terça-feira, 10 de novembro de 2015

Disponibilizar ou adquirir material pornográfico pela internet envolvendo criança ou adolescente (arts. 241, 241-A e 241-B do ECA): competência da Justiça Federal



Inciso V do art. 109 da CF/88
O art. 109 da CF/88 prevê a competência da Justiça Federal comum em 1ª instância.
Veja a hipótese trazida pelo inciso V:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
(...)
V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

Este inciso fixa competência criminal da Justiça Federal. Consiste em competência estabelecida em função da matéria.

Requisitos para se enquadrar no inciso V
Para que o delito seja de competência da Justiça Federal com base neste inciso, são necessários três requisitos:
a) que o fato seja previsto como crime em tratado ou convenção;
b) que o Brasil seja signatário de compromisso internacional de combate àquela espécie delitiva;
c) que exista uma relação de internacionalidade entre a conduta criminosa praticada e o resultado produzido (ou que deveria ter sido produzido).

Relação de internacionalidade
A relação de internacionalidade ocorre quando:
• iniciada a execução do crime no Brasil, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro;
• iniciada a execução do crime no estrangeiro, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no Brasil.

Desse modo, não é suficiente que o crime esteja previsto em tratado ou convenção internacional para ser julgado pela Justiça Federal.

Exemplos de aplicação do inciso V
Podemos citar os seguintes exemplos de crimes que poderão ser submetidos a julgamento pela Justiça Federal com fundamento no art. 109, V, da CF/88, desde que haja relação de internacionalidade, por serem previstos em tratados internacionais:
a) tráfico transnacional de drogas (art. 70, da Lei nº 11.343/2006);
b) tráfico internacional de arma de fogo (art. 18 da Lei nº 10.826/2003);
c) tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual (art. 231 do CP);
d) envio ilegal de criança ou adolescente para o exterior (art. 239 do ECA).

Todo crime praticado pela internet é de competência da Justiça Federal com base neste inciso V?
Obviamente que não. Segundo entendimento pacífico da jurisprudência, o fato de o delito ter sido cometido pela rede mundial de computadores não atrai, por si só, a competência da Justiça Federal.
Para que o delito cometido por meio da internet seja julgado pela Justiça Federal, é necessário que se amolde em umas das hipóteses elencadas no art. 109, IV e V, da CF/88.

Disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente
O ECA prevê três crimes que punem a conduta de disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente. Veja:
Art. 241.  Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

Art. 241-A.  Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
(...)

Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
(...)

De quem será a competência para julgar esses delitos caso tenham sido praticados por meio da internet?
Justiça Federal, com base no art. 109, V, da CF/88.
Os delitos acima listados são crimes que o Brasil, por meio de tratado internacional, comprometeu-se a reprimir. Trata-se da Convenção sobre Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, aprovada pelo Decreto legislativo 28/90 e pelo Decreto 99.710/90.
Se o crime é praticado por meio da internet, o vídeo ou a fotografia envolvendo a criança ou o adolescente em cenas de sexo ou de pornografia poderão ser visualizados em qualquer computador do mundo. Ocorre, portanto, a transnacionalidade do delito.

A tese firmada pelo STF ficou assim redigida:
Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente [artigos 241, 241-A e 241-B da Lei 8.069/1990] quando praticados por meio da rede mundial de computadores.
STF. Plenário. RE 628624/MG, Rel. Orig. Min. Marco Aurélio, Red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 28 e 29/10/2015 (repercussão geral) (Info 805).

De quem será a competência territorial?
A competência territorial é da Seção Judiciária do local onde o réu publicou as fotos, não importando o Estado onde se localize o servidor do site: STJ. CC 29.886/SP, julgado em 12/12/2007.

E se o réu publicou as fotos no exterior?
Esse crime poderá ser julgado pelo Brasil, por se enquadrar na hipótese prevista no art. 7º, II, do CP, cumpridas as condições previstas no § 2º do mesmo art. 7º. Em sendo preenchidos tais requisitos, o delito seria julgado no Brasil pela Justiça Federal, sendo competente a Seção Judiciária da capital do Estado onde o acusado por último morou ou, se nunca residiu aqui, será competente a Seção Judiciária do Distrito Federal (art. 88 do CPP).



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