segunda-feira, 5 de maio de 2014

O TCU pode fiscalizar os sindicatos quanto à utilização dos recursos decorrentes da contribuição sindical?


Imagine a seguinte situação adaptada:
O Tribunal de Contas da União instaurou um procedimento de tomada de contas com o objetivo de investigar a evolução patrimonial suspeita dos dirigentes de um determinado sindicato em virtude da existência de indícios de que estaria havendo malversação dos recursos decorrentes da contribuição sindical compulsória.

Mandado de segurança
Ao tomar conhecimento do procedimento, o sindicato impetrou, no STF (art. 102, I, “d”, da CF/88), mandado de segurança contra o TCU. Os argumentos apresentados foram os seguintes:
• as contribuições sindicais compulsórias não configuram recursos públicos federais;
• os sindicatos não podem ser enquadrados como entes públicos da administração direta ou indireta a atrair a competência do TCU;
• a fiscalização pelo TCU de atos do sindicato configura ofensa à liberdade e autonomia sindical (art. 8º, I, da CF/88).

O que decidiu o STF? Os sindicatos estão sujeitos à fiscalização do Tribunal de Contas a respeito dos valores recebidos a título de contribuição sindical?
SIM. As contribuições sindicais compulsórias possuem natureza tributária, constituem receita pública e estão, portanto, os responsáveis pela sua gestão sujeitos à competência fiscalizatória do TCU.
Ademais, a atividade de controle do TCU sobre a atuação das entidades sindicais não representa violação à autonomia sindical.
STF. 1ª Turma. MS 28465, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 18/03/2014.

Vejamos os pontos mais relevantes a respeito do tema.

Contribuição sindical
Com o objetivo de garantir o seu custeio, a CF/88 assegurou às entidades sindicais duas contribuições diferentes. Veja:
Art. 8º (...)
IV - a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei;

Desse modo, apesar de a redação do inciso ser um pouco truncada, é possível perceber que ele fala em duas espécies de contribuição:
1ª) Contribuição fixada pela assembleia geral;
2ª) Contribuição prevista em lei.

Confira as diferenças entre elas:

Contribuição CONFEDERATIVA
Contribuição SINDICAL
Prevista na 1ª parte do art. 8º, IV, da CF/88.
Prevista na 2ª parte do art. 8º, IV, da CF/88.
Também chamada de “contribuição de assembleia”.
Também chamada de “imposto sindical”, expressão incorreta porque não é imposto.
NÃO é tributo.
É um TRIBUTO.
Trata-se de contribuição parafiscal (ou especial).
É instituída pela União, mas a sua arrecadação é destinada aos sindicatos.
Fixada pela assembleia geral do sindicato (obrigação ex voluntate).
Instituída por meio de lei (obrigação ex lege).
É considerada VOLUNTÁRIA.
Somente é paga pelas pessoas que resolveram se filiar ao sindicado.
Súmula 666-STF: A contribuição confederativa de que trata o art. 8º, IV, da Constituição, só é exigível dos filiados ao sindicato respectivo.
É COMPULSÓRIA.
Deve ser paga por todos aqueles que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, inexistindo este, à Federação correspondente à mesma categoria econômica ou profissional.
Não precisa obedecer aos princípios tributários.
Deverá respeitar os princípios tributários (legalidade, anterioridade etc.).

O quadro acima é bastante conhecido. A informação nova vem agora: os sindicatos estão sujeitos à fiscalização do Tribunal de Contas a respeito dos valores recebidos a título de contribuição?
• Contribuição confederativa: NÃO.
• Contribuição sindical: SIM.

Segundo decidiu o STF, as contribuições sindicais são compulsórias e possuem natureza tributária. Logo, podem ser classificadas como “receita pública”. Desse modo, sendo receitas públicas, estão sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas da União, nos termos do art. 70, parágrafo único e art. 71, I, da CF/88.
Os destinatários de contribuições parafiscais estão sujeito à fiscalização do TCU. Com efeito, deverá prestar contas qualquer pessoa pública ou privada, sem distinção quanto a compor ou não a Administração Pública, que gerencie dinheiro público. O produto da arrecadação tributária, embora repassado a entidade privada, é dinheiro público, sujeito à competência fiscalizatória das instituições públicas dirigidas a essa modalidade específica de controle.

No plano legislativo, a Lei n.° 8.443/92 (Lei Orgânica do TCU) é ainda mais clara:
Art. 5º A jurisdição do Tribunal abrange:
V - os responsáveis por entidades dotadas de personalidade jurídica de direito privado que recebam contribuições parafiscais e prestem serviço de interesse público ou social;

Essa fiscalização do TCU sobre os valores recebidos como contribuição sindical, viola a autonomia dos sindicatos, prevista no art. 8º, I, da CF/88?
NÃO. Isso porque o simples fato de o TCU fazer a fiscalização sobre receitas públicas repassadas pela União aos sindicatos não significa interferência ou intervenção na organização sindical. Conforme ressaltou o Min. Marco Aurélio:

“Autonomia sindical e fiscalização pública – do Tribunal de Contas, das Polícias Federal e estaduais, dos órgãos ambientais – são temas que não se antagonizam, mas antes se complementam.
Logo, o direito à autonomia, ainda que de índole constitucional, não chega ao extremo de conferir ao titular a blindagem à fiscalização.
Fosse assim, como bem salientado por Francisco Ribeiro Neves, “poder-se-ia imaginar um cenário no qual também as universidades públicas deixarão de prestar contas em nome da autonomia universitária (art. 207 da CF/88)” em O veto presidencial e a necessidade de os sindicatos prestarem contas ao Tribunal de Contas da União sobre a contribuição sindical. Acrescento que o mesmo poderia acontecer quanto às agências reguladoras, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e aos demais órgãos que gozam  de autonomia administrativa.”

Em suma, os sindicatos estão obrigados a prestar contas ao TCU sobre os valores da contribuição sindical e isso não viola a autonomia sindical.


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