quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

A peculiaridade da homologação de sentença estrangeira que trate sobre guarda e alimentos de filhos



Olá amigos do Dizer o Direito,

O concurso da DPU está se aproximando, muitos de vocês estão estudando firme e, como havia prometido, irei, sempre que possível, destacar alguns temas que podem ser cobrados na prova.

O assunto de hoje é homologação de sentença estrangeira. Até aí, tudo bem. Provavelmente você está estudando o tema até porque é uma das grandes atuações da DPU em Brasília. No entanto, quero destacar hoje uma peculiaridade: a homologação de sentença estrangeira que trate sobre guarda e alimentos de filhos.

Vejamos:

A decisão proferida pelo Poder Judiciário de um país produz efeitos em outro Estado soberano?
A princípio não, porque uma das manifestações da soberania é o fato do Poder Judiciário do próprio país ser o responsável pela resolução dos conflitos de interesses.
Assim, a princípio, uma decisão proferida pela Justiça dos EUA ou de Portugal, por exemplo, não tem força obrigatória no Brasil, considerando que, por sermos um país soberano, a função de dizer o direito é atribuída ao Poder Judiciário brasileiro.

Pode ser necessário, no entanto, que uma decisão no exterior tenha que ter eficácia no Brasil. Como fazer para que isso ocorra?
Para que uma decisão proferida pelo Poder Judiciário de outro país possa ser executada no Brasil é necessário que passe por um processo de “reconhecimento” ou “ratificação” feito pela Justiça brasileira. A isso chamamos de homologação de sentença estrageira.

“O processo de homologação de sentença estrangeira visa aferir a possibilidade de decisões estrangeiras produzirem efeitos dentro da ordem jurídica nacional” (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São Paulo: RT, 2008, p. 489).

Somente após esta homologação, a sentença estrangeira terá eficácia no Brasil.

Como ressalta Paulo Portela, “uma vez homologada, a sentença poderá produzir os mesmos efeitos de uma sentença nacional” (Direito internacional público e privado. Salvador: Juspodivm, 2010, p. 562).

No Brasil, quem é o órgão competente para análise e homologação de sentenças estrangeiras?
O Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, “i”, da CF/88).
Obs.1: o STJ passou a ser competente para homologar sentenças estrangeiras por força da EC 45/04. Antes desta alteração, a competência era do STF.
Obs.2: cuidado ao ler o art. 483 do CPC porque ele menciona o STF, mas tal previsão foi revogada pela EC 45/04, que previu o STJ como órgão jurisdicional competente para homologação de sentença estrangeira.
Obs.3: atualmente, a homologação de sentença estrangeira é regulamentada pela Resolução nº 9/2005 do STJ.

Quais são os requisitos que o STJ analisa ao homologar uma sentença estrangeira?
Para que a sentença estrangeira seja homologada, é necessário que:
I – a sentença tenha sido proferida no exterior por autoridade competente;
II – as partes tenham sido citadas ou que tenha havido legalmente a revelia;
III – tenha havido o trânsito em julgado da sentença;
IV – a sentença estrangeira esteja autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução por tradutor oficial ou juramentado no Brasil;
V – a sentença estrangeira não viole a soberania nacional, os bons costumes e a ordem pública (a sentença estrangeira também não poderá violar uma sentença brasileira transitada em julgado porque haveria aí uma afronta à soberania nacional).

Súmula 420-STF: Não se homologa sentença proferida no estrangeiro sem prova do trânsito em julgado.

Feitas as considerações acima, imagine agora a seguinte situação adaptada:
John (americano) e Juliana (brasileira) eram casados e viviam nos EUA.
O relacionamento começou a não mais dar certo e Juliana voltou para o Brasil com os filhos, enquanto John permaneceu em solo estadunidense.
John deu entrada no pedido de divórcio nos EUA, tendo sido Juliana regulamente citada, no Brasil, por meio de carta rogatória.
Em 2008, foi proferida a sentença de divórcio, nos EUA, na qual ficou estabelecido que o pai ficaria com a guarda dos filhos. Houve trânsito em julgado.
Em 2009, Juliana ajuizou ação de guarda na vara de família de Belo Horizonte (MG), tendo o juiz deferido a guarda exclusiva para a mãe.

O juiz brasileiro poderia ter deferido a guarda mesmo havendo sentença estrangeira que preenchia todos os requisitos necessários para ser homologada no Brasil?
SIM. O art. 35 do ECA estabelece que “a guarda poderá ser revogada a qualquer tempo, mediante ato judicial fundamentado, ouvido o Ministério Público”, o que significa que a existência de sentença estrangeira transitada em julgado não impede a instauração de ação de guarda perante o Poder Judiciário brasileiro, eis que a sentença de guarda e alimentos não é imutável.

Em 2010, John requereu a homologação da sentença estrangeira no Brasil. Esse pedido poderá ser deferido, inclusive quanto à questão da guarda?
NÃO. A sentença estrangeira – ainda que preencha adequadamente os requisitos indispensáveis à sua homologação, previstos no art. 5° da Resolução 9/2005 do RISTJ – não pode ser homologada na parte em que verse sobre guarda ou alimentos quando já exista decisão do Judiciário Brasileiro acerca do mesmo assunto, mesmo que esta decisão tenha sido proferida em caráter provisório e após o trânsito em julgado daquela.
Como visto acima, o fato de já ter sido proferida uma sentença estrangeira tratando sobre guarda e alimentos, não impede que a questão seja reapreciada pela Justiça brasileira considerando que esses temas (guarda e alimentos) são relações de caráter continuativo, ou seja, que variam de acordo com a situação do momento (ex: no dia de ontem, era melhor que a guarda estivesse com o pai, o que não significa necessariamente que hoje isso continue sendo verdadeiro).
Na presente situação, como já há uma decisão do Poder Judiciário brasileiro em sentido contrário à sentença estrangeira, se esta fosse homologada nesta parte (guarda) haveria uma ofensa à soberania da jurisdição nacional.
Logo, no caso concreto, a sentença estrangeira poderá ser homologada no capítulo que trata sobre o divórcio, mas não no que se refere à guarda.

RESUMINDO:
Em 2008, John (americano) e Juliana (brasileira) se divorciaram nos EUA e a sentença transitada em julgado determinou que a guarda ficasse com o pai.
Em 2009, Juliana ajuizou ação de guarda no Brasil e o juiz brasileiro concedeu a guarda à mãe. Ressalte-se que a existência de sentença estrangeira transitada em julgado não impede a instauração de ação de guarda perante o Poder Judiciário brasileiro, eis que a sentença de guarda e alimentos não é imutável (art. 43 do ECA).
Em 2010, John pede a homologação da sentença estrangeira no Brasil.
Essa sentença estrangeira não poderá ser homologada. A sentença estrangeira não pode ser homologada na parte em que verse sobre guarda ou alimentos quando já exista decisão do Judiciário Brasileiro acerca do mesmo assunto, mesmo que esta decisão tenha sido proferida em caráter provisório e após o trânsito em julgado daquela. Se fosse homologada haveria afronta à soberania da jurisdição nacional.
STJ. Corte Especial. SEC 6.485-EX, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 03/09/2014 (Info 548).



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