-guia em razão da função de suporte
emocional que exerciam.
O juiz de primeira instância
deferiu o pedido, determinando que as empresas transportassem os animais na
cabine de forma vitalícia, aplicando por analogia as regras da Resolução
280/2013 da ANAC que regulamenta o transporte de cães-guia.
O Tribunal de Justiça do Paraná
manteve a decisão, considerando que as limitações das companhias poderiam ser
flexibilizadas diante das peculiaridades do caso, em observância aos princípios
da razoabilidade e proporcionalidade.
A Gol interpôs recurso especial
ao STJ, alegando que não estava obrigada a prestar serviço não previsto em seu
contrato e que a decisão colocava em risco a segurança dos voos. Pediu,
portanto, a reforma da decisão para que não fosse obrigada a levar os animais
na cabine.
O STJ concordou com o
pedido da autora? As companhias aéreas devem ser obrigadas a transportar animais
de estimação dentro da cabine das aeronaves, mesmo fora dos padrões
estabelecidos para esse tipo de serviço, caso esses animais exerçam função de
suporte emocional aos seus tutores?
NÃO.
Atualmente, as companhias aéreas
permitem o transporte de animais na cabine apenas em casos específicos, com
observância de exigências sanitárias, peso máximo de 10kg e acondicionamento em
caixa que caiba sob o assento do passageiro. Fora desses parâmetros, apenas
cães-guia são admitidos, conforme art. 1º da Lei nº 11.126/2005 e arts. 29 e 30
da Resolução nº 280/2013 da ANAC.
O conceito de cão-guia é claro:
trata-se de animal treinado por, aproximadamente, dois anos, com identificação
específica, que auxilia pessoa com deficiência visual. Sua entrada na cabine é
assegurada por lei.
A questão que se coloca é: o
atestado de que um cão presta suporte emocional é suficiente para autorizar a
entrada do animal na cabine, mesmo que não atenda aos critérios estabelecidos
pelas empresas?
O 4ª Turma STJ entendeu que não.
A tese de que animais de suporte
emocional merecem tratamento idêntico ao dos cães-guia não encontra respaldo
legal e compromete a segurança da aviação civil.
As empresas têm autonomia para
fixar as condições do transporte, nos termos do art. 3º da Portaria 12.307/2023
da ANAC.
Decisões judiciais que impõem a
obrigação de transporte de animais fora das condições contratuais violam o
princípio pacta sunt servanda e determinam prestação de serviço não
previsto legalmente.
Ademais, permitir que animais
viajem soltos na cabine, sem equipamentos adequados de contenção, acarreta
riscos à segurança em situações de turbulência ou pousos bruscos, como já
amplamente reconhecido em normas técnicas da aviação.
Por fim, não é possível equiparar
cães de suporte emocional a cães-guia, uma vez que estes últimos são
regulamentados e sujeitos a treinamento rigoroso, conforme a Lei nº 11.126/2005
e o Decreto nº 5.904/2006.
As companhias aéreas, na ausência
de legislação específica, possuem liberdade para definir os critérios para o
transporte de animais. Não estão obrigadas a permitir, em cabine, o embarque de
animais que não sejam cães-guia e que não atendam aos limites contratuais.
Em suma:
As companhias aéreas não são obrigadas a aceitarem o
embarque, nas cabines das aeronaves, de animais que não sejam cães-guias e que
não atendam aos limites de peso e altura e à necessidade de estarem
acondicionados em maletas próprias.
STJ. 4ª
Turma. REsp 2.188.156-PR, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 13/5/2025
(Info 851).
