terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Para ocorrer indenização por danos morais em função do encontro de corpo estranho em alimento industrializado, é necessária a sua ingestão?



Imagine a seguinte situação hipotética:
João comprou um pacote de biscoito recheado, sabor morango.
Por volta do terceiro biscoito, ao mastigar o produto, João encontrou uma aliança no recheio, cuspindo-a antes de engolir.
Diante disso, ajuizou ação de indenização por danos morais contra a fabricante do produto.
A fabricante alegou, dentre outros argumentos, que não houve dano moral, considerando que João não engoliu o corpo estranho. Logo, do evento não advieram consequências significativas.

Para ocorrer a indenização por danos morais em função do encontro de corpo estranho em alimento industrializado, é necessária a sua ingestão? Para configurar dano moral é necessário que o consumidor ENGULA o objeto estranho presente no alimento?
A jurisprudência é dividida sobre o tema:
SIM
NÃO
Ausente a ingestão do produto considerado impróprio para o consumo em virtude da presença de corpo estranho, não se configura o dano moral indenizável.
Não há dano moral na hipótese de aquisição de gênero alimentício com corpo estranho no interior da embalagem se não ocorre a ingestão do produto considerado impróprio para consumo, visto que referida situação não configura desrespeito à dignidade da pessoa humana, desprezo à saúde pública ou mesmo descaso para com a segurança alimentar.
A ausência de ingestão de produto impróprio para o consumo configura, em regra, hipótese de mero dissabor vivenciado pelo consumidor, o que afasta eventual pretensão indenizatória decorrente de alegado dano moral.
STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1597890/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 27/09/2016.
STJ. 4ª Turma. AgRg no AREsp 489.030/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/04/2015.
A aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo estranho, expondo o consumidor a risco concreto de lesão à sua saúde e segurança, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, dá direito à compensação por dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana.
O simples ato de “levar à boca” o alimento industrializado com corpo estranho gera dano moral in re ipsa, independentemente de sua ingestão.
A disponibilização de produto considerado impróprio para consumo em virtude da presença de objeto estranho no seu interior afeta a segurança que rege as relações consumeristas na medida que expõe o consumidor a risco de lesão à sua saúde e segurança e, portanto, dá direito à compensação por dano moral.
STJ. 3ª Turma. REsp 1644405/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 09/11/2017.
STJ. 3ª Turma. AgRg no REsp 1380274/SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 10/05/2016.

Observação:
Ao observar o inteiro teor dos julgados e os casos examinados, percebe-se a seguinte distinção:
• Se o consumidor encontra o corpo estranho sem ter comido nada do produto: não cabem danos morais.
• Se o consumidor encontra o corpo estranho após ter comido parte do produto: cabem danos morais, mesmo que ele não tenha ingerido o corpo estranho. Por isso, no caso do biscoito, caberiam danos morais.

Vale ressaltar, contudo, que essa diferenciação não consta de forma expressa nos julgados. Trata-se, contudo, de uma constatação pessoal, razão pela qual deve-se ter cautela em afirmar isso nos concursos públicos. Para fins de prova, é importante ficar com a redação literal das ementas, conforme exposta no quadro acima.




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