quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Não é possível a inscrição do Estado-membro nos cadastros desabonadores federais em decorrência de pendências que já estão submetidos ao regime de precatório

 

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:

O Estado do Amapá possui débitos com o INCRA e com o IBAMA, duas autarquias federais.

Em razão desses débitos, o Estado foi inserido no Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAFI), no Serviço Auxiliar de Informações para Transferências Voluntárias (CADIN) e no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (CAUC).

Obs: esses cadastros são instrumentos de consulta, por meio dos quais se pode verificar se os Estados-membros ou Municípios estão com débitos ou outras pendências perante o Governo federal. Se houver, por exemplo, um atraso do Estado ou do Município na prestação de contas de um convênio com a União ou suas entidades, essa informação passará a figurar nestes sistemas. Com isso, o ente devedor fica impedido de contratar operações de crédito, celebrar convênios com órgãos e entidades federais e receber transferências de recursos. Em uma alegoria para que você entenda melhor (não escreva isso na prova!), seria como se fosse um “Serasa” de débitos dos Estados e Municípios com a União, ou seja, um cadastro federal de inadimplência.

 

Execuções fiscais

Tanto o INCRA como o IBAMA ajuizaram execução fiscal para cobrar os débitos e o Estado expediu precatórios, que, no entanto, ainda estão pendentes de pagamento.

 

Ação cível originária

O Estado do Amapá ajuizou ação cível originária contra a União pedindo a exclusão do Estado dos cadastros no SIAFI, CAUC e CADIN considerando que os débitos existentes com as autarquias já estão em fase de precatório, razão pela qual não há mais motivo para se manter as inscrições nos cadastros desabonadores de crédito.

 

Por que a competência para julgar essa ação é do STF?

A ação que discute a inscrição de Estado-membro em cadastro de inadimplência da União em sede de convênio implica conflito federativo, o que atrai a competência do STF para julgamento da causa, nos termos do art. 102, I, “f”, da CF/88:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

(...)

f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;

 

O Supremo Tribunal Federal é originariamente competente para processar e julgar as causas que revelem potencial conflito federativo entre a União e os Estados-membros (art. 102, I, ‘f’, da CRFB/88), como nos casos em que se discute a inscrição destes nos cadastros federais de irregularidades ou inadimplência.

2. A União é parte legítima para figurar no polo passivo das ações em que Estado-membro impugne inscrição em cadastros federais de inadimplentes e/ou de restrição de crédito.

STF. Plenário. ACO 2764 AgR, Relator p/ Acórdão Min. Luiz Fux, julgado em 16/10/2017.

 

A União alegou inicialmente que não teria legitimidade para figurar no polo passivo dessa ação tendo em vista que os débitos são relacionados com autarquias federais que possuem personalidade jurídica distinta. Esse argumento foi acolhido pelo STF?

NÃO.

A União possui legitimidade passiva para figurar na lide. Isso porque não restam dúvidas de que os Sistemas SIAFI/CAUC/CADIN são organizados e mantidos pela União, conforme suas leis de regência, do que decorre a legitimidade desta para figurar no polo passivo.

A União é parte legítima para figurar no polo passivo das ações em que Estado-membro impugna inscrição em cadastros federais desabonadores e/ou de restrição de crédito.

STF. Plenário. ACO 3083, Rel. Ricardo Lewandowski, julgado em 24/08/2020 (Info 991 – clipping).

 

E quanto ao mérito, o STF concordou com o pedido do Estado autor?

SIM.

É indevida a inscrição do Estado-membro nos cadastros desabonadores em decorrência de pendências administrativas relativas a débitos já submetidos a pagamento por precatório. Isso porque a CF/88 já previu que, em caso de descumprimento do pagamento do precatório, existe a possibilidade de intervenção federal no ente inadimplente. Logo, é incompatível com o postulado da razoabilidade onerar duplamente o Estado-membro, tanto com a possibilidade de intervenção federal quanto com a sua inscrição em cadastros desabonadores.

STF. Plenário. ACO 3083, Rel. Ricardo Lewandowski, julgado em 24/08/2020 (Info 991 – clipping).

 

O sistema de precatórios constitui mecanismo de pagamento cogente dos débitos judiciais pelos entes públicos, pautado em um cronograma rigoroso a ser seguido. Ou seja, uma vez inscrito na sistemática, o devedor, ente público, não tem como adiantar o pagamento para evitar a inscrição dos débitos, sob o risco de ferir a estrita ordem de cumprimento dos precatórios judiciais. 


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