Dizer o Direito

terça-feira, 29 de julho de 2025

A negativa de acesso a informações do livro de portaria de unidade prisional, documento classificado como sigiloso (acesso restrito), não viola o direito líquido e certo do impetrante de obter informações públicas

Imagine a seguinte situação hipotética:

João formulou requerimento administrativo ao Diretor Geral do Presídio de Mariana/MG pedindo acesso e cópia integral de nove páginas específicas do livro de portaria do Presídio. Essas páginas contêm os registros de entradas e saídas de pessoas na portaria da unidade prisional.

A administração pública negou o acesso ao livro de portaria alegando que as páginas solicitadas continham dados pessoais de servidores, visitantes e outros indivíduos, além de informações sobre rotinas e procedimentos de segurança do presídio. Argumentou-se que a divulgação desses dados poderia comprometer a segurança da unidade prisional.

Também foi mencionado que as informações estavam classificadas como sigilosas, com grau “reservado”, com base na Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011). Por fim, sustentou-se que o pedido era genérico e sem objetividade, e que a divulgação poderia violar o sigilo funcional previsto no Código Penal.

Inconformado, João impetrou mandado de segurança argumentando que as páginas solicitadas não são sigilosas e que a Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação) garante o acesso a documentos públicos sem necessidade de justificativa.

O impetrante esclareceu que buscava apenas registros de entrada e saída de pessoas na portaria, excluindo dados sobre internos, advogados e autoridades, o que não comprometeria a segurança da unidade.

O TJMG negou a segurança.

Diante disso, João interpôs recurso ordinário reiterando os argumentos.

 

O que decidiu o STJ? O impetrante tem direito líquido e certo de obter essas informações presentes no livro de portaria de unidade prisional?

NÃO.

A administração pública está submetida ao princípio da publicidade, que impõe a ampla divulgação de seus atos, de modo a permitir seu conhecimento pela coletividade e possibilitar o controle pelos interessados, conforme previsto no art. 37, caput, da CF/88.

O direito de acesso a informações e certidões emitidas por órgãos públicos, seja de interesse individual ou coletivo, encontra-se expressamente assegurado pela Constituição Federal, nos termos dos arts. 5º, XXXIII, e 37, § 3º, II, da CF/88:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;

 

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente:

[...]

II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII;

 

Portanto, o acesso à informação pública é um instrumento indispensável ao exercício da participação democrática e ao fortalecimento do controle social sobre a atuação estatal.

 

O acesso à informação pública não exige justificativa do solicitante

O direito fundamental de acesso à informação pública incide sobre todos os atos e procedimentos administrativos que não estejam acobertados por sigilo legal e não comporta condicionamentos baseados na exigência das razões da solicitação (art. 10, § 6º, da LAI).

A Constituição conferiu a todas as pessoas, físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, o direito fundamental de acesso à informação pública, sem estabelecer discriminação alguma. Logo, prevalece a ideia segundo a qual todos podem, em legítimo exercício da cidadania, solicitar informações públicas.

 

Transparência ativa e passiva: duas formas de garantir o acesso à informação

A divulgação espontânea de informações públicas pelo Estado denomina-se transparência ativa, enquanto a prestação de informações em resposta a solicitações dos interessados configura a transparência passiva. Ambas são indispensáveis à efetividade do direito fundamental de acesso à informação.

 

A publicidade é a regra; o sigilo, a exceção

Não se admite, como regra, a negativa de acesso a informações, salvo nas hipóteses excepcionais legalmente previstas, especialmente quando relacionadas à proteção da segurança ou à privacidade/intimidade das pessoas.

Nos termos do que dispõe o art. 6º da Lei de Acesso à Informação (LAI), incumbe aos órgãos e às entidades da administração pública, com observância das normas e dos procedimentos legais pertinentes, garantir a proteção das informações classificadas como sigilosas e daquelas de natureza pessoal. Essa proteção deve assegurar não apenas a restrição de acesso mas também a preservação da disponibilidade, da autenticidade e da integridade desses dados, de modo a resguardar o interesse público envolvido.

 

A LAI prevê três categorias específicas de restrição ao acesso informacional

Seguindo esse raciocínio, a própria Lei de Acesso à Informação prevê expressamente três categorias distintas de restrição ao acesso informacional, quais sejam:

1) dados cujo sigilo decorre de imposição legal, conforme disposto no art. 22;

2) informações de natureza pessoal, nos termos do art. 31; e

3) informações classificadas como sigilosas segundo o procedimento formal previsto no art. 23 da referida norma.

 

O caso concreto: pedido de informações do livro de portaria de unidade prisional

Em relação ao objeto do mandado de segurança em questão, vale esclarecer que a parte recorrente buscava informações constantes do livro de portaria da Unidade Prisional de Mariana/MG.

O livro de portaria de unidade prisional é um documento em que são registradas informações sobre pessoas, rotinas e ocorrências no respectivo setor. Por sua vez, esse é notoriamente um local sensível e estratégico para a segurança de cada unidade prisional e da população em geral.

 

A administração fundamentou adequadamente a negativa de acesso

No caso concreto, a administração pública negou acesso ao pedido argumentando que os registros solicitados (do livro de portaria) contêm dados sigilosos e sensíveis. A divulgação dessas informações poderia afetar a segurança e o funcionamento da unidade prisional. Essa decisão está de acordo com a Lei de Acesso à Informação (Lei n. 12.527/2011).

Logo, a classificação de sigilo foi realizada de acordo com os procedimentos legais, não havendo ilegalidade na decisão administrativa que negou o acesso às informações solicitadas.

 

Em suma:

A negativa de acesso a informações do livro de portaria de unidade prisional, documento classificado como sigiloso (acesso restrito), não viola o direito líquido e certo do impetrante de obter informações públicas. 

STJ. 1ª Turma. RMS 67.965-MG, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, julgado em 3/6/2025 (Info 853).


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