terça-feira, 16 de junho de 2020

Lei estadual pode exigir que servidor more no Município onde atua, mas não pode exigir que ele peça autorização todas as vezes em que for sair da localidade



A situação concreta foi a seguinte:
O art. 244 do Estatuto dos Policiais Civis do Estado do Estado do Espírito Santo (LC estadual 3.400/81) previu que as autoridades policiais, seus agentes e auxiliares:
• são obrigados a residir no Município onde prestam serviços ou outro local onde tenha sido permitido; e
• não podem afastar-se do Município sem prévia autorização superior, salvo para atos e diligências de sua função.

Essa previsão é compatível com a CF/88?
Em parte.

Dever de residir no local em que exerce suas atribuições
Essa previsão é compatível com a Constituição Federal.
Vale ressaltar, inclusive, que a CF/88 possui uma obrigação semelhante dirigida aos magistrados, no art. 93, VII: “o juiz titular residirá na respectiva comarca, salvo autorização do tribunal”.
Desse modo, se o constituinte entendeu compatível com as liberdades fundamentais a exigência de moradia onde são exercidas as atribuições profissionais, não há motivos para vedar que o legislador amplie a regra para abranger outros servidores públicos.

Dever de não se ausentar do município sede da unidade policial sem prévia autorização superior
Essa previsão viola a Constituição Federal.
Submeter ao crivo da Administração superior a possibilidade de saída do município sede da autoridade policial equivale a estabelecer, em desfavor do servidor, grave medida restritiva de liberdade, sem razões válidas que a amparem.
A proibição de ausentar-se da Comarca é medida cautelar penal prevista no art. 319, IV, do CPP, que apenas pode ser decretada em caráter excepcionalíssimo, quando:
a) a permanência for conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; e
b) a medida for adequada à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado (art. 282, II, CPP).

Considerando que mesmo durante a persecução penal a proibição de deixar a Comarca assume caráter extraordinário, deve-se concluir que essa intervenção drástica na liberdade ambulatorial não pode ser imposta no regime jurídico dos servidores públicos.
O art. 5º, XV, da Constituição assegura a liberdade de locomoção. A investidura em cargo público não tem o condão de fazer com que o servidor perca essa garantia constitucional. Assim, o agente público não pode ficar confinado aos limites do Município no qual exerce suas funções, submetido à autorização de seus superiores para transitar pelo território nacional.
O STF já declarou inconstitucionais, em diversas oportunidades, normas que proibiam o afastamento de juízes de suas comarcas, podendo esse mesmo raciocínio ser aplicado ao caso concreto.

Em suma:

A regra que estabelece a necessidade de residência do servidor no município em que exerce suas funções é compatível com a Constituição de 1988, a qual já prevê obrigação semelhante para magistrados, nos termos do seu art. 93, VII.
Por outro lado, é viola a Constituição a lei estadual que proíba a saída do servidor do Município sede da unidade em que atua sem autorização do superior hierárquico. Essa previsão configura grave violação da liberdade fundamental de locomoção (art. 5º, XV, da CF/88) e do devido processo legal (art. 5º, LIV).
STF. Plenário. ADPF 90, Rel. Luiz Fux, julgado em 03/04/2020.



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