Dizer o Direito

quarta-feira, 2 de julho de 2025

É possível que a notificação extrajudicial do devedor fiduciante seja feita por e-mail?

Imagine a seguinte situação hipotética:

Antônio quer comprar um carro de R$ 70 mil, mas somente possui R$ 30 mil. Antônio procura o Banco “X”, que celebra com ele contrato de financiamento com garantia de alienação fiduciária.

Assim, o Banco “X” empresta R$ 40 mil a Antônio, que compra o veículo. Como garantia do pagamento do empréstimo, a propriedade resolúvel do carro ficará com o Banco “X” e a posse direta com Antônio.

Em outras palavras, Antônio ficará andando com o carro, mas, no documento, a propriedade do automóvel é do Banco “X” (constará “alienado fiduciariamente ao Banco X”). Diz-se que o banco tem a propriedade resolúvel porque, uma vez pago o empréstimo, a propriedade do carro pelo banco “resolve-se” (acaba) e o automóvel passa a pertencer a Antônio.

 

O que acontece em caso de inadimplemento do mutuário (em nosso exemplo, Antônio)?

Havendo mora por parte do mutuário, o procedimento será o seguinte (regulado pelo DL 911/69):

 

Notificação do devedor

O credor deverá fazer a notificação extrajudicial do devedor de que este se encontra em débito, comprovando, assim, a mora. Essa notificação é indispensável para que o credor possa ajuizar ação de busca e apreensão. Confira:

Súmula 72-STJ: A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente.

 

Súmula 245-STJ: A notificação destinada a comprovar a mora nas dívidas garantidas por alienação fiduciária dispensa a indicação do valor do débito.

 

Como é feita a notificação do devedor? Essa notificação precisa ser realizada por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos?

NÃO. Logo, não precisa ser realizada por intermédio do Cartório de RTD.

Até um passado recente, na maioria dos casos, essa notificação era feita por meio de carta registrada com aviso de recebimento.

 

O aviso de recebimento da carta (AR) precisa ser assinado pelo próprio devedor?

NÃO. Não se exige que a assinatura constante do aviso de recebimento seja a do próprio destinatário. É o que prevê o § 2º do art. 2º do DL 911/69):

Art. 2º (...)

§ 2º A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário.

 

Para a constituição em mora por meio de notificação extrajudicial, é suficiente que seja entregue no endereço do devedor, ainda que não pessoalmente:

Para a comprovação da mora nos contratos garantidos por alienação fiduciária, é suficiente o envio de notificação extrajudicial ao devedor no endereço indicado no instrumento contratual, dispensando-se a prova do recebimento, quer seja pelo próprio destinatário, quer por terceiros. 

STJ. 2ª Seção. REsps 1.951.662-RS e 1.951.888-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 9/8/2023 (Recurso Repetitivo – Tema 1132) (Info 782).

 

Márcio, por que você disse que, até um passado recente, na maioria dos casos, essa notificação era feita por meio de carta registrada com aviso de recebimento?

Porque atualmente muitos bancos têm feito essa notificação por e-mail.

 

Isso é válido? É possível a notificação extrajudicial do devedor fiduciante por meio digital ou eletrônico?

SIM. Atualmente, está pacífico no STJ que:

A notificação extrajudicial por meio digital ou eletrônico é válida para comprovar a mora do devedor fiduciante, desde que:

• seja enviada ao e-mail indicado no contrato; e

• seja comprovado seu recebimento. 

STJ. 2ª Seção. REsp 2.183.860-DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 8/5/2025 (Info 851).

 

Conforme vimos acima, o § 2º do art. 2º do DL 911/69 prevê:

Art. 2º (...)

§ 2º A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário.

 

É suficiente a notificação extrajudicial enviada ao endereço constante do contrato, desde que haja prova de sua entrega, independentemente de quem tenha assinado o aviso de recebimento.

A partir desses dois requisitos — envio da notificação ao endereço contratual e comprovação de seu recebimento —, torna-se viável explorar outros meios legítimos de notificação extrajudicial, que atendam à finalidade legal e possam ser aceitos pelo Poder Judiciário no ajuizamento da ação de busca e apreensão.

Nessa linha, mediante interpretação analógica do art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969, é possível admitir como válida a notificação extrajudicial do devedor fiduciante realizada por correio eletrônico, desde que encaminhada ao e-mail indicado no contrato e seja comprovado o seu efetivo recebimento, independentemente de quem o tenha recebido.

Aplica-se aqui o princípio da instrumentalidade das formas, consagrado no art. 188 do CPC/2015, segundo o qual “os atos e os termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir”. Assim, se a finalidade da notificação — dar ciência ao devedor sobre sua inadimplência — for atingida por meio eletrônico, com prova de seu recebimento, não há que se falar em nulidade ou insuficiência do ato.

A evolução tecnológica e a ampliação dos meios de comunicação são realidades que não podem ser ignoradas pelo Direito. A legislação deve acompanhar tais transformações, especialmente considerando a relevância da comunicação nas relações comerciais, acentuada pelo avanço da internet e das tecnologias digitais.

O legislador, ciente da impossibilidade de prever todas as situações da prática empresarial, especialmente diante da constante inovação tecnológica, autorizou o uso de formas diversas da carta registrada com aviso de recebimento. Exigir certificações específicas para cada nova tecnologia esvaziaria o disposto no art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969, restringindo indevidamente a atuação das instituições financeiras.

Sob a ótica da análise econômica do direito, a notificação eletrônica representa redução de custos e maior celeridade, em conformidade com o princípio da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF) e com a busca por maior eficiência na prestação jurisdicional.

Eventual questionamento sobre irregularidade ou nulidade da prova do recebimento do e-mail deve ser apreciado no curso da instrução probatória, cabendo ao devedor fiduciante alegá-lo na própria ação de busca e apreensão, nos termos do art. 373, II, do CPC/2015.

Portanto, se o credor fiduciário apresentar prova do recebimento do e-mail enviado ao endereço eletrônico informado no contrato de alienação fiduciária, a notificação extrajudicial deve ser considerada válida para fins de ajuizamento da ação de busca e apreensão, desde que observados os mesmos requisitos aplicáveis à carta registrada com aviso de recebimento.

Cabe, por fim, ressaltar o princípio da boa-fé objetiva, que rege as relações contratuais. Se o devedor forneceu voluntariamente seu endereço eletrônico e autorizou expressamente o envio de comunicações por esse meio, não pode, posteriormente, alegar a invalidade da notificação, sob pena de incorrer em comportamento contraditório (nemo potest venire contra factum proprium).

No mesmo sentido:

É suficiente a notificação extrajudicial do devedor fiduciante por e-mail, desde que:

• seja encaminhada ao endereço eletrônico indicado no contrato de alienação fiduciária; e

• seja comprovado seu efetivo recebimento.

STJ. 4ª Turma. REsp 2.087.485-RS, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 23/4/2024 (Info 811).

 

Em suma:

 

Treine o assunto estudado:

Ano: 2025 Banca: Instituto Consulplan

Prova: Instituto Consulplan - TJ RO - Analista Judiciário - Área Oficial de Justiça - 2025

Acerca do instituto da alienação fiduciária de bens móveis, assinale a alternativa correta à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (STJ).

A comprovação da mora é prescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente.

B O contrato de alienação fiduciária em garantia não pode ter por objeto bem que já integrava o patrimônio do devedor.

C A notificação destinada a comprovar a mora nas dívidas garantidas por alienação fiduciária dispensa a indicação exata do valor do débito. (Correto)

D A purga da mora, nos contratos de alienação fiduciária, só é permitida quando já pagos pelo menos quarenta por cento do valor financiado.

E A comprovação da mora nos contratos garantidos por alienação fiduciária depende do envio de notificação extrajudicial ao devedor, sendo imprescindível a prova de que foi recebida pessoalmente pelo destinatário.


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