sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

A decisão a que se refere o § 6º do art. 273 do CPC tem natureza de tutela antecipada e não de julgamento antecipado parcial da lide



Imagine a seguinte situação hipotética:
A empresa X ajuizou uma ação contra a empresa Z cobrando um milhão de reais.
O juiz deferiu tutela cautelar determinando que a empresa Z depositasse o dinheiro cobrado em uma conta judicial até que se aguardasse o pronunciamento final.
Após efetuar o depósito em juízo, a empresa Z apresentou contestação reconhecendo que devia 200 mil reais e negando o restante do débito.
Desse modo, perceba que, quanto aos 200 mil reais, não há controvérsia, isto é, tanto o autor como o réu concordam que são devidos. Não há lide quanto a esse ponto. A controvérsia está nos 800 mil reais restantes. Somente quanto a essa parcela incontroversa é que o juiz terá que decidir na sentença quem tem razão.

Levantamento do valor incontroverso
Depois da contestação da ré, a autora apresentou petição ao juiz requerendo o levantamento do montante incontroverso.
O magistrado concordou com o pedido, fundamentando sua decisão no art. 273, § 6º do CPC:
Art. 273 (...)
§ 6º A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.

Assim, foi expedido, em favor da autora, um alvará judicial no valor de 200 mil reais.

Tese da autora
Ocorre que a empresa X não concordou com o fato de o juiz ter liberado apenas 200 mil reais e afirmou que a esse valor deveria ser acrescido os honorários advocatícios e os juros de mora.
A argumentação deduzida pela autora foi, mais ou menos, a seguinte:
Nos casos do art. 273, § 6º, do CPC, apesar da lei falar em “tutela antecipada”, o que se tem é um reconhecimento parcial do pedido e um verdadeiro julgamento antecipado de parte do mérito da demanda.
Assim, não se trata de tutela antecipada, porque essa parcela já é definitiva por ser incontroversa. Não há nada mais para decidir em relação a essa parte da demanda, que se exauriu quando a ré reconheceu a procedência parcial do pedido.
Dessa forma, a decisão que autoriza o levantamento da quantia incontroversa não é proferida com cognição sumária, mas sim com cognição exauriente, capaz, inclusive, de produzir coisa julgada material.
Por consequência, a execução dessa parte incontroversa é definitiva (e não provisória).
Sendo definitivo o julgado, não existe fundamento para retardar a incidência dos juros e dos honorários quanto a essa parte do pedido.
Em suma, quanto aos 200 mil reais, o Poder Judiciário já reconheceu que a autora tem direito. Quanto a essa parte da demanda, a requerente já se sagrou vencedora e o réu sucumbiu. Logo, a autora tem direito de receber os honorários de sucumbência e o valor principal (200 mil reais) acrescidos dos juros de mora devidos desde a citação inicial.

A tese apresentada pela autora é aceita pela doutrina? O § 6º do art. 273 do CPC é um caso de tutela antecipada ou de julgamento antecipado da lide?

1ª corrente: JULGAMENTO ANTECIPADO
2ª corrente: TUTELA ANTECIPADA
Os processualistas mais modernos defendem que o § 6º do art. 273 do CPC não é, propriamente, tutela antecipada, mas sim uma hipótese de julgamento antecipado parcial da lide.
A localização topográfica do § 6º está errada e não deveria ter sido prevista no art. 273, mas sim no art. 330 do CPC.




Quando o juiz decide com base nesse § 6º sua cognição é exauriente e está fundada em juízo de certeza, sendo uma decisão apta a gerar coisa julgada material.



A decisão que aplica o § 6º é apta para fazer coisa julgada material.


Pode ser executada definitivamente.
Por outro lado, uma segunda corrente sustenta que a regra do § 6º é sim uma hipótese de tutela antecipada, tanto que está inserida dentro do art. 273 do CPC.
Houve, portanto, uma opção legislativa.
No sistema atual do CPC, não é possível imaginar que haja o fracionamento do momento de decidir, ou seja, parte é decidida no começo do processo e outra parte somente no final. Em suma, o processo brasileiro não admite “sentenças parciais”.
Apesar de o juízo de verossimilhança ser mais forte do que nas demais hipóteses de tutela antecipada, é possível que, ao final da demanda, o magistrado reformule seu entendimento e revogue ou modifique a decisão que havia concedido a tutela.

A decisão que aplica o § 6º não é apta para fazer coisa julgada material, por força de opção legislativa.

A execução é provisória.
Nesse sentido:
Fredie Didier Júnior
Cássio Scarpinella Bueno
Daniel Mitidiero
Leonardo José Carneiro da Cunha
Joel Dias Figueira Júnior
Nesse sentido:
Teori Zavascki
Athos Gusmão Carneiro
Cândido Rangel Dinarmarco

Qual das duas correntes foi adotada pelo STJ?
A segunda.

Afirmou o Min. Rel. Ricardo Villas Bôas Cueva:
“(...) não se discute que a tutela prevista no § 6º do artigo 273 do CPC atende aos princípios constitucionais ligados à efetividade da prestação jurisdicional, ao devido processo legal, à economia processual e à duração razoável do processo, e que a antecipação em comento não é baseada em urgência, nem muito menos se refere a um juízo de probabilidade (ao contrário, é concedida mediante técnica de cognição exauriente após a oportunidade do contraditório). Porém, como já dito, por questão de política legislativa, a tutela acrescentada pela Lei nº 10.444/02 não é suscetível de imunização pela coisa julgada.
Assim sendo, não há como na fase de antecipação da tutela, ainda que com fundamento no § 6º do artigo 273 do CPC, permitir o levantamento dos consectários legais (juros de mora e honorários advocatícios), que deverão ser decididos em sentença.”
STJ. 3ª Turma. REsp 1.234.887-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 19/9/2013.

MUITA ATENÇÃO com esse julgado que será bastante explorado nos concursos públicos em 2014.



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