domingo, 4 de outubro de 2020

Lei distrital não pode conferir porte de arma nem determinar o exercício de atividades de segurança pública a agentes e inspetores de trânsito

A situação concreta foi a seguinte:

No Distrito Federal foram editadas leis prevendo que:

• o Cargo de Agente de Trânsito é atividade de segurança pública, para todos os efeitos;

• os agentes e inspetores de trânsito do Departamento de Trânsito do Distrito Federal estão isentos da obrigação de obter autorização para o porte de armas de fogo de uso permitido;

• constará do curso de formação profissional dos agentes de trânsito, entre outras matérias, armamento e tiro.

 

As previsões acima expostas são compatíveis com a Constituição Federal?

NÃO.

 

Rol do art. 144 é taxativo e nele não constam os agentes de trânsito

A Constituição Federal, nos incisos do art. 144, estabelece quais são os órgãos de segurança pública:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

VI - polícias penais federal, estaduais e distrital.

 

Esse rol é taxativo e de observância obrigatória pelo legislador infraconstitucional. Como consequência, os Estados-membros não podem atribuir o exercício de atividades de segurança pública a órgãos diversos daqueles previstos na Constituição Federal.

Assim, a lei distrital, ao estabelecer que os agentes de trânsito exercem atividades de segurança pública, possui vício de inconstitucionalidade material porque violou o rol taxativo dos órgãos encarregados da segurança pública previsto no art. 144 da CF/88.

þ (Delegado PC/SE 2018 CEBRASPE) A segurança pública, exercida para preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, é responsabilidade de todos. (certo)

þ (Escrivão PC/MA 2018 CEBRASPE) A CF, em seu art. 144, apresenta o rol dos órgãos encarregados da segurança pública. Esse rol é taxativo para a União, para os estados e para o Distrito Federal. (certo)

 

Segurança viária não é o mesmo que segurança pública

Compete aos órgãos e agentes de trânsito estaduais, distritais e municipais o exercício da “segurança viária”, que compreende a educação, engenharia e fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente (art. 144, § 10, da CF/88).

As atividades de segurança viária não se confundem com “segurança pública”.

Veja a redação do § 10 do art. 144 da CF/88, inserido pela EC 82/2014, porque ele é muito cobrado em provas objetivas:

Art. 144 (...)

§ 10. A segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas:

I - compreende a educação, engenharia e fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente; e

II - compete, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos respectivos órgãos ou entidades executivos e seus agentes de trânsito, estruturados em Carreira, na forma da lei.

(Incluído pela Emenda Constitucional nº 82/2014)

 

þ (PRF 2019 CEBRASPE) A segurança viária compreende a educação, a engenharia e a fiscalização de trânsito, vetores que asseguram ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente. (certo)

ý (Delegado PC/SE 2018 CEBRASPE) O poder constituinte originário, ao tratar da segurança pública no ordenamento constitucional vigente, fez menção expressa à segurança viária, atividade exercida para a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e de seu patrimônio nas vias públicas. (errado)

ý (Analista TRT7 2017 CEBRASPE) Nos termos da CF, tanto no âmbito da União quanto no dos demais entes federados, a segurança viária compete aos respectivos órgãos e seus agentes de trânsito, estruturados em carreira, na forma da lei. (errado)

ý (Analista TRT7 2017 CEBRASPE) A partir da Emenda Constitucional nº 82/2014, a atividade de segurança viária passa a integrar expressamente o texto da CF, com vistas à preservação da ordem social e da incolumidade patrimonial nas vias urbanas. (errado)

 

Competência para disciplinar o porte de arma de fogo é da União

O art. 21, VI, da CF/88 atribui à União a competência para autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico, o que alcança a disciplina do porte de armas de fogo.

Ademais, o art. 22, I, da CF/88 confere à União competência privativa para legislar sobre Direito Penal, de forma que somente lei federal pode estabelecer as hipóteses em que o porte de arma de fogo não constitui ilícito penal.

Desse modo, é inconstitucional a lei distrital que disponha sobre porte de arma de fogo, criando hipóteses não previstas na legislação federal de regência, notadamente a Lei federal nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento). Nesse sentido:

Cabe à União, nos termos do art. 21, VI; e 22, I, da Constituição, a definição dos requisitos para a concessão do porte de arma de fogo e dos possíveis titulares de tal direito, inclusive no que se refere a servidores públicos estaduais ou municipais, em prol da uniformidade da regulamentação do tema no país, questão afeta a políticas de segurança pública de âmbito nacional.

STF. Plenário. ADI 4.962, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 25/4/2018.

 

Em suma:

A Constituição Federal, nos incisos do art. 144, estabelece quais são os órgãos de segurança pública. Esse rol é taxativo e de observância obrigatória pelo legislador infraconstitucional. Como consequência, os Estados-membros não podem atribuir o exercício de atividades de segurança pública a órgãos diversos daqueles previstos na Constituição Federal.

Assim, a lei distrital, ao estabelecer que os agentes de trânsito exercem atividades de segurança pública, possui vício de inconstitucionalidade material porque violou o rol taxativo dos órgãos encarregados da segurança pública previsto no art. 144 da CF/88.

Compete aos órgãos e agentes de trânsito estaduais, distritais e municipais o exercício da “segurança viária”, que compreende a educação, engenharia e fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente (art. 144, § 10, da CF/88). As atividades de segurança viária não se confundem com “segurança pública”.

Compete à União, nos termos do art. 21, VI; e 22, I, da Constituição, a definição dos requisitos para a concessão do porte de arma de fogo e dos possíveis titulares de tal direito, inclusive no que se refere a servidores públicos estaduais ou municipais, em prol da uniformidade da regulamentação do tema no país, questão afeta a políticas de segurança pública de âmbito nacional. Desse modo, é inconstitucional a lei distrital que disponha sobre porte de arma de fogo, criando hipóteses não previstas na legislação federal de regência, notadamente a Lei federal nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento).

STF. Plenário. ADI 3996, Rel. Luiz Fux, julgado em 15/04/2020 (Info 987 – clipping). 


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