domingo, 7 de junho de 2020

O porte de arma branca é conduta que permanece típica na Lei das Contravenções Penais



Contravenção penal do art. 19
Veja o que diz o art. 19 da Leis das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/41):
Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade:
Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a três contos de réis, ou ambas cumulativamente.
§ 1º A pena é aumentada de um terço até metade, se o agente já foi condenado, em sentença irrecorrível, por violência contra pessoa.
§ 2º Incorre na pena de prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos mil réis a um conto de réis, quem, possuindo arma ou munição:
a) deixa de fazer comunicação ou entrega à autoridade, quando a lei o determina;
b) permite que alienado menor de 18 anos ou pessoa inexperiente no manejo de arma a tenha consigo;
c) omite as cautelas necessárias para impedir que dela se apodere facilmente alienado, menor de 18 anos ou pessoa inexperiente em manejá-la.

Arma
O sentido do vocábulo arma, segundo Luiz Regis Prado “deve ser compreendido não só o aspecto técnico (arma própria), em que quer significar o instrumento destinado ao ataque ou defesa, mas também em sentido vulgar (arma imprópria), ou seja, qualquer outro instrumento que se torne vulnerante, bastando que seja utilizado de modo diverso daquele para o qual fora produzido (v.g., uma faca, um machado, uma foice, uma tesoura etc.)” (Comentários ao Código Penal, 10ª ed, São Paulo: RT, p. 675).

Essa previsão continua válida ainda hoje?
• Em relação à arma de fogo: NÃO.
No que tange às armas de fogo, o art. 19 da Lei de Contravenção Penal foi tacitamente revogado pelo art. 10 da Lei nº 9.437/97, que por sua vez também foi revogado pela Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento).
O porte ilegal de arma de fogo caracteriza, atualmente, o crime previsto nos arts. 14 ou 16 do Estatuto do Desarmamento, conforme seja a arma permitida ou proibida.

Em relação à branca: SIM
O art. 19 do Decreto-lei nº 3.688/41 permanece vigente quanto ao porte de outros artefatos letais, como as armas brancas.
Exemplos de arma branca (considerada arma imprópria): faca, facão, canivete etc.

O porte de arma branca é conduta que permanece típica na Lei das Contravenções Penais.
STJ. 5ª Turma. RHC 56.128-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 10/03/2020 (Info 668).

O art. 19 do DL 3.688/41 fala em “licença da autoridade”. Como compatibilizar isso com as armas brancas já que não se exige licença para se ter uma faca, por exemplo?
Segundo parte da doutrina, o elemento normativo do tipo penal do artigo 19 da Lei das Contravenções Penais, “sem licença da autoridade” não se aplica às armas brancas (JESUS, Damásio E. Lei das Contravenções Penais Anotada; 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 75). Em outras palavras, esse trecho do artigo se referia apenas às armas de fogo.

Há uma tese defensiva no sentido de que a punição do porte de arma branca pelo art. 19 do DL 3.688/41 violaria os princípios da intervenção mínima e da legalidade. Essa tese é acolhida pelo STJ?
NÃO. A jurisprudência do STJ é firme no sentido da possibilidade de tipificação da conduta de porte de arma branca como contravenção prevista no art. 19 do DL 3.688/41, não havendo que se falar em violação ao princípio da intervenção mínima ou da legalidade, tal como pretendido. Nesse sentido:
Não há inconstitucionalidade na Lei de Contravenções Penais, recepcionada pela Constituição Federal e tratada pela legislação atual como delito de pequeno potencial ofensivo, isto se aplicando inclusive ao delito do art. 19 da Lei de Contravenções Penais.
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 331.694/SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 03/12/2015.

Remanesce a contravenção penal do art. 19 da LCP, pois “para evitar o mal maior, que se traduziria em dano, o legislador pune o porte ilegal da arma, com sanção branda, cerceando a conduta perigosa para evitar a ocorrência de uma infração mais grave.” (NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Contravenções Penais Controvertidas; 4ª ed., São Paulo: EUD; 1993, p. 46).
Busca-se, assim, proteger a paz pública de uma maneira geral, mas também evitar e prevenir a ocorrência de delitos mediante violência, como homicídios, roubos, latrocínios, lesões corporais etc. (MIGLIARI JÚNIOR, Arthur. Lei das Contravenções Penais e Leis Especiais Correlatas; São Paulo: Lex Editora; 2000, p. 52).

Necessário analisar o contexto
Para haver ou não a punição pelo art. 19 da LCP é necessário que seja analisado o contexto fático para se aferir o potencial de lesividade da conduta.
Assim, por exemplo, não haverá a contravenção na conduta do agricultor que é encontrado com um facão cortando mato para entrar na floresta.
Por outro lado, é possível, em tese, que essa contravenção se verifique na conduta do agente que caminhava à noite na região central de Belo Horizonte com uma faca de 18 cm de lâmina na mochila (STJ. 5ª Turma. RHC 66.979/MG, Rel. Min. Gurgel de Faria, Rel. p/ Acórdão Min. Felix Fischer, julgado em 12/04/2016).

STF
A compatibilidade ou não do art. 19 do DL 3.688/41 com a CF/88 será apreciada pelo STF, que reconheceu a existência de repercussão geral da matéria nos autos do Agravo em Recurso Extraordinário n. 901.623, estando, pois, pendente de apreciação o mérito da controvérsia.

Princípio da especialidade
Cuidado. Se a pessoa portar arma branca no interior do estádio, em suas imediações ou no seu trajeto, em dia de realização de evento esportivo, a conduta será punida como crime, na forma do art. 41-B do Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/2003):
Art. 41-B.  Promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores em eventos esportivos:
Pena - reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa.
§ 1º Incorrerá nas mesmas penas o torcedor que:
(...)
II – portar, deter ou transportar, no interior do estádio, em suas imediações ou no seu trajeto, em dia de realização de evento esportivo, quaisquer instrumentos que possam servir para a prática de violência.


Nesse caso, não se aplica o art. 19 do DL 3.688/41 porque o art. 41-B do Estatuto do Torcedor é especial e posterior em relação à previsão da lei das contravenções penais.


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