quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Treinando questões discursivas: responsabilidade civil





Olá amigos do Dizer o Direito,

Vamos simular uma questão discursiva que pode ser cobrada em sua prova?

Imagine a seguinte situação hipotética (adaptada do caso concreto):
José estava conduzindo normalmente seu veículo em uma via de mão dupla quando foi “fechado” pelo carro de Paulo, que dirigia imprudentemente. Em razão desse fato, o veículo de José entrou na contramão e atingiu Pedro, que pilotava uma moto.
Por conta do acidente, Pedro teve amputada uma das pernas.

Ação de indenização
Pedro ingressou com ação de indenização contra José cobrando danos materiais, morais e estéticos. No que tange aos danos materiais, o autor pediu que o réu fosse condenado a custear as despesas com o tratamento de saúde e a pagar uma pensão mensal até o final da vida de Pedro.

Contestação
Em sua contestação, José alegou que:
a) Não foi o culpado pelo acidente, tendo agido com base em estado de necessidade;
b) Ainda que fosse culpado, não havia fundamento jurídico para que fosse condenado a pagar uma pensão mensal à vítima;
c) Ainda que fosse condenado a pagar uma pensão mensal, esta deveria ser fixada até o dia em que a vítima completasse 65 anos;
d) Não seria possível a cumulação de danos morais e estéticos, considerando que este estaria necessariamente abrangido por aquele.

Responda as perguntas a seguir segundo a jurisprudência do STJ:

a) José tem o dever de indenizar a vítima, mesmo tendo agido sob estado de necessidade?
SIM, persiste seu dever de indenizar.
O ato praticado em estado de necessidade é lícito, conforme previsto no art. 188, II, do CC:
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

No entanto, mesmo sendo lícito, não afasta o dever do autor do dano de indenizar a vítima quando esta não tiver sido responsável pela criação da situação de perigo. É o que preconiza o art. 929 do CC:
Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.

Desse modo, o causador do dano, mesmo tendo agido em estado de necessidade, deverá indenizar a vítima e, depois, se quiser, poderá cobrar do autor do perigo aquilo que pagou:
Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.

Logo, José, mesmo tendo agido em estado de necessidade, tem o dever de indenizar Pedro, considerando que este não foi o autor do perigo. Após pagar a vítima, José poderá ajuizar ação regressiva cobrando de Paulo o que pagou.
Repare que se trata de algo bem interessante: o autor do dano agiu de forma LÍCITA uma vez que estava sob o manto do estado de necessidade, no entanto, mesmo assim tem o dever de indenizar.
O Min. Sanseverino explica que o fundamento para essa opção legislativa é a equidade, aplicando-se a chamada teoria do sacrifício, bem desenvolvida pelo doutrinador português J.J. Gomes Canotilho (O problema da responsabilidade do estado por actos lícitos. Coimbra: Almedina, 1974).
Pela teoria do sacrifício, diante de uma colisão entre os direitos da vítima e os do autor do dano, estando os dois na faixa de licitude (os dois comportamentos são lícitos), o ordenamento jurídico opta por proteger o mais inocente dos interesses em conflito (o da vítima), sacrificando o outro (o do autor do dano).

b) Há fundamento jurídico para que José seja condenado a pagar uma pensão mensal à vítima?
SIM, havendo previsão no art. 950 do CC:
Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.
Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.

O art. 950 afirma que, a se lesão provocada reduzir ou impossibilitar a capacidade de trabalho da vítima, o autor do dano deverá pagar como indenização:
• Despesas do tratamento de saúde;
• Lucros cessantes até ao fim da convalescença;
• Pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

c) Até quando essa pensão deverá ser paga? Até 65 anos, com base na expectativa de vida da vítima?
NÃO. Não se considera para efeito de concessão da pensão a expectativa de vida do ofendido, como ocorre no caso de homicídio:
Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações:
II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.

No caso de indenização por dano à saúde da vítima que gerou redução ou impossibilidade permanente de trabalho, o fundamento para a indenização é o art. 950 do CC, que não estabelece limite de tempo para essa pensão. Logo, entende-se que se trata de uma pensão vitalícia, ou seja, que perdurará até a morte do ofendido.
Trata-se de uma solução legal justa e lógica, considerando que, após atingir essa idade-limite (65 ou 70 anos de idade), o ofendido continuará necessitando da pensão e talvez de modo ainda mais agudo, em função da velhice e do incremento das despesas com saúde.

d) É possível a cumulação de danos morais e estéticos?
Claro, trata-se de tema pacificado. Nesse sentido:
Súmula 387-STJ: É possível a acumulação das indenizações de dano estético e moral.

As respostas para essa questão foram baseadas em um recente julgado da Terceira Turma do STJ (REsp 1.278.627-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 18/12/2012).

Vale ressaltar, no entanto, que o enunciado da questão acima proposta foi apenas inspirado no caso concreto julgado pelo STJ, possuindo algumas diferenças.


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