sexta-feira, 13 de novembro de 2020

É possível o envio da Força Nacional de Segurança para atuar no Estado-membro mesmo que não tenha havido pedido do Governador?

 

O que é a Força Nacional de Segurança Pública?

A Força Nacional de Segurança Pública é uma tropa composta por policiais militares, policiais civis, bombeiros militares e profissionais de perícia recrutados a partir do efetivo dos Estados-membros e do Distrito Federal.

Esses policiais são indicados para a Força Nacional pela Instituição de origem. Em seguida, realizam curso de capacitação e são submetidos a treinamento. Depois disso, ficam cedidos por um período para a Força Nacional.

Os membros da Força Nacional ficam um batalhão localizado no Distrito Federal, esperando ser acionados. Trata-se, portanto, de uma tropa de “pronta-resposta”.

 

Criação

A Força Nacional foi criada por meio do Decreto nº 5.289/2004.

A Força foi inspirada no modelo da Organização das Nações Unidas (ONU) de intervenção para a paz baseada na cooperação entre os Estados integrantes.

 

A atuação da Força Nacional é como se fosse o emprego das Forças Armadas para garantia da lei e ordem?

NÃO. As Forças Armadas estão subordinadas ao Presidente da República.

A Força Nacional, por sua vez, não é uma tropa federal. Ela é uma integração entre os Estados-membros, DF e a União.

Além disso, as hipóteses de atuação da Força Nacional são diferentes daquelas que autorizam o emprego das Forças Armadas.

 

Quais são as situações que autorizam o uso da Força Nacional?

Nos termos do Decreto nº 5.289/2004, a Força Nacional de Segurança Pública atuará em atividades destinadas:

• à preservação da ordem pública e da segurança das pessoas e do patrimônio;

• ao auxílio às ações de polícia judiciária estadual na função de investigação de infração penal, para a elucidação das causas, circunstâncias, motivos, autoria e materialidade;

• ao auxílio às ações de inteligência relacionadas às atividades periciais e de identificação civil e criminal destinadas a colher e resguardar indícios ou provas da ocorrência de fatos ou de infração penal;

• auxílio na ocorrência de catástrofes ou desastres coletivos, inclusive para reconhecimento de vítimas;

• ao apoio a ações que visem à proteção de indivíduos, grupos e órgãos da sociedade que promovem e protegem os direitos humanos e as liberdades fundamentais; ao apoio às atividades de conservação e policiamento ambiental;

• ao apoio às ações de fiscalização ambiental desenvolvidas por órgãos federais, estaduais, distritais e municipais na proteção do meio ambiente;

• à atuação na prevenção a crimes e infrações ambientais; execução de tarefas de defesa civil em defesa do meio ambiente; 

• ao auxílio às ações da polícia judiciária na investigação de crimes ambientais; e

• a prestar auxílio à realização de levantamentos e laudos técnicos sobre impactos ambientais negativos.

 

Quem autoriza a ida da Força Nacional para atuar em determinado local? Como funciona isso?

Compete ao Ministro da Justiça autorizar/determinar a ida da Força Nacional de Segurança Pública para atuar em determinado Estado-membro ou Distrito Federal.

Segundo a redação do art. 4º do Decreto nº 5.289/2004 a determinação do emprego da Força Nacional pode ocorrer de duas formas:

1) mediante solicitação expressa do Governador formulada ao Ministro da Justiça;

2) mediante iniciativa do próprio Ministro da Justiça, mesmo sem solicitação do Governador.

 

Veja a redação do caput do art. 4º:

Art. 4º A Força Nacional de Segurança Pública poderá ser empregada em qualquer parte do território nacional, mediante solicitação expressa do respectivo Governador de Estado, do Distrito Federal ou de Ministro de Estado. (Redação dada pelo Decreto nº 7.957/2013)

§ 1º Compete ao Ministro de Estado da Justiça determinar o emprego da Força Nacional de Segurança Pública, que será episódico e planejado.

(...)

 

Se o próprio Governador solicita o auxílio, não há qualquer problema ou questionamento. No entanto, e se o Ministro da Justiça determina o envio da Força Nacional mesmo sem pedido do Governador? Essa atuação seria constitucionalmente válida?

NÃO. Isso viola o princípio da autonomia estadual, previsto no art. 18 da CF/88:

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

 

A situação concreta analisada pelo STF foi a seguinte:

O Ministro da Justiça enviou, sem pedido do Governador, um contingente da Força Nacional para auxiliar no cumprimento de mandado de reintegração de posse emitido pela Justiça em favor do INCRA, cumprimento esse que ocorreria nos Municípios de Prado e Mucuri (BA).

O Estado da Bahia ajuizou ação cível originária no STF contra a União alegando que, como esse envio da Força Nacional ocorreu sem que o Governador tivesse solicitado, isso representou violação da autonomia do Estado-membro. Segundo argumentou, a medida representaria hipótese de intervenção federal fora das hipóteses do art. 34 da CF/88.

Segundo o autor, o envio da Força Nacional somente se mostra possível se houver pedido ou consentimento do Governador do Estado. Logo, o art. 4º do Decreto nº 5.289/2004 seria parcialmente inconstitucional.

No dia 17/09/2020, o Min. Relator Edson Fachin, monocraticamente, concedeu a medida liminar e determinou à União que retire dos Municípios de Prado e Mucuri, na Bahia, no prazo de 48 horas, todo o contingente da Força Nacional de Segurança Pública enviado ao local.

No dia 24/09/2020, o Plenário do STF, por maioria, referendou a decisão concessiva da cautelar. Ficou vencido apenas o Min. Roberto Barroso.

O STF decidiu que:

É plausível a alegação de que a norma inscrita no art. 4º do Decreto 5.289/2004, naquilo em que dispensa a anuência do governador de estado no emprego da Força Nacional de Segurança Pública, viole o princípio da autonomia estadual.

STF. Plenário. ACO 3427 Ref-MC/BA, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 24/9/2020 (Info 992).

 

Para o STF, em um juízo de delibação, a autorização unilateral do emprego da Força Nacional, parece contrariar a Constituição Federal.

O art. 241 do texto constitucional se refere expressamente à celebração de convênios de cooperação ou consórcios públicos entre os entes federados para assegurar a continuidade de serviços públicos:

Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.

 

Além disso, com exceção das hipóteses de intervenção federal, previstas no art. 34 da CF/88, não se mostra possível mitigar a autonomia dos Estados, em sua integridade administrativa e territorial.

Vale ressaltar, ademais que, em um juízo de validade, o art. 4º do Decreto 5.289/2004 parece contrastar com a Lei nº 11.473/2007, que trata sobre cooperação federativa no âmbito da segurança pública. Essa Lei afirma que “a União poderá firmar convênio com os Estados e o Distrito Federal para executar atividades e serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” (art. 1º). Logo, exige-se a participação/concordância do Estado-membro.

 


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