sábado, 29 de novembro de 2014

Intervenção da Defensoria Pública como amicus curiae em recursos representativos de controvérsia



Multiplicidade de recursos extraordinários tratando sobre o mesmo tema
O legislador percebeu que havia no STF e no STJ milhares de recursos que tratavam sobre os mesmos temas jurídicos.
Diante disso, a fim de otimizar a análise desses recursos, a Lei nº 11.672/2008 acrescentou os arts. 543-B e 543-C ao CPC, prevendo uma espécie de “julgamento por amostragem” dos recursos extraordinários e recursos especiais que tiverem sido interpostos com fundamento em idêntica controvérsia ou questão de direito.

Julgamento por amostragem
• O art. 543-B estabelece o procedimento a ser adotado pelo STF no caso de múltiplos recursos extraordinários tratando sobre o mesmo tema.
• O art. 543-C, por sua vez, prevê o rito no caso de múltiplos recursos especiais em tramitação no STJ.

Julgamento por amostragem e recursos especiais repetitivos
O julgamento por amostragem no caso dos recursos especiais repetitivos é previsto no art. 543-C do CPC:
Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo.

Previsão da intervenção de amicus curiae na repercussão geral e no recurso especial repetitivo
O CPC prevê que, antes de julgar o recurso extraordinário submetido à repercussão geral e o recurso especial sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STF e o STJ poderão colher a manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia, que se pronunciarão sobre a causa na qualidade de amicus curiae. Veja:

Art. 543-A (...)
§ 6º O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Art. 543-C (...)
§ 4º O relator, conforme dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça e considerando a relevância da matéria, poderá admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia.


A DPU pode atuar como amicus curiae em recursos especiais repetitivos, recursos extraordinários submetidos à repercussão geral e em ADIs?
SIM. A DPU e as Defensorias Públicas estaduais já foram admitidas como amici curiae em muitos processos no STF e no STJ.


Veja alguns exemplos no STF:

ADI 4.636: o Min. Gilmar Mendes admitiu a participação da Defensoria Pública de São Paulo como amicus curiae na ADI 4.636 na qual o Conselho Federal da OAB impugna dispositivos da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública (LC 80/94).

RE 580.963: o Min. Gilmar Mendes deferiu o pedido da DPU para atuar como amicus curiae no julgamento do RE 580.963 (sob a sistemática da repercussão geral). Esse recurso tratava sobre o caso de uma pessoa de baixa renda que teve o pedido de benefício assistencial negado pelo INSS pelo fato de, supostamente, ter renda incompatível. O pedido de intervenção da DPU fundamentou-se no fato de que uma das atribuições da Instituição é justamente a defesa dos hipossuficientes em causas previdenciárias.

ADPF 186: nesta ação, o Partido DEM questionava o sistema de cotas raciais da UnB. O Min. Relator Ricardo Lewandowski aceitou a participação da DPU como amicus curiae.


Admissões ocorridas em processos no STJ:

REsp 1.111.566: discutia-se, em recurso repetitivo, se, no processo criminal contra o motorista acusado de embriaguez ao volante, poderiam ser admitidos outros meios de prova além do bafômetro e do exame de sangue. A DPU foi admitida como amicus curiae.

REsp 1.133.869: recurso repetitivo envolvendo tratando sobre demanda envolvendo mutuário do SFH e a empresa seguradora, por ter esta negado a cobertura securitária pretendida. Foi aceito o ingresso da DPU no feito sob o argumento de que ela tem atuação preponderante na defesa dos consumidores e hipossuficientes.

REsp 1.339.313: o recurso versava sobre o prazo prescricional para o ajuizamento das ações de repetição de indébitos de tarifas de água e esgoto. DPU foi igualmente admitida como amiga da corte.


Para que a DPU possa intervir como amicus curiae basta que ela demonstre que a instituição atua em muitas ações envolvendo aquele tema? Isso é motivo suficiente para a intervenção?
NÃO. O simples argumento de que DPU atua em vários processos que tratam do mesmo tema versado no recurso representativo da controvérsia a ser julgado não é suficiente para caracterizar a sua condição de amicus curiae.

DPU não pode atuar como amicus em REsp em que se discutia encargos de crédito rural
A cédula de crédito rural é uma espécie de “título rural”, ou seja, um título de crédito criado para facilitar as negociações na atividade rural.
Em um caso concreto, o STJ estava discutindo, sob a sistemática de recurso repetitivo (art. 543-C), se a cédula de crédito rural admitia ou não a capitalização de juros.
Havia vários recursos especiais envolvendo esse tema e que estavam aguardando o pronunciamento definitivo do STJ. Dessa forma, a decisão tomada iria influenciar todos esses processos.
Diante da relevância da matéria, o STJ admitiu, como amici curiae (plural de amicus curiae) as seguintes entidades:
• Banco Central do Brasil;
• Federação Brasileira dos Bancos.

Assim, o BACEN e a FEBRABAN apresentaram manifestação defendendo seus pontos de vista sobre a controvérsia.

Foi, então, que a Defensoria Pública da União requereu à Ministra Relatora que também fosse admitida nos autos como amicus curiae justificando que atua em defesa de hipossuficientes em milhares de ações envolvendo capitalização de juros em cédulas de crédito rural.

O STJ admitiu a participação da DPU como amicus curiae?
NÃO. Segundo decidiu o STJ, NÃO se admite a intervenção da Defensoria Pública como amicus curiae no processo para o julgamento de recurso repetitivo em que se discutem encargos de crédito rural, destinado ao fomento de atividade comercial (STJ. 2ª Seção. REsp 1.333.977-MT, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 26/2/2014. Info 537).

A Ministra Relatora utilizou três argumentos para negar a intervenção:

1º) Para que a pessoa, órgão ou entidade possa ser admitida como amicus curiae, nos termos do § 4º do art. 543-C, é necessário que ela tenha uma representatividade relacionada com sua “identidade funcional, natureza ou finalidade estatutária” que a qualifique para contribuir para o aprimoramento do julgamento da causa. Dessa forma, para atuar como amicus curiae, não basta que a pessoa, órgão ou entidade tenha o interesse em defender a solução da lide em favor de uma das partes, como no caso da DPU. Isso, segundo o STJ, seria defender um interesse meramente econômico.

2º) A intervenção formal no processo repetitivo deve dar-se por meio da entidade de âmbito nacional cujas atribuições sejam pertinentes ao tema em debate, sob pena de prejuízo ao regular e célere andamento deste importante instrumento processual. No caso em que se discutem encargos de crédito rural, destinado ao fomento de atividade comercial, a matéria, em regra, não se subsume às hipóteses de atuação típica da Defensoria Pública. Apenas a situação de eventual devedor necessitado justificaria, em casos concretos, a defesa dessa tese jurídica pela Defensoria Pública, argumento este igualmente sustentado por empresas de grande porte econômico.

3º) A inteireza do ordenamento jurídico já é defendida pelo Ministério Público Federal, que se manifesta no processo de recurso repetitivo.


DPU não pode atuar como amicus em REsp no qual se discutia redirecionamento de execução fiscal
No REsp repetitivo 1.371.128-RS, o STJ discutia se a dissolução irregular da empresa seria motivo suficiente para o redirecionamento da execução fiscal de dívida ativa não-tributária contra o sócio-gerente.
O Relator não admitiu a participação da DPU como amicus curiae no processo.
Segundo o Ministro, o único argumento utilizado pela DPU para pedir a intervenção foi a afirmação de que atuava em vários processos que tratam sobre o mesmo tema versado no recurso representativo da controvérsia. Isso, contudo, segundo a jurisprudência do STJ, não é suficiente para caracterizar-lhe a condição de amicus curiae.
STJ. 1ª Seção. REsp 1.371.128-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 10/9/2014 (Info 547).

RESUMINDO:
A DPU e as Defensorias Públicas estaduais podem atuar como amicus curiae em recursos especiais repetitivos e recursos extraordinários submetidos à repercussão geral, assim como em processos de controle concentrado de constitucionalidade. Para isso, deverão demonstrar que possuem legítimo interesse e representatividade para essa atuação como amigo da Corte.
A mera afirmação de que a Defensoria Pública atua em vários processos que tratam do mesmo tema versado no recurso representativo da controvérsia a ser julgado não é suficiente para caracterizar-lhe a condição de amicus curiae.

Dois exemplos em que o STJ não admitiu a intervenção da instituição como amicus curiae:
• Recurso especial repetitivo em que se discutia encargos de crédito rural;
• Recurso especial repetitivo em que se debatia a possibilidade de redirecionamento de execução fiscal em caso de dívidas não-tributárias.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.371.128-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 10/9/2014 (Info 547).
STJ. 2ª Seção. REsp 1.333.977-MT, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 26/2/2014 (Info 537).



Print Friendly and PDF