quinta-feira, 31 de maio de 2018

STJ aplica a Lei 13.654/2018 e retira a majorante do roubo praticado com emprego de arma branca



A Lei nº 13.654/2018, publicada no dia 24/04/2018, alterou os crimes de furto e roubo previstos no Código Penal.

Uma das mudanças promovidas foi no roubo circunstanciado por emprego de arma. Vamos entender com calma.

O art. 157 do Código Penal tipifica o crime de roubo nos seguintes termos:
Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa.

O § 2º do art. 157, por sua vez, prevê causas de aumento de pena para o roubo.
Desse modo, se ocorre alguma dessas hipóteses, tem-se o chamado “roubo circunstanciado” (também conhecido como “roubo agravado” ou “roubo majorado”).

Inciso I do § 2º do art. 157
O art. 157, § 2º, I, previa o seguinte:
Art. 157 (...)
§ 2º A pena aumenta-se de um terço até metade:
I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;

O aumento se justificava por “haver maior risco à integridade física e à vida do ofendido e de outras pessoas e pela facilitação na execução do crime” (MASSON, Cleber. Código Penal comentado. São Paulo: Método, 2014, p. 644).

O que podia ser considerado “arma” para os fins do art. 157, § 2º, I, do CP?
A jurisprudência possuía uma interpretação ampla sobre o tema.
Assim, poderiam ser incluídos no conceito de arma:
• a arma de fogo;
• a arma branca (considerada arma imprópria), como faca, facão, canivete;
• e quaisquer outros “artefatos” capazes de causar dano à integridade física do ser humano ou de coisas, como por exemplo uma garrafa de vidro quebrada, um garfo, um espeto de churrasco, uma chave de fenda etc.

O que fez a Lei nº 13.654/2018?
Revogou o inciso I do § 2º do art. 157 do CP.

Isso significa que houve abolitio criminis para o emprego de arma de fogo?
NÃO. A Lei nº 13.654/2018 acrescentou um novo parágrafo ao art. 157 prevendo duas novas hipóteses de roubo circunstanciado, com pena maior. Veja:
Art. 157 (...)
§ 2º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços):
I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo;
II – se há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.

Repare de novo no inciso I acima.
O roubo com emprego de arma de fogo deixou de ser previsto no inciso I do § 2º, mas continua a ser punido agora no inciso I do § 2º-A.
Desse modo, quanto à arma de fogo não houve abolitio criminis, mas sim continuidade normativo-típica.
O princípio da continuidade normativa ocorre “quando uma norma penal é revogada, mas a mesma conduta continua sendo crime no tipo penal revogador, ou seja, a infração penal continua tipificada em outro dispositivo, ainda que topologicamente ou normativamente diverso do originário.” (Min. Gilson Dipp, em voto proferido no HC 204.416/SP).
Logo, para as pessoas que foram condenadas por roubo com emprego de arma de fogo antes da Lei nº 13.654/2018, nada muda.

E quanto ao roubo com emprego de arma branca?
Como vimos, o roubo “com emprego de arma” deixou de ser uma hipótese de roubo circunstanciado no art. 157, § 2º.
O roubo com emprego de arma de fogo continua sendo punido como roubo circunstanciado no art. 157, § 2º-A, inciso I:
Art. 157 (...)
§ 2º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços):
I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo;

Ocorre que o roubo com o emprego de arma “branca” não é mais punido como roubo circunstanciado. Trata-se, em princípio, de roubo em seu tipo fundamental (art. 157, caput).
Assim, a Lei nº 13.654/2018 deixou de punir com mais rigor o agente que pratica o roubo com arma branca. Pode-se, portanto, dizer que a Lei nº 13.654/2018, neste ponto, é mais benéfica. Isso significa que ela, neste tema, irá retroagir para atingir todos os roubos praticados mediante arma branca.
Exemplo: em 2017, João, usando um canivete, ameaçou a vítima, subtraindo dela o telefone celular. O juiz, na 1ª fase da dosimetria, fixou a pena-base em 4 anos. Não havia agravantes ou atenuantes (2ª fase). Na 3ª fase (causas de aumento ou de diminuição), o magistrado aumentou a pena em 1/3 pelo fato de o crime ter sido cometido com emprego de arma branca (canivete), nos termos do art. 157, § 2º, I, do CP. 1/3 de 4 anos é igual a 1 ano e 4 meses. Logo, João foi condenado a uma pena final de 5 anos e 4 meses (pena-base mais 1/3). O processo transitou em julgado e João está cumprindo pena. A defesa de João pode pedir ao juízo das execuções penais (Súmula 611-STF) que aplique a Lei nº 13.654/2018 e que a sua pena seja diminuída em 1 ano e 4 meses em virtude do fato de que o emprego de arma branca na prática do roubo ter deixado de ser causa de aumento de pena.

Tabelas comparativas
ROUBO MEDIANTE EMPREGO DE ARMA
Antes da Lei 13.654/2018
Depois da Lei 13.654/2018 (atualmente)
Tanto a arma de fogo como a arma branca eram causas de aumento de pena.
Apenas o emprego de arma de fogo é causa de aumento de pena.
O emprego de arma branca não é causa de aumento de pena.
O emprego de arma (seja de fogo, seja branca) era punido com um aumento de 1/3 a 1/2 da pena.
O emprego de arma de fogo é punido com um aumento de 2/3 da pena.


ROUBO MEDIANTE EMPREGO DE ARMA

Antes da Lei 13.654/2018
Atualmente
Arma de
FOGO
Era causa de aumento de pena
A pena aumentava de 1/3 a 1/2.
Continua sendo causa de aumento de pena.
Mas agora a pena aumenta 2/3.
Arma
BRANCA
Era causa de aumento de pena.
A pena aumentava de 1/3 a 1/2.
Deixou de ser causa de aumento de pena.
A Lei 13.654/2018 é mais benéfica e irá retroagir neste ponto.

Inconstitucionalidade formal
O inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal foi revogado pelo art. 4º da Lei nº 13.654/2018:
Art. 4º Revoga-se o inciso I do § 2º do art. 157 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 dezembro de 1940 (Código Penal).

Os Ministérios Públicos de vários Estados estão alegando que este art. 4º da Lei nº 13.654/2018 seria formalmente inconstitucional.
O Parquet argumenta que o referido art. 4º teria sido retirado pelos Senadores na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e posteriormente teria sido reinserido no projeto pela Coordenação de Redação Legislativa, formada por servidores que prestam apoio ao processo legislativo, mas sem que esta reinserção tenha sido previamente aprovada pelos parlamentares.
Assim, teria havido um descumprimento do processo legislativo com a aprovação de um artigo inserido indevidamente no projeto.
Existem, inclusive, alguns Ministérios Públicos que têm recomendado aos Promotores de Justiça que, ao oferecem denúncia, suscitem a declaração incidental da inconstitucionalidade do art. 4º da Lei nº 13.654/2018 com o objetivo de que o emprego de arma branca continue sendo considerado como majorante do crime de roubo.
Nesse sentido é a manifestação do MP/SP, MP/PE, MP/MS, MP/GO, entre outros.

Em posição contrária, alguns Defensores Públicos têm defendido que o processo legislativo correu sem qualquer vício e que o referido art. 4º foi inserido pelos próprios parlamentares, tendo sido regularmente votado e aprovado. Sobre o tema, confira: https://www.conjur.com.br/2018-mai-08/constitucionalidade-formal-lei-136542018

Decisão do STJ
Ainda não temos qualquer decisão do STF a respeito do assunto.
O STJ, por sua vez, sem enfrentar essa discussão sobre eventual inconstitucionalidade formal, já vem aplicando a revogação promovida pela Lei nº 13.654/2018 e declarando que houve abolitio criminis no que tange à majorante pelo emprego de arma branca.
Nesse sentido:
(...) 5. Extrai-se dos autos, ainda, que o delito foi praticado com emprego de arma branca, situação não mais abrangida pela majorante do roubo, cujo dispositivo de regência foi recentemente modificado pela Lei n. 13.654/2018, que revogou o inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal.
6 . Diante da abolitio criminis promovida pela lei mencionada e tendo em vista o disposto no art. 5º, XL, da Constituição Federal, de rigor a aplicação da novatio legis in mellius, excluindo-se a causa de aumento do cálculo dosimétrico.
7. Recurso provido para reconhecer a forma consumada do delito de roubo, com a concessão de ordem de habeas corpus de ofício para readequação da pena.
(REsp 1519860/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 17/05/2018, DJe 25/05/2018)

O Min. Relator Jorge Mussi assim se manifestou:
“(...) Por outro lado, a pena aplicada ao ora agravado está a reclamar novo ajuste.
Isto porque sobreveio à decisão agravada a promulgação da Lei n. 13.654, de 23 de abril de 2018, que modificou o Código Penal nos dispositivos referentes aos crimes de furto e roubo. Essa alteração legislativa suprimiu a previsão contida no inciso I do § 2º, do art. 157, que apresentava hipótese de causa especial de aumento de pena relativa ao emprego de arma.
(...)
A atual previsão contida no art. 157, § 2º-A, inciso I, do Código Penal, incluído pela Lei n. 13.654/2018, limita a possibilidade de aumento de pena à hipótese de a violência ser cometida mediante emprego de arma de fogo (...)
Portanto, não se está diante de continuidade normativa, mas de abolitio criminis, na hipótese de o delito ser praticado com emprego de artefato diverso de arma de fogo.
Conforme se extrai dos autos, o réu realizou a subtração fazendo uso de arma branca - faca. Diante desse fato, forçosa a concessão, de ofício, de ordem de habeas corpus , aplicando-se a lei nova, mais benéfica ao acusado, em consonância com o art. 5, XL, da Constituição Federal, afastando-se o aumento de 1/3 aplicado na terceira fase do cálculo da pena.”


Vamos aguardar a posição do STF a respeito do tema.



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