terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Para ocorrer indenização por danos morais em função do encontro de corpo estranho em alimento industrializado, é necessária a sua ingestão?



CASO 1 (COMEU O OBJETO ESTRANHO)
Imagine a seguinte situação hipotética:
João comprou um bolinho industrializado de morango no supermercado.
Ele retirou o bolinho da embalagem e deu a primeira mordida, momento em que sentiu um gosto estranho e percebeu que havia comido metade de um inseto que estava dentro do produto.
Diante disso, ele ingressou com ação de indenização por danos morais contra a fabricante do produto em litisconsórcio com o supermercado.
João terá direito de ser indenizado por danos morais. Isso porque a jurisprudência do STJ está consolidada no sentido de que há dano moral na hipótese em que o produto alimentício é consumido, ainda que parcialmente, em condições impróprias, especialmente quando apresenta situação de insalubridade oferecedora de risco à saúde ou à incolumidade física.

A fabricante do bombom poderá se isentar de indenizar o consumidor alegando que a culpa pela existência do objeto estranho foi do supermercado que não acondicionou corretamente o produto, o submetendo a calor excessivo?
NÃO. O consumidor pode cobrar a indenização de todos os que fazem parte da cadeia produtivo. Posteriormente, o fabricante poderá ingressar com ação de regresso contra o supermercado, se for o caso, cobrando aquilo que pagou ao consumidor. Sobre o tema:
Em se tratando de relação de consumo, são solidariamente responsáveis todos da cadeia produtiva, nada impedindo que a parte que comprovar não ter a culpa possa exercer ação de regresso para ser reembolsado do valor da indenização.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1095795/MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 22/03/2018.

CASO 2 (NÃO CHEGOU A COMER O OBJETO ESTRANHO)
Imagine agora uma situação diferente:
Maria comprou um bombom de chocolate no supermercado.
Ao retirar o chocolate da embalagem, Maria percebeu que havia larvas na superfície do bombom.
Diante disso, ajuizou ação de indenização por danos morais contra a fabricante do produto em litisconsórcio com o supermercado.
As rés alegaram, dentre outros argumentos, que não houve dano moral, considerando que Maria não engoliu o corpo estranho. Logo, do evento não advieram consequências significativas.

Para ocorrer a indenização por danos morais em função do encontro de corpo estranho em alimento industrializado, é necessária a sua ingestão? Para configurar dano moral é necessário que o consumidor ENGULA o objeto estranho presente no alimento?
A jurisprudência é dividida, havendo duas correntes sobre o tema:
SIM
NÃO
Só haverá condenação por danos morais se o consumidor engolir o objeto estranho
Haverá danos morais ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo
Ausente a ingestão do produto considerado impróprio para o consumo em virtude da presença de corpo estranho, não se configura o dano moral indenizável.
Não há dano moral na hipótese de aquisição de gênero alimentício com corpo estranho no interior da embalagem se não ocorre a ingestão do produto considerado impróprio para consumo, visto que referida situação não configura desrespeito à dignidade da pessoa humana, desprezo à saúde pública ou mesmo descaso para com a segurança alimentar.
A ausência de ingestão de produto impróprio para o consumo configura, em regra, hipótese de mero dissabor vivenciado pelo consumidor, o que afasta eventual pretensão indenizatória decorrente de alegado dano moral.

A aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo estranho, expondo o consumidor a risco concreto de lesão à sua saúde e segurança, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, dá direito à compensação por dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana.
O simples ato de “levar à boca” o alimento industrializado com corpo estranho gera dano moral in re ipsa, independentemente de sua ingestão.
A disponibilização de produto considerado impróprio para consumo em virtude da presença de objeto estranho no seu interior afeta a segurança que rege as relações consumeristas na medida que expõe o consumidor a risco de lesão à sua saúde e segurança e, portanto, dá direito à compensação por dano moral.
STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1597890/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, j. em 27/09/2016.
STJ. 4ª Turma. AgRg no AREsp 489.030/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 16/04/2015.
STJ. 3ª Turma. REsp 1644405/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 09/11/2017.
STJ. 3ª Turma. REsp 1744321/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/02/2019.

Obs: neste caso do bombom com larva, a 3ª Turma do STJ condenou os réus a pagarem R$ 10 mil de indenização à consumidora (REsp 1744321/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/02/2019).




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