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quarta-feira, 28 de março de 2018

Constitucionalidade dos §§ 3º e 4º do art. 224 do Código Eleitoral




Lei nº 13.165/2015
A Lei nº 13.165/2015 (conhecida como minirreforma eleitoral de 2015) alterou diversos dispositivos da legislação eleitoral.
Dentre as mudanças promovidas, vale destacar que a Lei nº 13.165/2015 acrescentou os §§ 3º e 4º ao art. 224 do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65).
Veja os dispositivos incluídos:
Art. 224 (...)
§ 3º A decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados.
§ 4º A eleição a que se refere o § 3º correrá a expensas da Justiça Eleitoral e será:
I - indireta, se a vacância do cargo ocorrer a menos de seis meses do final do mandato;
II - direta, nos demais casos.

Desse modo, o § 3º prevê que a decisão da Justiça Eleitoral que importe:
• o indeferimento do registro,
• a cassação do diploma ou
• a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário
... acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados.

Vale ressaltar que, para o STF, o legislador federal pode estabelecer causas eleitorais, ou seja, relacionadas a ilícitos associados ao processo eleitoral, que possam levar à vacância do cargo.

Segundo o § 4º, essa eleição será:
1) INDIRETA (feita pelo parlamento): se a vacância do cargo ocorrer a menos de 6 meses do final do mandato (está faltando menos de 6 meses, não “vale a pena” fazer eleição direta);
2) DIRETA (com voto universal de todos os eleitores): se quando ocorreu a vacância ainda havia mais de 6 meses de mandato. Então, se ainda não tiver passado mais que 3 anos e 6 meses, a eleição será direta.

ADI e § 3º do art. 224
A Procuradoria-Geral da República ajuizou ação direta de inconstitucionalidade contra estes dois parágrafos incluídos pela Lei 13.165/2015.
Quanto ao § 3º, a alegação da PGR foi a de que a exigência de trânsito em julgado para a realização de novas eleições seria uma espera “exagerada e desproporcional, em face da gravidade das condutas que autorizam cassação de diploma e de mandato”.
O autor da ADI defendia a seguinte tese: se o TSE já tiver julgado todos os recursos sobre o tema e somente se estiver aguardando eventual recurso extraordinário interposto contra a decisão, então, neste caso, deve-se autorizar a realização de novas eleições. Isso porque o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo. Logo, não deveria impedir a realização de novas eleições. Em outras palavras, a PGR queria que o STF julgasse inconstitucional a expressão “após o trânsito em julgado” prevista no § 3º do art. 224 do Código Eleitoral e que o Tribunal fixasse a interpretação de que basta o encerramento da tramitação do processo na Justiça Eleitoral.

ADI e § 4º do art. 224
A PGR alegou que a previsão do § 4º do art. 224 do Código Eleitoral viola o art. 81, caput e § 1º da CF/88:
Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.
§ 1º - Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.

• art. 224, § 4º do CE: prevê que se a vacância for nos últimos 6 meses, a eleição será indireta;
• art. 81, § 1º da CF/88: estabelece que se a vacância for nos dois últimos anos, a eleição será indireta.

Desse modo, o art. 224, § 4º do CE reduziu de 2 anos para 6 meses o tempo no qual se exige que a vacância ocorra para que a eleição seja indireta.

O que o STF decidiu quanto ao § 3º?
O STF concordou com a PGR e declarou a inconstitucionalidade da locução “após o trânsito em julgado”, prevista no § 3º do art. 224 do Código Eleitoral.
O STF entendeu que a exigência do trânsito em julgado para a perda do mandato contraria o princípio democrático e o princípio da soberania popular.
Normalmente o candidato eleito que é condenado pela Justiça Eleitoral interpõe sucessivos recursos. Se as novas eleições somente pudessem ser realizadas após o julgamento de todos esses recursos, é muito provável que o mandato de 4 anos do Prefeito, do Governador ou do Presidente se encerrasse sem que esse novo pleito fosse realizado.
Além disso, mesmo se o condenado é afastado cautelarmente do cargo enquanto se aguarda o trânsito em julgado, se não há novas eleições, quem assume temporariamente é o Presidente do Poder Legislativo. Ex: Prefeito é condenado à perda do mandato; suponhamos que a Justiça Eleitoral o afaste mesmo havendo ainda recurso pendente; pela regra do § 3º, não seria possível a realização de nova eleição para o cargo enquanto não houvesse o trânsito em julgado; isso significa que o Presidente da Câmara Municipal ficaria na função de Prefeito durante meses ou até mesmo anos aguardando o trânsito em julgado sem tenha sido eleito para isso. Tal situação representaria violação ao princípio democrático e ao princípio da soberania popular, porque permitiria que alguém que não foi eleito exercesse o cargo majoritário por largo período.
Dessa forma, o STF declarou a inconstitucionalidade da expressão “após o trânsito em julgado” e decidiu que basta a exigência de decisão final da Justiça Eleitoral. Assim, concluído o processo na Justiça Eleitoral (ex: está pendente apenas recurso extraordinário), a nova eleição já pode ser realizada mesmo sem trânsito em julgado.

O que o STF decidiu quanto ao § 4º?
O STF afirmou que esse dispositivo deveria receber uma interpretação conforme a Constituição, de modo a afastar do seu âmbito de incidência as situações de vacância nos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, bem como no de Senador da República.
Em outras palavras, o § 4º é válido, mas ele não se aplica para os cargos de:
• Presidente e Vice-Presidente da República; e
• Senador.

Não se aplica porque no caso de vacância dos cargos de Presidente, Vice-Presidente e Senador, a própria Constituição Federal já estabelece regras que deverão ser observadas para o seu preenchimento elas são diferentes do que preconiza o § 4º.

Regras da CF/88 para a vacância dos cargos de Presidente e Vice-Presidente
A CF/88 prevê que, se vagarem os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, deverá ser realizada uma nova eleição.
Essa eleição será:
• direta: se a vacância ocorrer nos primeiros dois anos do mandato;
• indireta (pelo Congresso Nacional): se a vacância ocorrer nos últimos dois anos do mandato.

Desse modo, esse critério de 6 meses trazido pelo § 4º do art. 225 do Código Eleitoral não pode ser aplicado para os casos de Presidente ou Vice-Presidente da República porque há previsão expressa diferente no art. 81, caput e § 1º da CF/88.

Regras da CF/88 para a vacância do cargo de Senador
No caso de Senador, também há uma previsão expressa no art. 56, § 2º da CF/88:
Art. 56 (...)
§ 2º Ocorrendo vaga e não havendo suplente, far-se-á eleição para preenchê-la se faltarem mais de quinze meses para o término do mandato.

Logo, o § 4º do art. 225 também não pode ser aplicado para a vacância dos cargos de Senador.

E para os cargos de Prefeito e Governador, pode ser aplicado o § 4º do art. 225 do Código Eleitoral?
SIM. É compatível com a Constituição Federal a aplicação do § 4º do art. 225 do CE em relação aos cargos de Governador e de Prefeito. Isso porque, diferentemente do que faz com o Presidente da República e com o Senador, o texto constitucional não prevê modo específico de eleição no caso de vacância de Governador e Prefeito. Logo, no que tange aos Governadores e Prefeitos, não há incompatibilidade do § 4º com nenhum dispositivo da CF/88.

Previsões das Constituições estaduais e leis orgânicas
Algumas Constituições estaduais e leis orgânicas de Municípios repetem, para os Governadores e Prefeitos a mesma regra do art. 81, caput e § 1º da CF/88. Veja o exemplo da Constituição do Estado de Minas Gerais:
Art. 87. No caso de impedimento do Governador e do Vice-Governador do Estado ou no de vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício do Governo o Presidente da Assembleia Legislativa e o do Tribunal de Justiça.
§ 1º – Vagando os cargos de Governador e Vice-Governador do Estado, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.
§ 2º – Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do mandato governamental, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pela Assembleia Legislativa, na forma de lei complementar.
(...)

A pergunta que surge é a seguinte: nestes casos, deverá prevalecer a previsão das Constituições estaduais e leis orgânicas ou o § 4º do art. 225 do Código Eleitoral?
Depende:
• se a vacância tiver razões eleitorais (ex: Governador e Vice perderam o mandato por compra de votos): aplica-se o art. 225, § 4º do Código Eleitoral.
• se a vacância estiver fundada em razão de causas não eleitorais (ex: Governador e Vice morreram durante o mandato): aplica-se a regra prevista nas Constituições estaduais (para os Governadores) ou nas leis orgânicas (para os Prefeitos). Isso porque como se trata de matéria político-administrativa, tais entes possuem autonomia federativa para legislar.

Resumindo:
A Lei nº 13.165/2015 (minirreforma eleitoral de 2015) inseriu os §§ 3º e 4º ao art. 224 do Código Eleitoral.
O § 3º prevê que “a decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados.”
O STF declarou a inconstitucionalidade da expressão “após o trânsito em julgado” e decidiu que basta a exigência de decisão final da Justiça Eleitoral. Assim, concluído o processo na Justiça Eleitoral (ex: está pendente apenas recurso extraordinário), a nova eleição já pode ser realizada mesmo sem trânsito em julgado.
O § 4º, por sua vez, determina que:
§ 4º A eleição a que se refere o § 3º correrá a expensas da Justiça Eleitoral e será:
I - indireta, se a vacância do cargo ocorrer a menos de seis meses do final do mandato;
II - direta, nos demais casos.
O STF afirmou que esse § 4º deveria receber uma interpretação conforme a Constituição, de modo a afastar do seu âmbito de incidência as situações de vacância nos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, bem como no de Senador da República.
Vale ressaltar que a regra do § 4º aplica-se aos cargos de Governador e Prefeito.
STF. Plenário. ADI 5525/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 7 e 8/3/2018 (Info 893).

ADI 5619/DF
Além da ADI proposta pela PGR acima analisada, o Partido Social Democrático (PSD) também ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5619) contra o § 3º do art. 224.
O autor alegou que a anulação de pleitos majoritários em decorrência de indeferimento de registro, cassação de diploma ou perda de mandato de candidato eleito, independentemente do número de votos anulados, apenas deveria incidir em eleições para as quais a Constituição Federal exija maioria absoluta dos votos válidos.
Assim, seria inconstitucional aplicar este § 3º a eleições para cargos de Senador e de Prefeito de município com menos de 200 mil eleitores. Isso porque nesses dois casos (Senador e Prefeito de cidade com menos de 200 mil eleitores) não há segundo turno de votação e a investidura depende apenas de obtenção de maioria simples (art. 29, II e art. 46).
O partido alegava que o indeferimento de registro, cassação de diploma ou perda de mandato de candidato eleito em tais pleitos deveria acarretar atribuição da vaga ao próximo mais votado, não sendo necessário fazer outra eleição. Desse modo, segundo a tese do requerente, se o Prefeito de um Município com menos de 200 mil eleitores perdesse o mandato por compra de votos, por exemplo, a solução correta não seria realizar novas eleições (§ 3º do art. 224), mas sim determinar que o 2º colocado assumisse a vaga.

O STF concordou com a tese do autor da ADI? O § 3º do art. 224 do CE é incompatível com eleições majoritárias simples (ou seja, eleições majoritárias nas quais não se exige 2º turno)?
NÃO.
É constitucional legislação federal que estabeleça novas eleições para os cargos majoritários simples — isto é, Prefeitos de Municípios com menos de duzentos mil eleitores e Senadores da República — em casos de vacância por causas eleitorais.
STF. Plenário. ADI 5619/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 7 e 8/3/2018 (Info 893).

Assim, o § 3º do art. 224 do CE deve sim ser aplicado mesmo em casos de eleições para Prefeitos de Municípios com menos de 200 mil eleitores e para Senadores.
O fato de em tais eleições não haver 2º turno não impede que o legislador imponha a realização de novas eleições. Trata-se de uma escolha legítima e que está de acordo com o princípio da soberania popular.
Desse modo, o STF adotou uma postura de deferência ao legislador (respeito à opção legítima do legislador).
Vale ressaltar, ainda, que o argumento de que seria mais célere e menos custoso convocar o 2º colocado não se mostra suficiente para declarar a inconstitucionalidade da previsão. Isso porque a celeridade e a economicidade cedem espaço ao princípio democrático.

Cuidado para não confundir
Conforme decidido na ADI 5525/DF, o § 4º do art. 224 do Código Eleitoral não se aplica para o cargo de Senador. Assim, para Senador, incide o § 3º, mas não o § 4º do art. 224 do Código Eleitoral.


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