segunda-feira, 22 de julho de 2019

Honorários de sucumbência decorrentes de ação de cobrança de cotas condominiais não possuem natureza propter rem



Imagine a seguinte situação hipotética:
João é proprietário e morador do apartamento 1501 do edifício residencial “Jardim Feliz”.
João estava devendo 6 meses de cotas condominiais.
O condomínio ajuizou ação contra ele cobrando o valor das cotas em atraso.
O juiz julgou procedente o pedido e condenou João ao pagamento de:
• R$ 100 mil, a título de cotas condominiais em atraso (acrescidas de juros e correção monetária); e
• honorários advocatícios de sucumbência fixados em 10% da condenação, ou seja, R$ 10 mil.

Sem ter condições de pagar as dívidas, João vendeu seu apartamento para Pedro.

Pedro, ao adquirir o apartamento, passa a ter responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais em atraso?
SIM. As cotas condominiais são classificadas como obrigações propter rem. Por isso, responde pela obrigação de pagar tais dívidas aquele que adquire a unidade, não importando que os débitos sejam anteriores à aquisição do imóvel. É o que determina o Código Civil:
Art. 1.345. O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios.

O sentido dessa norma é fazer prevalecer o interesse da coletividade, permitindo que o condomínio receba, a despeito da transferência de titularidade do direito real sobre o imóvel, as despesas indispensáveis e inadiáveis à manutenção da coisa comum, impondo ao adquirente, para tanto, a responsabilidade, inclusive, pelas cotas condominiais vencidas em período anterior à aquisição.

Fale-me mais sobre as obrigações propter rem...
Obrigações propter rem (também chamadas de obrigações ambulatórias) são aquelas que se vinculam à titularidade de um direito real, independentemente da manifestação de vontade do titular, e, por isso, são transmitidas a todos os que lhe sucederem em sua posição; são, pois, assumidas “por causa da coisa” (propter rem).
As obrigações que os condôminos possuem em relação ao condomínio são ordinariamente qualificadas como ambulatórias (propter rem). Como essas obrigações decorrem da mera titularidade do direito real sobre o imóvel, eles incidem e acompanham a coisa em todas as suas mutações subjetivas (mudanças de “dono”).
Assim, a obrigação de pagar os débitos em relação ao condomínio se transmite automaticamente, isso é, ainda que não seja essa a intenção do alienante e mesmo que o adquirente não queira assumi-la.

Aprofundando: ônus real
Obs: alguns autores afirmam que o art. 1.345 é mais que uma mera obrigação de natureza ambulatória (propter rem). Esse dispositivo imporia ao titular do direito sobre o bem um verdadeiro ônus real.
Cite-se, por oportuna, a lição de Francisco Eduardo Loureiro, mencionando, por sua vez, o escólio de Antunes Varela:
“Na lição clássica de Antunes Varela, o artigo em exame descreve verdadeiro ônus real. Segundo o autor, “a diferença prática entre ônus e as obrigações reais, tal como a história do direito as modelou, está em que, quanto a estas, o titular só fica vinculado às obrigações constituídas na vigência do seu direito, enquanto nos ônus reais o titular da coisa fica obrigado mesmo em relação às prestações anteriores, por suceder na titularidade de uma coisa a que está visceralmente unida a obrigação (...)”(Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. Coordenador Cezar Peluso. 5ª ed. São Paulo: Manole, 2011. p. 1.396-1.397)

Vimos, então, que Pedro (adquirente) terá que pagar os R$ 100 mil de cotas condominiais atrasadas. E os R$ 10 mil também? O adquirente possui responsabilidade pelo pagamento dos honorários advocatícios?
NÃO. A obrigação de pagar as verbas de sucumbência, ainda que sejam elas decorrentes de sentença proferida em ação de cobrança de cotas condominiais, não pode ser qualificada como ambulatória (propter rem) e, portanto, não pode ser exigida do novo proprietário do imóvel sobre o qual recai o débito condominial.
Em primeiro lugar, porque tal obrigação não está expressamente elencada no rol do art. 1.345 do CC, até mesmo por não se prestar ao custeio de despesas indispensáveis e inadiáveis à manutenção da coisa comum.
Em segundo lugar, porque os honorários de sucumbência constituem direito autônomo do advogado (art. 23 do Estatuto da OAB), de natureza remuneratória. Trata-se, portanto, de dívida da parte vencida frente ao advogado da parte vencedora, totalmente desvinculada da relação jurídica estabelecida entre as partes da demanda. Logo, os honorários de sucumbência não se enquadram no art. 1.345 do CC, que fala em “débitos do alienante, em relação ao condomínio”.

Em suma:
As verbas de sucumbência, decorrentes de condenação em ação de cobrança de cotas condominiais, não possuem natureza ambulatória (propter rem).
O art. 1.345 do CC estabelece que o adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios.
A obrigação de pagar as verbas de sucumbência, ainda que sejam elas decorrentes de sentença proferida em ação de cobrança de cotas condominiais, não pode ser qualificada como ambulatória (propter rem), seja porque tal prestação não se enquadra dentre as hipóteses previstas no art. 1.345 do CC para o pagamento de despesas indispensáveis e inadiáveis do condomínio, seja porque os honorários constituem direito autônomo do advogado, não configurando débito do alienante em relação ao condomínio, senão débito daquele em relação ao advogado deste.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.730.651-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 09/04/2019 (Info 646).




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