sexta-feira, 9 de março de 2018

Associação de defesa do consumidor não tem legitimidade para ajuizar ACP discutindo DPVAT



Em que consiste o DPVAT?
O DPVAT é um seguro obrigatório contra danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga, a pessoas, transportadas ou não.
Em outras palavras, qualquer pessoa que sofrer danos pessoais causados por um veículo automotor, ou por sua carga, em via terrestre, tem direito a receber a indenização do DPVAT. Isso abrange os motoristas, os passageiros, os pedestres ou, em caso de morte, os seus respectivos herdeiros.
Ex.: dois carros colidem e, em decorrência da batida, acertam também um pedestre que passava no local. No carro 1, havia apenas o motorista. No carro 2, havia o motorista e mais um passageiro. Os dois motoristas morreram. O passageiro do carro 2 e o pedestre ficaram inválidos. Os herdeiros dos motoristas receberão indenização de DPVAT no valor correspondente à morte. O passageiro do carro 2 e o pedestre receberão indenização de DPVAT por invalidez.
Para receber indenização, não importa quem foi o culpado. Ainda que o carro 2 tenha sido o culpado, os herdeiros dos motoristas, o passageiro e o pedestre sobreviventes receberão a indenização normalmente.
O DPVAT não paga indenização por prejuízos decorrentes de danos patrimoniais, somente danos pessoais.

Quem custeia as indenizações pagas pelo DPVAT?
Os proprietários de veículos automotores. Trata-se de um seguro obrigatório. Assim, sempre que o proprietário do veículo paga o IPVA, está pagando também, na mesma guia, um valor cobrado a título de DPVAT.
O STJ afirma que a natureza jurídica do DPVAT é a de um contrato legal, de cunho social.
O DPVAT é regulamentado pela Lei nº 6.194/74.

Qual é o valor da indenização de DPVAT prevista na Lei?
• no caso de morte: R$ 13.500,00 (por vítima)
• no caso de invalidez permanente: até R$ 13.500,00 (por vítima)
• no caso de despesas de assistência médica e suplementares: até R$ 2.700,00 como reembolso a cada vítima.

Quem são os beneficiários do seguro DPVAT? Quem tem direito de receber a indenização?
• no caso de morte: metade será paga ao cônjuge do falecido, desde que eles não fossem separados judicialmente, e o restante aos herdeiros da vítima, obedecida a ordem da vocação hereditária. Não havendo cônjuge nem herdeiros, serão beneficiários os que provarem que a morte da vítima os privou dos meios necessários à subsistência.
• no caso de invalidez permanente: a própria vítima.
• no caso de despesas de assistência médica e suplementares: a própria vítima.
Isso está previsto no art. 4º, caput e § 3º da Lei nº 6.194/74 (Lei do DPVAT).

Caso a pessoa beneficiária do DPVAT não receba a indenização ou não concorde com o valor pago pela seguradora, ela poderá buscar auxílio do Poder Judiciário?
Sim. A pessoa poderá ajuizar uma ação de cobrança contra a seguradora objetivando a indenização decorrente de DPVAT.

Feitos estes esclarecimentos, imagine a seguinte situação hipotética:
Uma associação chamada “Movimento das donas de casa e consumidores de Minas Gerais” ajuizou ação civil pública contra a “Sul América Seguros” alegando que esta seguradora, quando vai pagar as indenizações do DPVAT, não tem adotado os critérios corretos para o cálculo dos valores, de forma que tem pago menos do que os beneficiários teriam direito.
A seguradora alegou que a autora seria parte ilegítima para a causa. Isso porque o estatuto desta associação prevê que a sua finalidade é a defesa dos consumidores e a relação jurídica dos beneficiários com as seguradoras do DPVAT não é de consumo. Logo, o pedido formulado pela associação não teria relação com a sua finalidade estatutária.

A tese da seguradora foi aceita pelo STJ?
SIM.
Uma associação que tenha fins específicos de proteção ao consumidor não possui legitimidade para o ajuizamento de ação civil pública com a finalidade de tutelar interesses coletivos de beneficiários do seguro DPVAT.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.091.756-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. Acd. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 13/12/2017 (Info 618).

DPVAT não é uma relação de consumo
O seguro DPVAT não é baseado em uma relação jurídica contratual. Trata-se de um seguro obrigatório por força de lei, que tem por objetivo mitigar os danos advindos da circulação de veículos automotores.
Em se tratando de obrigação imposta por lei, não há, por conseguinte, qualquer acordo de vontade e, principalmente, voluntariedade entre o proprietário do veículo e as seguradoras componentes do consórcio do seguro DPVAT, o que, por si, evidencia que não se trata de contrato.
A estipulação da indenização securitária em favor da vítima do acidente, assim como as específicas hipóteses de cabimento (morte, invalidez permanente, total e parcial, e por despesas de assistência médica e suplementares) decorrem exclusivamente de imposição legal, e, como tal, não comportam qualquer temperamento das partes envolvidas.
Nesse contexto, não há, por parte das seguradoras integrantes do consórcio do seguro DPVAT, responsáveis por realizarem o pagamento, qualquer ingerência nas regras relativas à indenização securitária.
Ao contrário do que ocorre no caso de seguro facultativo (esta, sim, sujeita ao CDC), a atuação das seguradoras integrantes do consórcio do seguro DPVAT não é concorrencial nem se destina à obtenção de lucro, na medida em que a respectiva arrecadação possui destinação legal específica.
Tampouco seria possível falar em vulnerabilidade, na acepção técnico-jurídica, das vítimas de acidente de trânsito - e muito menos do proprietário do veículo a quem é imposto o pagamento do "prêmio" do seguro DPVAT - perante as seguradoras, as quais não possuem qualquer margem discricionária para efetivação do pagamento da indenização securitária, sempre que presentes os requisitos estabelecidos na lei.
Em suma, não há relação de consumo entre as vítimas do acidente ou beneficiárias e as seguradoras do DPVAT, não se aplicando as normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido: STJ. 3ª Turma. REsp 1.635.398-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 17/10/2017 (Info 614).

Associação tem por finalidade a defesa do consumidor
Como não há, no caso, uma relação de consumo, não se mostra correto aceitar que uma associação que tem fins específicos de proteção ao consumidor possa ter legitimidade para propor uma ação civil pública fazendo pedido relacionado com o tema.
O requisito da “pertinência temática” constitui um dos critérios para verificação da chamada “representatividade adequada” do grupo lesado, traduzindo-se na necessidade de que haja uma relação de congruência entre as finalidades institucionais da associação (expressamente enumeradas no estatuto social) e o conteúdo da pretensão.

No presente caso é muito clara a ausência de pertinência temática considerando que as finalidades institucionais da associação (defesa do consumidor) não estão relacionadas com o seguro DPVAT (que não tem natureza consumerista).



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