quarta-feira, 5 de outubro de 2022

O Defensor Público, atuando em nome da Defensoria Pública, possui legitimidade para impetrar mandado de segurança em defesa das funções institucionais e prerrogativas de seus órgãos de execução?

 

Para entender melhor este julgado, é relevante relembrarmos a figura da curadoria especial.

 

Curador especial

O CPC prevê que, em determinadas situações, o juiz terá que nomear um curador especial que irá defender, no processo civil, os interesses do réu.

O curador especial também é chamado de curador à lide.

 

Hipóteses em que será nomeado curador especial:

Estão previstas no art. 72 do CPC. São quatro situações:

a) Quando o réu for incapaz e não tiver representante legal;

b) Quando o réu for incapaz e tiver representante legal, mas os interesses deste (representante) colidirem com os interesses daquele (incapaz);

c) Quando o réu estiver preso;

d) Quando o réu tiver sido citado por edital ou com hora certa, enquanto não for constituído advogado.

 

Veja a redação legal:

Art. 72. O juiz nomeará curador especial ao:

I - incapaz, se não tiver representante legal ou se os interesses deste colidirem com os daquele, enquanto durar a incapacidade;

II - réu preso revel, bem como ao réu revel citado por edital ou com hora certa, enquanto não for constituído advogado.

 

O que essa função de curador especial tem a ver com a Defensoria Pública?

A Lei Orgânica da Defensoria Pública (LC 80/94) estabelece o seguinte:

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:

XVI – exercer a curadoria especial nos casos previstos em lei;

 

Desse modo, o múnus público de curador especial de que trata o art. 72 do CPC deve ser exercido pelo Defensor Público.

O CPC/2015 também afirmou isso expressamente:

Art. 72 (...)

Parágrafo único. A curatela especial será exercida pela Defensoria Pública, nos termos da lei.

 

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

Regina, assistida pela Defensoria Pública (Dra. Carolina), ajuizou ação de divórcio contra João.

O requerido, por estar em local incerto e não sabido, foi citado por edital.

Como João não constituiu advogado, outro Defensor Público (Dr. Vitor), na qualidade de curador especial, apresentou contestação em favor do réu.

O juiz entendeu que a Defensoria Pública não poderia estar assistindo juridicamente a autora e o réu ao mesmo tempo e, por essa razão, destituiu o Defensor Público da função de curador especial porque ele estaria, supostamente, atuando de forma irregular. Em seu lugar, foi designado um advogado particular.

Dr. Vitor não concordou e impetrou mandado de segurança, no Tribunal de Justiça, contra a decisão, alegando que a Defensoria Pública pode sim atuar nos dois polos, desde que por intermédio de membros diferentes.

O Tribunal de Justiça extinguiu o mandado de segurança sem resolução do mérito sob o argumento de que o writ foi impetrado pelo Defensor Público de primeiro grau e que ele não possuiria legitimidade para representar o órgão em ações em que almejada a sua proteção da função institucional, uma vez que competência seria do Defensor Público-Geral do Estado, autoridade legitimada para representar o órgão, nos termos do art. 100 da Lei Complementar nº 80/94:

Art. 100. Ao Defensor Público-Geral do Estado compete dirigir a Defensoria Pública do Estado, superintender e coordenar suas atividades, orientando sua atuação, e representando­a judicial e extrajudicialmente.

 

Havia legitimidade neste caso? O Defensor Público, atuando em nome da Defensoria Pública, possui legitimidade para impetrar mandado de segurança em defesa das funções institucionais e prerrogativas de seus órgãos de execução?

SIM. Vamos entender com calma.

 

Funções institucionais da Defensoria Pública

São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras, impetrar mandado de segurança “em defesa das funções institucionais e prerrogativas de seus órgãos de execução” (art. 4º da LC 80/94).

 

De quem é a atribuição para desempenhar as funções institucionais da Defensoria Pública?

Com base na Constituição Federal e na LC 80/94, essa tarefa cabe aos Defensores Públicos e sua respectiva organização/estrutura (art. 134 da CF/88 e art. 4º da LC 80/94).  

 

As funções institucionais da Defensoria Pública, elencadas no art. 4º da LC 80/94, podem ser divididas em:

a) atribuições individuais; e

b) atribuições coletivas.

 

1) Exemplos de atribuições individuais (art. 4º):

XIV – acompanhar inquérito policial, inclusive com a comunicação imediata da prisão em flagrante pela autoridade policial, quando o preso não constituir advogado;

XV – patrocinar ação penal privada e a subsidiária da pública;

 

2) Exemplos de atribuições coletivas (art. 4º):

III – promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico;

VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes;

VIII – exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal;

X – promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela;

XI – exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado;

XXII – convocar audiências públicas para discutir matérias relacionadas às suas funções institucionais.

 

Considerando a organização/estrutura da Defensoria Pública, quais são as atribuições do Defensor Público-Geral do Estado?

A LC 80/94 resume, em seu art. 100, as atribuições do Defensor Público-Geral do Estado.

Art. 100. Ao Defensor Público-Geral do Estado compete dirigir a Defensoria Pública do Estado, superintender e coordenar suas atividades, orientando sua atuação, e representando­a judicial e extrajudicialmente.

 

E o que se entende por “órgãos de execução” na estrutura da Defensoria Pública dos Estados, de acordo com a LC 80/94?

Os próprios Defensores Públicos são chamados de “órgãos de execução”.

Art. 98. A Defensoria Pública dos Estados compreende:

(...)

III - órgãos de execução:

a) os Defensores Públicos do Estado.

 

O art. 100 da LC 80/94 confere legitimidade exclusiva ao Defensor Público-Geral do Estado para impetrar mandado de segurança em defesa das funções institucionais e prerrogativas de seus órgãos de execução?

NÃO.

De acordo com o princípio da unidade, os atos praticados pelo Defensor Público no exercício de suas funções não devem ser creditados ao agente, devendo ser atribuídos à própria Defensoria Pública a qual integra. Isso é reforçado também pelo princípio da indivisibilidade, de forma que “quando um membro da Defensoria Pública atua, quem na realidade está atuando é a própria Defensoria Pública; por isso, a doutrina tem reconhecido a fungibilidade dos membros da Instituição” (ESTEVES, Diogo; ROGER, Franklyn. Princípios Institucionais da Defensoria Pública. 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 739 e 743).

O art. 100 da Lei Complementar nº 80/94, ao atribuir ao Defensor Público-Geral a representação judicial da Defensoria Pública do Estado, não exclui a legitimidade dos respectivos órgãos de execução - os defensores públicos atuantes perante os diversos juízos - de impetrar mandado de segurança na defesa da atuação institucional do órgão.

Caso se cuidasse de discussão a propósito de ato da esfera de competência do próprio Defensor Público-Geral, como a lotação de defensores pelas comarcas, a legitimidade para representar judicialmente a instituição seria privativa da referida autoridade.

No caso em exame, todavia, trata-se da defesa de prerrogativa institucional de defensor público em face de ato judicial praticado no curso de processo no qual exercia suas atribuições legais, de forma que o subscritor do mandado de segurança atuou dentro da competência que lhe é legalmente atribuída ao requerer a ordem. 

 

Em suma:

 

E quanto ao mérito da demanda, assiste razão ao Defensor Público?

SIM. A circunstância de a parte autora ser assistida pela Defensoria Pública não afasta a atribuição legal da instituição de, por meio de defensor distinto, exercer a curadoria do réu revel citado por edital.

 Os princípios da unidade e da indivisibilidade que norteiam a instituição não tornam irregular sua atuação em defesa de partes antagônicas no processo, desde que se valendo de órgãos de execução diversos, não sendo a rara a existência de hipossuficientes em ambos os polos da relação processual.


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