Dizer o Direito

sexta-feira, 25 de julho de 2025

Anulação de questões de concurso público por decisão judicial individual não produz efeitos erga omnes, limitando-se às partes do processo

Imagine a seguinte situação hipotética:

Foi realizado concurso público para Soldado da Polícia Militar do Estado.

O edital do concurso estabelecia, no item 17.8, que, em caso de anulação de questão da prova objetiva, o ponto correspondente seria atribuído a todos os candidatos.

Pedro havia reprovado por dois pontos na prova. Ele então ajuizou uma ação individual pedindo a anulação das questões 21 e 22 de História porque cobraram assuntos que não estavam previstos no conteúdo programático do edital.

O juiz julgou o pedido procedente, anulou as questões por violação do edital e atribuindo os pontos à Pedro, que, com isso, foi aprovado. A sentença transitou em julgado.

Assim como Pedro, outros candidatos também ajuizaram ações e se beneficiaram das anulações das questões.

João também havia reprovado por dois pontos. Ele também havia errado as questões 21 e 22. No entanto, não ingressou com ação judicial questionando essa questão.

Quando João soube do caso de Pedro, ele protocolou um requerimento administrativo solicitando que o Estado aplicasse o item 17.8 do edital, estendendo a ele os pontos correspondentes às questões anuladas no processo de Pedro.

O argumento de João foi o seguinte: se as questões foram anuladas e o edital previa que todos os candidatos deveriam ser beneficiados em caso de anulação, ele também teria direito aos pontos, independentemente de ter participado ou não da ação judicial.

A Administração Pública indeferiu o pedido de João, argumentando que a anulação decorreu de decisão judicial em processo do qual ele não foi parte.

Inconformado, João impetrou mandado de segurança invocando o princípio da isonomia e sustentando que o item 17.8 do edital deveria ser aplicado a todos os candidatos, independentemente da origem da anulação (administrativa ou judicial).

A questão chegou ao STJ.

 

João tinha direito de se beneficiar da anulação de questões obtidas por outros candidatos em ações judiciais individuais, com base no item 17.8 do edital que previa extensão da pontuação a todos os candidatos?

NÃO.

A anulação de questões de concurso público em razão de decisão judicial proferida em ação individual não tem efeito erga omnes, não sendo possível reabrir o certame para distribuição de pontos e a reclassificação de todos os candidatos.

A propósito:

A anulação de questões de concurso público em razão de decisão judicial proferida em ação individual não tem efeito erga omnes, não podendo reabrir o certame para redistribuição de pontos a todos os candidatos, especialmente quando decorridos 10 anos da exclusão do candidato.

STJ 1ª Turma. AgInt no RMS n. 73.632/RJ, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 28/10/2024.

 

As decisões judiciais, via de regra, não produzem efeitos erga omnes, mas apenas inter partes, ou seja, entre os litigantes do processo.

Nesse contexto, mesmo que o edital do concurso contenha cláusula prevendo a extensão de eventual anulação de questões a todos os candidatos, tal previsão se aplica somente àquelas ocorridas na via administrativa.

Assim, essa extensão não pode ser imposta quando o reconhecimento da referida irregularidade resulta de decisão judicial que beneficia apenas as partes envolvidas no processo.

A administração não está obrigada a modificar ou rever as notas de candidatos que não integraram a ação judicial que deu origem à anulação. Portanto, eventuais anulações de questões, para que alcancem todos os candidatos, devem necessariamente decorrer de decisão administrativa, não de sentença judicial proferida em ação movida por terceiros.

STJ. 2a Turma. AgInt no RMS 74.202/RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 4/12/2024.

 

Em suma:

A anulação de questões de concurso público em razão de decisão judicial proferida em ação individual não tem efeito erga omnes, não sendo possível reabrir o certame para a distribuição de pontos e a reclassificação de todos os candidatos.

STJ. 2ª Turma. AgInt no RMS 74.847-RJ, Rel. Min. Teodoro Silva Santos, julgado em 1º/4/2025 (Info 852).


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