quarta-feira, 12 de agosto de 2020

A destinação de parte do imóvel para fins comerciais não impede o reconhecimento da usucapião especial urbana sobre a totalidade da área



Usucapião
Usucapião é...
- um instituto jurídico por meio do qual a pessoa que fica na posse de um bem (móvel ou imóvel)
- por determinados anos
- agindo como se fosse dono
- adquire a propriedade deste bem ou outros direitos reais a ele relacionados (exs: usufruto, servidão)
- desde que cumpridos os requisitos legais.

Obs: se estiver sem tempo, pode pular o quadro abaixo e ir direto para a situação hipotética.

Modalidades de usucapião
USUCAPIÃO
PRAZO E CARACTERÍSTICAS
1) EXTRAORDINÁRIA
(art. 1.238 do CC)
Prazos:
15 anos de posse (regra)
10 anos

O prazo da usucapião extraordinária será de 10 anos se:
a) o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual; OU
b) nele tiver realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

Não se exige que a pessoa prove que tinha um justo título ou que estava de boa-fé.
Não importa o tamanho do imóvel.
2) ORDINÁRIA
(art. 1.242 do CC)
Prazos:
10 anos (caput)
5 anos (parágrafo único)

O prazo da usucapião ordinária será de apenas 5 anos se:
a) o imóvel tiver sido adquirido onerosamente com base no registro e este registro foi cancelado depois; e
b) desde que os possuidores nele tiverem estabelecido moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.

Ex: o indivíduo compra um imóvel sem saber que havia um vício na escritura. Nele constrói uma casa ou uma loja.

Essa hipótese do art. 1.242, parágrafo único (prazo de 5 anos) é chamada por alguns autores de usucapião tabular (veja item 8 abaixo).

Exige justo título e boa-fé.
Não importa o tamanho do imóvel.
3) ESPECIAL RURAL
(PRO LABORE)
(AGRÁRIA)

(art. 1.239 do CC)
(art. 191 da CF/88)

Requisitos:
a) 50 hectares: a pessoa deve estar na posse de uma área rural de, no máximo, 50ha;
b) 5 anos: a pessoa deve ter a posse mansa e pacífica dessa área por, no mínimo, 5 anos ininterruptos, sem oposição de ninguém;
c) tornar a terra produtiva: o possuidor deve ter tornado a terra produtiva por meio de seu trabalho ou do trabalho de sua família, tendo nela sua moradia. Em outras palavras, o possuidor, além de morar no imóvel rural, deve ali desenvolver alguma atividade produtiva (agricultura, pecuária, extrativismo etc).
d) Não ter outro imóvel: a pessoa não pode ser proprietária de outro bem imóvel (urbano ou rural).

Não se exige que a pessoa prove que tinha um justo título ou que estava de boa-fé.
4) ESPECIAL URBANA
(PRO MISERO)
(PRO HABITATIONE)

(art. 1.240 do CC)
(art. 9º do Estatuto da Cidade)
(art. 183 da CF/88)
Requisitos:
a) 250m2: a pessoa deve estar na posse de uma área urbana de, no máximo, 250m2;
b) 5 anos: a pessoa deve ter a posse mansa e pacífica dessa área por, no mínimo, 5 anos ininterruptos, sem oposição de ninguém;
c) Moradia: o imóvel deve estar sendo utilizado para a moradia da pessoa ou de sua família;
d) Não ter outro imóvel: a pessoa não pode ser proprietária de outro bem imóvel (urbano ou rural).

Observações:
• Não se exige que a pessoa prove que tinha um justo título ou que estava de boa-fé;
• Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez;
• É possível usucapião especial urbana de apartamentos (nesse caso, quando for calcular se o tamanho do imóvel é menor que 250m2, não se incluirá a área comum, como salão de festas etc, mas tão somente a parte privativa);
• O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
5) ESPECIAL
URBANA
COLETIVA

(USUCAPIÃO FAVELADA)

(art. 10 do
Estatuto da Cidade)
Requisitos:
a) existência de um núcleo urbano informal;
b) esse núcleo deve viver em um imóvel cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a 250m2;
c) esse núcleo deve estar na posse do imóvel há mais de 5 anos, sem oposição;
d) os possuidores não podem ser proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

Neste caso, poderá haver uma usucapião coletiva da área.

Observações:
• O possuidor pode, para o fim de contar o prazo de 5 anos, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.
• A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis.
• Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.
• O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio.
• As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes.
6) RURAL COLETIVA
(art. 1.228, §§ e 4º e 5º do CC)
O proprietário pode ser privado da coisa se:
- um considerável número de pessoas
- estiver por mais de 5 anos
- na posse ininterrupta e de boa-fé
- de extensa área
- e nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.

Neste caso, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.

Alguns doutrinadores, especialmente civilistas, afirmam que esse instituto tem natureza jurídica de “usucapião”.
Outros autores, no entanto, sustentam que se trata de uma hipótese de “desapropriação”, considerando a posição topográfica (o § 3º do art. 1.228 está tratando sobre desapropriação) e o fato de se exigir pagamento de indenização.
6) ESPECIAL
URBANA RESIDENCIAL FAMILIAR

(POR ABANDONO DE LAR OU CONJUGAL)

(art. 1.240-A do CC)
Requisitos:
a) posse direta por 2 anos ininterruptamente e sem oposição, com exclusividade;
b) sobre imóvel urbano de até 250m²
c) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar;
d) utilização do imóvel para a sua moradia ou de sua família;
e) não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Observações:
• esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez;
• o prazo de 2 anos é contado do abandono do lar;
• aplica-se ao casamento e à união estável (hetero ou homoafetiva).
7) INDÍGENA
(art. 33 do
Estatuto do Índio)
Requisitos:
a) posse da terra por índio (integrado ou não)
b) por 10 anos consecutivos
c) devendo ocupar como se fosse próprio trecho de terra inferior a 50 hectares.

Não é possível a usucapião indígena de:
• terras do domínio da União;
• terras ocupadas por grupos tribais;
• áreas reservadas segundo o Estatuto do Índio;
• terras de propriedade coletiva de grupo tribal.
8) TABULAR
(CONVALESCENÇA REGISTRAL)
(art. 214, § 5º,
da Lei 6.015/73)
Trata-se da possibilidade de o réu, em uma ação de invalidade de registro público, alegar a usucapião em seu favor.
O juiz, na mesma sentença que reconhece a invalidade do registro, declara a ocorrência de usucapião, concedendo ao réu a propriedade do bem.
A usucapião tabular tem relação com a usucapião ordinária do art. 1.242, parágrafo único, porque exige do possuidor justo título e boa-fé.
9) DE QUILOMBOLAS
(art. 68 do ADCT)
O art. 68 do ADCT da CF/88 confere proteção especial aos territórios ocupados pelos remanescentes quilombolas. Confira:
Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.

O que são as terras dos quilombolas? São as áreas ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos e utilizadas por este grupo social para a sua reprodução física, social, econômica e cultural.

O que são remanescentes das comunidades dos quilombos? Existe uma grande discussão antropológica sobre isso, mas, de maneira bem simples, os grupos que hoje são considerados remanescentes de comunidades de quilombos são agrupamentos humanos de afrodescendentes que se formaram durante o sistema escravocrata ou logo após a sua extinção.

Alguns doutrinadores afirmam que esse instituto teria natureza jurídica de “usucapião”. Essa, contudo, não é a posição que prevalece, considerando que o fundamento jurídico para esse direito de propriedade não é a posse mansa, pacífica e por determinado prazo. A fonte desse direito é uma decisão do legislador constituinte.
A previsão do art. 68 do ADCT foi uma forma que o constituinte encontrou de homenagear “o papel protagonizado pelos quilombolas na resistência ao injusto regime escravista” (Min. Rosa Weber).

Imagine agora a seguinte situação hipotética:
João ajuizou ação pedindo o reconhecimento de usucapião especial urbana, nos termos do art. 1.240 do Código Civil:
Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

No curso do processo ficou comprovado que o imóvel possui 160m2 de área total, sendo que João e sua família moram em apenas 100m2. Nos 60m2 restantes, que ficam na parte de frente da casa (antiga sala), João fez um pequeno “comércio” onde conserta bicicletas e vende acessórios (bicicletaria).
Vale ressaltar que se trata do mesmo imóvel, com uma única entrada e saída para a família e os clientes da bicicletaria.
O juiz, argumentando que a usucapião especial urbana tutela a moradia, reconheceu a usucapião unicamente de 100m2 porque essa era a parte do imóvel destinado à moradia.

Agiu corretamente o magistrado?
NÃO.
A usucapião especial urbana é disciplinada pelo art. 183, §§ 1º ao 3º da CF/88 e pelo art. 1.240, §§ 1º e 2º do Código Civil, sendo ainda regulamentada de forma mais detalhada pelo Estatuto da Cidade.
Em nenhum desses dispositivos é feita a exigência da exclusividade no uso residencial.
Assim, o fato de o imóvel também ser utilizado para outros fins (além do residencial) não é argumento suficiente para impedir a usucapião especial urbana. Isso porque o exercício de uma atividade no mesmo terreno não o transformou em exclusivamente comercial, considerando que o autor sempre manteve ali também o seu domicílio.
O que a lei exige é que o imóvel pleiteado seja utilizado para a moradia do autor ou de sua família, mas não se proíbe que essa área seja produtiva, especialmente quando é utilizada para o sustento do próprio requerente.
O art. 1.240 do CC não exige a destinação exclusiva residencial do bem a ser usucapido. Desse modo, o exercício simultâneo de pequena atividade comercial pela família domiciliada no imóvel objeto do pleito não inviabiliza a usucapião buscada.

Em suma:
A destinação de parte do imóvel para fins comerciais não impede o reconhecimento da usucapião especial urbana sobre a totalidade da área.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.777.404-TO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/05/2020 (Info 671).

DOD Dicas
Tente entender/memorizar os requisitos da usucapião especial urbana porque são constantemente exigidos nas provas. Veja abaixo.

Para se ter direito à usucapião especial urbana, é necessário preencher os seguintes requisitos:
a) 250m2: a pessoa deve estar na posse de uma área urbana de, no máximo, 250m2;
b) 5 anos: a pessoa deve ter a posse mansa e pacífica dessa área por, no mínimo, 5 anos ininterruptos, sem oposição de ninguém;
c) Moradia: o imóvel deve estar sendo utilizado para a moradia da pessoa ou de sua família;
d) Não ter outro imóvel: a pessoa não pode ser proprietária de outro bem imóvel (urbano ou rural).

Algumas observações:
• Não se exige que a pessoa prove que tinha um justo título ou que estava de boa-fé;
• Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez;
• É possível usucapião especial urbana de apartamentos (nesse caso, quando for calcular se o tamanho do imóvel é menor que 250m2, não se incluirá a área comum, como salão de festas etc, mas tão somente a parte privativa);
• O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

Veja como o tema é cobrado nas provas para ativar sua atenção no momento de estudar:
++ (Promotor MP/PR 2019) Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (certo)
++ (Promotor MP/MS 2018) Aquele que possuir como sua área urbana até duzentos e cinquenta metros
quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (certo)
++ (Promotor MP/SC 2016) Aquele que possuir, como sua, área urbana ou rural, de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (errado)

++ (Promotor MP/RS 2017) Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural, sendo que em caso de possuidor casado, o título será conferido necessariamente ao cônjuge varão. (errado)

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