sábado, 20 de junho de 2020

A revogação de benefício fiscal precisa respeitar o princípio da anterioridade tributária?



Princípio da anterioridade tributária
Existem, atualmente, dois princípios (ou subprincípios) da anterioridade tributária:

1) Princípio da anterioridade anual ou de exercício ou comum (anterioridade tributária geral)
Segundo esse princípio (rectius: uma regra), o Fisco não pode cobrar tributos no mesmo exercício financeiro (ano) em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou (art. 150, III, “b”, da CF/88).

2) Princípio da anterioridade privilegiada, qualificada ou nonagesimal
De acordo com o princípio da anterioridade nonagesimal, o Fisco não pode cobrar tributos antes de decorridos 90 dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.
Trata-se de regra prevista no art. 150, III, “c” (para os tributos em geral) e também no art. 195, § 6º (no que se refere às contribuições sociais).
Esses dois princípios foram previstos para serem aplicados cumulativamente, ou seja, se um tributo é instituído ou aumentado em um determinado ano, ele somente poderá ser cobrado no ano seguinte. Além disso, entre a data em que foi publicada a lei e o início da cobrança, deverá ter transcorrido um prazo mínimo de 90 dias. Tudo isso para que o contribuinte possa programar suas finanças pessoais e não seja “pego de surpresa” por um novo tributo ou seu aumento.
Ex: a Lei “X”, publicada em 10 de dezembro de 2014, aumentou o tributo “Y”. Esse aumento deverá respeitar a anterioridade anual (somente poderá ser cobrado em 2015) e também deverá obedecer a anterioridade nonagesimal (é necessário que exista um tempo mínimo de 90 dias). Logo, esse aumento somente poderá ser cobrado a partir de 11 de março de 2015.
Obs.: existem alguns tributos que estão fora da incidência desses dois princípios. Em outras palavras, são exceções a essas regras. Ao estudar para concursos, lembre-se de memorizar essas exceções, considerando que são muito cobradas nas provas.

++ (Juiz de Direito TJ-MS 2020 FCC) A respeito do princípio da anterioridade tributária, o Senado Federal pode majorar alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sem que seja aplicável o princípio da anterioridade anual. (errado)

Anterioridade e revogação de benefício fiscal
Se o Fisco decide reduzir ou revogar um benefício fiscal que era concedido aos contribuintes, a consequência, na prática, é que o valor do tributo pago pelo contribuinte irá aumentar. Ex.: a União decidiu reduzir, por tempo indeterminado, a alíquota de um imposto para alguns setores da economia. Se houver posterior revogação esse benefício, ou seja, voltar a alíquota para seu valor original, haverá um verdadeiro aumento do valor pago pelos contribuintes.

Diante disso, indaga-se: a redução ou revogação de benefício fiscal produz efeitos imediatamente ou isso deverá respeitar as regras de anterioridade tributária?
SIM.
Aplica-se o princípio da anterioridade tributária, geral e nonagesimal, nas hipóteses de redução ou de supressão de benefícios ou de incentivos fiscais, haja vista que tais situações configuram majoração indireta de tributos. 
STF. Plenário. RE 564225 AgR-EDv-AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 20/11/2019.

O ato normativo que revoga um benefício fiscal anteriormente concedido configura aumento indireto do tributo e, portanto, está sujeito ao princípio da anterioridade tributária:
Não apenas a majoração direta de tributos atrai a eficácia da anterioridade, mas também a majoração indireta decorrente de revogação de benefícios fiscais.
STF. 1ª Turma. RE 1053254 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 26/10/2018.

Exemplo de concreto julgado pela 1ª Turma do STF:
O Estado do Rio Grande do Sul editou ato normativo reduzindo a base de cálculo do ICMS, ou seja, concedendo um benefício fiscal por prazo indeterminado.
Algum tempo depois, foi publicado novo ato normativo revogando o benefício, o que fez com que a antiga base de cálculo (maior) fosse restabelecida.
A 1ª Turma do STF entendeu que o novo ato normativo que revogou o benefício somente poderia produzir efeitos depois de observadas as regras da anterioridade tributária.
O segundo ato normativo, ao reduzir o benefício fiscal vigente, gerou, como consequência lógica, o aumento indireto do imposto, o que atrai a aplicação dos princípios da anterioridade.
Segundo o Min. Relator Marco Aurélio, o princípio da anterioridade tem como objetivo garantir que o contribuinte não seja surpreendido com aumentos súbitos do encargo fiscal. O prévio conhecimento da carga tributária tem como fundamento a segurança jurídica e, como conteúdo, a garantia da certeza do direito.
Por fim, o Ministro ressaltou que toda alteração do critério quantitativo do tributo deve ser entendida como majoração. Assim, tanto o aumento de alíquota, quanto a redução de benefício, apontariam para o mesmo resultado, qual seja, o agravamento do encargo.

Promovido aumento indireto do ICMS por meio da revogação de benefício fiscal, surge o dever de observância ao princípio da anterioridade, geral e nonagesimal, constante das alíneas “b” e “c” do inciso III do art. 150, da CF/88.
STF. 1ª Turma. RE 564225 AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 02/09/2014.

++ (Promotor MP/MG 2019) A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, em julgamento de 26 de outubro de 2018, decidiu por unanimidade não dar provimento ao agravo regimental no Recurso Extraordinário n. 1.053.254/RS, no qual se discutia a limitação ao poder de tributar da União, mediante a revogação de benefício fiscal para o cálculo de PIS/COFINS. O Tribunal considerou que a revogação do benefício fiscal provocaria uma majoração indireta do tributo, o qual, por essa razão, deveria ser submetido ao princípio da não surpresa, buscando, em especial, garantir a segurança jurídica ao contribuinte, para que este não fosse surpreendido com um aumento inesperado da carga tributária sem a concessão de prazo mínimo para adaptação da sua política fiscal.
Nessa hipótese, a Corte garantiu a aplicação de qual princípio constitucional em matéria tributária?
A) Princípio do não confisco
B) Princípio da anterioridade nonagesimal
C) Princípio da liberdade de tráfego
D) Princípio da não discriminação tributária
Gabarito: letra B

REINTEGRA
Reintegra é a sigla de “Regime especial de reintegração de valores tributários para empresas exportadoras”.
Trata-se um programa econômico instituído pelo governo federal com o objetivo de incentivar as exportações.
Veja o que diz o art. 21 da Lei nº 13.043/2014:
Art. 21. Fica reinstituído o Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras - REINTEGRA, que tem por objetivo devolver parcial ou integralmente o resíduo tributário remanescente na cadeia de produção de bens exportados.

Este programa prevê que a empresa que exporte bens terá direito a créditos. Esses créditos serão apurados mediante a aplicação de um percentual sobre a receita auferida com a exportação. Esse percentual poderia variar entre 0,1% e 3%:
Art. 22. No âmbito do Reintegra, a pessoa jurídica que exporte os bens de que trata o art. 23 poderá apurar crédito, mediante a aplicação de percentual estabelecido pelo Poder Executivo, sobre a receita auferida com a exportação desses bens para o exterior.
§ 1º O percentual referido no caput poderá variar entre 0,1% (um décimo por cento) e 3% (três por cento), admitindo-se diferenciação por bem.
(...)

Assim, o art. 22, § 1º, da Lei nº 13.043/2014 determina que o Poder Executivo estabeleça o fator percentual de cálculo do valor do crédito, o qual pode variar entre 0,1% e 3%.

A redução ou supressão das vantagens decorrentes do REINTEGRA precisam respeitar o princípio da anterioridade?
SIM.
A redução ou supressão de benefícios ou incentivos fiscais decorrentes do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para Empresas Exportadoras (REINTEGRA) se sujeita à incidência dos princípios da anterioridade tributária geral e da anterioridade nonagesimal, previstos no art. 150, III, “b” e “c”, da Constituição Federal.
A alteração no programa fiscal REINTEGRA, por acarretar indiretamente a majoração de tributos, deve respeitar o princípio da anterioridade nonagesimal.
STF. 1ª Turma. RE 1253706 AgR/RS, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 19/5/2020 (Info 978).
STF. 2ª Turma. RE 1091378 AgR, Rel. Edson Fachin, julgado em 31/08/2018.

Assim, a alteração em programa fiscal, quando acarretar indiretamente a majoração de tributos, deve respeitar o princípio da anterioridade nonagesimal.

DOD Plus
Redução ou supressão de benefício ≠ redução ou extinção de desconto
Redução ou supressão de benefício ≠ alteração do prazo de pagamento
Redução ou extinção de desconto
A redução ou a extinção de desconto para pagamento de tributo sob determinadas condições previstas em lei, como o pagamento antecipado em parcela única, não pode ser equiparada à majoração do tributo STF. Plenário. ADI 4016 MC, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 01/08/2008.

Alteração do prazo de recolhimento do crédito
Se uma lei (ou mesmo Decreto) antecipa a data de pagamento do tributo, essa lei terá que respeitar o princípio da anterioridade? Ex: o Decreto previa que o IPTU deveria ser pago em julho de cada ano; ocorre que em janeiro de 2015, o Prefeito edita um Decreto antecipando o pagamento para março; essa mudança só valerá em 2016?
NÃO. O princípio da anterioridade só se aplica para os casos em que o Fisco institui ou aumenta o tributo.
A modificação do prazo para pagamento não pode ser equiparada à instituição ou ao aumento de tributo, mesmo que o prazo seja menor do que o anterior, ou seja, mesmo que tenha havido uma antecipação do dia de pagamento.
Em outras palavras, quando o Poder Público alterar o prazo de pagamento de um tributo, isso poderá produzir efeitos imediatos, não sendo necessário respeitar o princípio da anterioridade (nem a anual nem a nonagesimal).
Repare que, no exemplo acima, foi falado em Decreto. Isso porque a alteração do prazo de pagamento não precisa ser feita por lei, podendo ser realizada por ato infralegal. Assim, pode-se dizer que a alteração do prazo de pagamento não se submete ao princípio da legalidade.

Súmula vinculante 50-STF: Norma legal que altera o prazo de recolhimento da obrigação tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade.

++ (Juiz TJ/RJ 2019) Norma legal que altera o prazo de recolhimento da obrigação tributária também se sujeita ao princípio da anterioridade. (errado)
++ (PGM Fortaleza 2018 CEBRASPE) O princípio da anterioridade do exercício, cláusula pétrea do sistema constitucional, obsta a eficácia imediata de norma tributária que institua ou majore tributo existente, o que não impede a eficácia, no mesmo exercício, de norma que reduza desconto para pagamento de tributo ou que altere o prazo legal de recolhimento do crédito. (certo)



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