segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

A tutela antecipada antecedente (art. 303 do CPC) somente se torna estável se não houver nenhum tipo de impugnação formulada pela parte contrária, de forma que a mera contestação tem força de impedir a estabilização



Tutela provisória
A tutela antecipada no CPC/2015 é tratada no Livro V (arts. 294 a 311), que é denominado de “Da Tutela Provisória”.
Tutela provisória é aquela concedida antes da tutela definitiva, em caráter provisório, com base em uma cognição sumária.
A tutela provisória será sempre substituída por uma tutela definitiva, que a confirmará, revogará ou modificará.
Ex: João ingressa com ação pedindo o fornecimento de determinado medicamento. O juiz profere decisão interlocutória determinando que o Estado conceda o remédio. Foi concedida, portanto, a tutela provisória com base em cognição sumária. Ao final, o juiz profere sentença confirmando que a pessoa tem o direito de receber o medicamento do Poder Público. Logo, nessa sentença, foi concedida a tutela definitiva, que confirmou a tutela provisória.

Espécies de tutela provisória
A TUTELA PROVISÓRIA é o gênero do qual decorrem duas espécies:
1) Tutela provisória de urgência;
2) Tutela provisória de evidência.

Veja o que diz o CPC/2015:
Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência.

Classificação das tutelas provisória de URGÊNCIA
O CPC/2015 prevê duas classificações das tutelas provisórias de urgência:
1) Cautelar e antecipada;
2) Antecedente e incidental.

Art. 294 (...)
Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.

Quanto à satisfatividade
Em uma primeira classificação, a tutela provisória de URGÊNCIA divide-se em:
1.1) ANTECIPADA (satisfativa): o órgão julgador antecipa aquele direito ou bem da vida que o autor espera conseguir ao final do processo. Ex: em uma ação de cobrança, o juiz, entendendo que o autor precisa dos valores para sobreviver, determina que o réu entregue a quantia pleiteada enquanto se aguarda o desfecho do processo.
1.2) CAUTELAR: o órgão julgador confere uma medida para assegurar aquele direito ou bem da vida que o requerente espera obter ao fim do processo. Ex: em uma ação de cobrança, o juiz, entendendo que há receio de que o réu se desfaça de seu patrimônio, determina o arresto dos bens do requerido.

Veja a explicação de Marcus Vinicius Rios Gonçalves:
(...) A satisfatividade é o critério mais útil para distinguir a tutela antecipada da cautelar. As duas são provisórias e podem ter requisitos muito assemelhados, relacionados à urgência ou evidência. Mas somente a primeira tem natureza satisfativa, permitindo ao juiz que já defira os efeitos que, sem ela, só poderia conceder no final. Na cautelar, o juiz não defere, ainda, os efeitos pedidos, mas apenas determina uma medida protetiva assecurativa, que preserva o direito do autor, em risco pela demora no processo.
Tanto a tutela antecipada quanto a cautelar podem ser úteis para afastar uma situação de perigo de prejuízo irreparável ou de difícil reparação. Mas diferem quanto à maneira pela qual alcançam esse resultado: enquanto a primeira afasta o perigo atendendo ao que foi postulado, a segunda o afasta tomando alguma providência de proteção.
Imagine-se, por exemplo, que o autor corra um grave risco de não receber determinado valor. A tutela satisfativa lhe concederá a possibilidade de, desde logo, promover a execução do valor, em caráter provisório, alcançando-se os efeitos almejados, que normalmente só seriam obtidos com a sentença condenatória.
Já por meio de tutela cautelar, o autor pode arrestar bens do devedor, preservando-os em mãos de um depositário para, quando obtiver sentença condenatória e não houver recurso com efeito suspensivo, poder executar a quantia que lhe é devida. A tutela cautelar não antecipa os efeitos da sentença, mas determina uma providência que protege o provimento, cujos efeitos serão alcançados ao final.” (GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 721-722).

Quanto ao momento de sua concessão
Além disso, a tutela provisória de URGÊNCIA também pode ser:
2.1) INCIDENTAL: é aquela que é referida no curso do processo. A tutela incidental pode ser cautelar ou antecipada.
2.2) ANTECEDENTE: é aquela “formulada antes que o pedido principal tenha sido apresentado ou, ao menos, antes que ele tenha sido apresentado com a argumentação completa.” (ob. cit., p. 727). A tutela antecedente também pode ser cautelar ou antecipada.

Tutela antecipada requerida em caráter antecedente
O art. 303 do CPC autoriza que o autor requeira a tutela provisória de urgência antecipada em caráter antecedente:
Art. 303. Nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.

Exemplo de pedido de tutela antecipada antecedente:
João entregou à empresa BFB um carro Fiat/Pálio como parte do pagamento na aquisição de um novo automóvel. A empresa revendeu o veículo para Pedro.
Ocorre que, passados diversos meses, o Fiat/Pálio continua em nome de João que recebeu notificações de multas e também a cobrança de IPVA relativo a este carro.
Diante disso, João formulou pedido de tutela antecipada de caráter antecedente em desfavor de BFB alegando, em síntese, que a empresa descumpriu o contrato firmado considerando que deveria ter passado o carro para o seu nome e depois revendido para outra pessoa, providência que não foi realizada.
O juiz deferiu o pedido de tutela antecipada, determinando que a requerida procedesse à transferência do veículo para a sua titularidade no prazo de dez dias, sob pena de multa diária.

Qual é o procedimento após a concessão da tutela antecipada do art. 303?
O CPC determina que, após ser concedida a tutela antecipada requerida em caráter antecedente, deverão ser adotadas as seguintes providências:
1) o autor deverá aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15 dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar;
2) o réu será citado e intimado para a audiência de conciliação ou de mediação na forma do art. 334;
3) não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335.

E se o juiz não tivesse concedido a tutela antecipada do art. 303?
Caso entenda que não há elementos para a concessão de tutela antecipada, o órgão jurisdicional determinará que o autor faça a emenda da petição inicial em até 5 dias, sob pena de ser indeferida e de o processo ser extinto sem resolução de mérito (art. 303, § 6º).
É como se o juiz dissesse o seguinte: não acho que existam elementos para a concessão da tutela antecipada antecedente. Por isso, indefiro o pedido. No entanto, se o autor quiser, ainda podemos seguir em frente para analisar com mais calma o pedido. Para isso, é necessário que ele faça a emenda da inicial e peça o prosseguimento do feito.
Vale ressaltar que, tanto no caso de deferimento ou indeferimento da tutela antecipada do art. 303, o prosseguimento do feito será no mesmo processo. Não se forma um novo processo. A providência que se exige é o aditamento da petição inicial, mas o processo será o mesmo.

Voltando ao exemplo 2 dado:
Como vimos, o juiz concedeu a tutela antecipada em favor de João.
A empresa BFB, após ser intimada para cumprir a decisão concessiva da tutela antecipada, apresentou contestação, na qual requereu expressamente a revogação da tutela antecipada afirmando que não tem condições de passar para o seu nome uma vez que os documentos do carro estão com o adquirente Pedro.
Após a contestação, o juiz decidiu revogar a tutela antecipada que ele havia concedido.

Alegação de que a tutela antecipada já estava estabilizada
O autor interpôs agravo de instrumento contra essa decisão do juiz argumentando que não seria possível a reconsideração do deferimento da tutela antecipada. Isso porque essa tutela já estaria estabilizada considerando que o réu não interpôs recurso contra a decisão que a concedeu.
Em outras palavras, o autor afirmou o seguinte: assim que o magistrado concedeu a tutela antecipada antecedente do art. 303 do CPC, o requerido deveria ter interposto recurso contra essa decisão. Como não o fez, houve a estabilização da tutela antecipada e o processo deve ser simplesmente extinto. O argumento do autor foi baseado na redação do caput e do § 1º do art. 304 do CPC:
Art. 304. A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso.
§ 1º No caso previsto no caput, o processo será extinto.
§ 2º Qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada nos termos do caput.
§ 3º A tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o § 2º.
§ 4º Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a medida, para instruir a petição inicial da ação a que se refere o § 2º, prevento o juízo em que a tutela antecipada foi concedida.
§ 5º O direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, previsto no § 2º deste artigo, extingue-se após 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, nos termos do § 1º.
§ 6º A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º deste artigo.

A tese do autor foi acolhida pelo STJ?
NÃO.

O CPC/2015 inovou na ordem jurídica ao trazer, além das hipóteses até então previstas no CPC/1973, a possibilidade de concessão de tutela antecipada requerida em caráter antecedente, a teor do que dispõe o seu art. 303.
Uma das grandes novidades trazidas pelo novo CPC a respeito do tema é a possibilidade de estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, instituto inspirado no référé do Direito francês, que serve para abarcar aquelas situações em que ambas as partes se contentam com a simples tutela antecipada, não havendo necessidade, portanto, de se prosseguir com o processo até uma decisão final (sentença), nos termos do que estabelece o art. 304, §§ 1º a 6º, do CPC/2015.
Assim, segundo o art. 304, não havendo recurso contra a decisão que deferiu a tutela antecipada requerida em caráter antecedente, a referida decisão será estabilizada e o processo será extinto, sem resolução de mérito.
No prazo de 2 anos, porém, contado da ciência da decisão que extinguiu o processo, as partes poderão pleitear, perante o mesmo Juízo que proferiu a decisão, a revisão, reforma ou invalidação da tutela antecipada estabilizada, devendo se valer de ação autônoma para esse fim.
É de se observar, porém, que, embora o caput do art. 304 do CPC/2015 determine que “a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso”, a leitura que deve ser feita do dispositivo legal, tomando como base uma interpretação sistemática e teleológica do instituto, é que a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária, sob pena de se estimular a interposição de agravos de instrumento, sobrecarregando desnecessariamente os Tribunais, além do ajuizamento da ação autônoma, prevista no art. 304, § 2º, do CPC/2015, a fim de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada.
No caso concreto, embora a empresa ré não tenha interposto agravo de instrumento contra a decisão que deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela requerida em caráter antecedente, na forma do art. 303 do CPC/2015, ela apresentou contestação, na qual pleiteou, inclusive, a revogação da tutela provisória concedida, sob o argumento de ser impossível o seu cumprimento, razão pela qual não há que se falar em estabilização da tutela antecipada, devendo, por isso, o feito prosseguir normalmente até a prolação da sentença.

A ideia central do instituto é que, após a concessão da tutela antecipada em caráter antecedente, nem o autor nem o réu tenham interesse no prosseguimento do feito, isto é, não queiram uma decisão com cognição exauriente do Poder Judiciário, apta a produzir coisa julgada material.
Por essa razão, é que, apesar de o caput do art. 304 do CPC/2015 falar em “recurso”, a leitura que deve ser feita do dispositivo legal, tomando como base uma interpretação sistemática e teleológica do instituto, é que a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.760.966-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 04/12/2018 (Info 639).

O caput do art. 304 do CPC disse menos do que pretendia dizer, razão pela qual a interpretação extensiva mostra-se mais adequada ao instituto, notadamente em virtude da finalidade buscada com a estabilização da tutela antecipada.

Desestímulo à interposição de recursos
O STJ afirmou que a conclusão por ele exposta tem por objetivo também desestimular a interposição de agravos de instrumento, sobrecarregando desnecessariamente os Tribunais. Isso porque se o objetivo do requerido é apenas dizer que pretende o prosseguimento do feito bastaria uma simples manifestação afirmando possui interesse na sentença de mérito.

Desestímulo ao ajuizamento da ação autônoma por parte do réu
Além disso, mesmo que se adotasse uma interpretação literal do caput do art. 304, essa exegese seria “inócua”. Isso porque o requerido poderia ajuizar a ação autônoma prevista no § 2º do art. 304 do CPC:
Art. 304 (...)
§ 2º Qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada nos termos do caput.

Desse modo, ao se negar a possibilidade de que a contestação sirva como forma de evitar a estabilização da tutela antecipada, o que se estaria fazendo é estimular o ajuizamento da ação autônoma do art. 304, § 2º, do CPC/2015.
A conclusão do STJ encontra eco na doutrina majoritária. Nesse sentido:
“(...) se, no prazo de recurso, o réu não o interpõe, mas resolve antecipar o protocolo da sua defesa, fica afastada a sua inércia, o que impede a estabilização - afinal, se contesta a tutela antecipada e a própria tutela definitiva, o juiz terá que dar seguimento ao processo para aprofundar sua cognição e decidir se mantém a decisão antecipatória ou não. Não se pode negar ao réu o direito a uma prestação jurisdicional de mérito definitiva, com aptidão para a coisa julgada” (DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paulo Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 12ª ed., Vol. 2. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 690).

“(...) se o réu não interpuser o agravo de instrumento, mas desde logo oferecer contestação no mesmo prazo - ou ainda manifestar-se dentro desse mesmo prazo pela realização da audiência de conciliação ou de mediação, tem-se que entender que a manifestação do réu no primeiro grau de jurisdição serve tanto quanto a interposição do recurso para evitar a estabilização dos efeitos da tutela. Essa solução tem a vantagem de economizar o recurso de agravo e de emprestar a devida relevância à manifestação de vontade constante da contestação ou do intento de comparecimento à audiência. Em ambas as manifestações, a vontade do réu é inequívoca no sentido de exaurir o debate com o prosseguimento do processo.” (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado. 3ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 418).

Outro exemplo de tutela antecipada antecedente:
Manoel descobre que seu nome está no SERASA por uma dívida que já está paga.
Vale ressaltar que Manoel possui outras duas anotações no SERASA por débitos que realmente existem e estão em aberto. Assim, no total ele possui três inscrições, sendo que apenas essa terceira é indevida.
Diante desse cenário, Manoel pode pedir a retirada de seu nome do SERASA, mas não terá direito à indenização (Súmula 385-STJ: Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento.).
Manoel vai até o escritório do SERASA e formula requerimento administrativo pedindo a retirada de seu nome quanto a esta terceira inscrição, explicando que já foi paga.
O SERASA, por sua vez, responde dizendo que somente com ordem judicial poderá excluir o nome do requerente.
Neste caso, Manoel poderá ingressar com um pedido de tutela antecipada antecedente, na forma do art. 303 do CPC, requerendo a retirada de seu nome com relação a essa terceira anotação.
Imaginemos que o juiz conceda a antecipação dos efeitos da tutela requerida em caráter antecedente, determinando que o SERASA exclua o nome do autor.
Manoel ficará satisfeito, não havendo necessidade de se prosseguir com o processo em busca de uma tutela final.
O SERASA, por sua vez, também não terá interesse em recorrer da decisão, tampouco de prosseguir no litígio com o autor, pois apenas precisava de uma “autorização” judicial para retirar o nome do autor do respectivo cadastro, sendo desnecessário, para ele, a discussão acerca do débito que originou o registro negativo.
Nesse caso, o processo será extinto, sem resolução de mérito, e a decisão concessiva da tutela antecipada se estabilizará.




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