segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Duas questões incríveis sobre adoção (ECA)



Olá amigos do Dizer o Direito,

Cada vez mais se chega à conclusão de que aquilo que está escrito no texto da lei é apenas o ponto de partida, não sendo quase sempre o ponto de chegada para a correta interpretação da norma.

Desse modo, seja para atuar no cotidiano forense, seja para ter êxito nos concursos públicos, é indispensável conhecer aquilo que o STJ e o STF leram e que não se encontra expressamente escrito no texto legal.

Atualmente, para conhecer realmente o Direito, é fundamental acompanhar a jurisprudência.

Vamos fazer o seguinte exercício. Respondam a essas duas perguntas apenas com base no texto legal e depois vejam o que foi decidido pela Terceira Turma do STJ.

As perguntas são as seguintes:

1) Dois irmãos podem adotar um menor?
Exemplo hipotético: Júlia (25 anos) e Pedro (30 anos) são irmãos e, por serem solteiros, ainda moram juntos. Júlia e Pedro criam, há alguns anos, um menor que encontraram na porta de sua casa. Júlia e Pedro podem adotar esse menor?

Se quiser saber a resposta trazida pelo texto da Lei, consulte o § 2º do art. 42 do ECA.

2) Pedro (30 anos) cria o órfão Huguinho (4 anos) desde que ele nasceu como se fosse seu filho biológico, dando carinho, afeto, cuidados materiais etc. As pessoas que conhecem Pedro, sabem que ele considera Huguinho como seu filho. Antes que pudesse ingressar com um pedido de adoção de Huguinho, Pedro vem a falecer. É possível que os sucessores de Pedro ingressem com uma ação para que Huguinho seja adotado como filho de Pedro, mesmo ele já tendo morrido sem ter iniciado o procedimento?

Se quiser saber a resposta trazida pelo texto da Lei para essa pergunta, consulte o § 6º do art. 42 do ECA.

Agora vamos ver o que o STJ decidiu em um caso análogo a esses exemplos que demos.

Dois irmãos podem adotar um menor?
Exemplo hipotético: Júlia (25 anos) e Pedro (30 anos) são irmãos e, por serem solteiros, ainda moram juntos. Júlia e Pedro criam, há alguns anos, um menor que encontraram na porta de sua casa. Júlia e Pedro podem adotar esse menor?

Segundo o texto do ECA
Segundo entendeu o STJ

NÃO

De acordo com o texto do ECA, a adoção conjunta somente pode ocorrer caso os adotantes sejam casados ou vivam em união estável (§ 2º do art. 42).

Excepcionalmente, a Lei permite que adotem se já estiverem separados, mas desde que o estágio de convivência com o menor tenha começado durante o relacionamento amoroso (§ 4º do art. 42).

Art. 42 (...)
§ 2º Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família.

§ 4º Os divorciados, os judicialmente separados e os ex-companheiros podem adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância do período de convivência e que seja comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da concessão.

SIM

A interpretação do ECA deve atender ao princípio do melhor interesse do menor.

O conceito de núcleo familiar estável não pode ficar restrito às fórmulas clássicas de família, devendo ser ampliado para abarcar a noção plena de família, apreendida nas suas bases sociológicas.

O simples fato de os adotantes serem casados ou companheiros, apenas gera a presunção de que exista um núcleo familiar estável, o que nem sempre se verifica na prática.

Desse modo, o que importa realmente para definir se há um núcleo familiar estável que possa receber o menor são os elementos subjetivos, que podem ou não existir, independentemente do estado civil das partes.

Esses elementos subjetivos são extraídos da existência de laços afetivos; da congruência de interesses; do compartilhamento de ideias e ideais; da solidariedade psicológica, social e financeira, fatores que somados, e talvez acrescidos de outros não citados, possam demonstrar o animus de viver como família e deem condições para se associar, ao grupo assim construído, a estabilidade reclamada pelo texto de lei.

Nesse sentido, a chamada família anaparental (ou seja, sem a presença de um ascendente), quando constatado os vínculos subjetivos que remetem à família, merece o reconhecimento e igual status daqueles grupos familiares descritos no art. 42, §2º, do ECA.

Em suma, o STJ relativizou a proibição contida no § 2º do art. 42 e permitiu a adoção por parte de duas pessoas que não eram casadas nem viviam em união estável. Na verdade, eram dois irmãos (um homem e uma mulher) que criavam um menor há alguns anos e, com ele, desenvolveram relações de afeto.


Adoção póstuma (adoção nuncupativa)
Adoção póstuma é aquela que se aperfeiçoa mesmo tendo o adotante já falecido.
Essa possibilidade é trazida pelo art. 42, § 6º do ECA:


Art. 42 (...)
§ 6º A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença.


Requisitos para que ocorra a adoção póstuma:
Segundo o texto do ECA
Segundo a jurisprudência do STJ
a)      O adotante, ainda em vida, manifesta inequivocamente a vontade de adotar aquele menor;
b)      O adotante, ainda em vida, dá início ao procedimento judicial de adoção;
c)       Após iniciar formalmente o procedimento e antes de ele chegar ao fim, o adotante morre.

Nesse caso, o procedimento poderá continuar e a adoção ser concretizada mesmo o adotante já tendo morrido.
Se o adotante, ainda em vida, manifestou inequivocamente a vontade de adotar o menor, poderá ocorrer a adoção post mortem mesmo que não tenha iniciado o procedimento de adoção quando vivo.

O que pode ser considerado como manifestação inequívoca da vontade de adotar?
a)      O adotante trata o menor como se fosse seu filho;
b)      Há um conhecimento público dessa condição, ou seja, a comunidade sabe que o adotante considera o menor como se fosse seu filho.

Nesse caso, a jurisprudência permite que o procedimento de adoção seja iniciado mesmo após a morte do adotante, ou seja, não é necessário que o adotante tenha começado o procedimento antes de morrer.

No julgado deste informativo, o STJ reafirma esse entendimento.
A Min. Nancy Andrighi explica que o pedido de adoção antes da morte do adotante é dispensável se, em vida, ficou inequivocamente demonstrada a intenção de adotar:
“Vigem aqui, como comprovação da inequívoca vontade do de cujus em adotar, as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva: o tratamento do menor como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição.
O pedido judicial de adoção, antes do óbito, apenas selaria com o manto da certeza, qualquer debate que porventura pudesse existir em relação à vontade do adotante. Sua ausência, porém, não impede o reconhecimento, no plano substancial, do desejo de adotar, mas apenas remete para uma perquirição quanto à efetiva intenção do possível adotante em relação ao recorrido/adotado.”

A decisão do STJ (em um caso parecido com os nossos exemplos) foi tomada pela Terceira Turma, no REsp 1.217.415-RS, cuja Relatora foi a excelente Min. Nancy Andrighi, julgado em 19/6/2012.

Trata-se de precedente importantíssimo e que será, com toda a certeza, cobrado nas próximas provas de concurso.


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