domingo, 29 de novembro de 2020

É legítima a incidência de contribuição social, a cargo do empregador, sobre os valores pagos ao empregado a título de terço constitucional de férias gozadas


Contribuições para a seguridade social

A CF/88 prevê, em seu art. 195, as chamadas “contribuições para a seguridade social”.

Consistem em uma espécie de tributo cuja arrecadação é utilizada para custear a seguridade social (saúde, assistência e previdência social). Veja o texto da Constituição:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

b) a receita ou o faturamento;

c) o lucro;

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;

III - sobre a receita de concursos de prognósticos;

IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.

 

A CF/88 determina que os recursos arrecadados com as contribuições previstas no art. 195, I, “a” e II serão destinados exclusivamente para o pagamento de benefícios previdenciários do RGPS (administrado pelo INSS).

Em razão disso, a maioria dos autores de Direito Previdenciário denomina as contribuições do art. 195, I, “a” e II de “contribuições previdenciárias”, como se fossem uma subespécie das contribuições para a seguridade social. Nesse sentido: Frederico Amado.

 

Contribuições previdenciárias

A contribuição previdenciária é uma espécie de tributo cujo dinheiro arrecadado é destinado ao pagamento dos benefícios do RGPS (aposentadoria, auxílio-doença, pensão por morte etc.)

Existem duas espécies de contribuição previdenciária:

Paga por quem

Incide sobre o que

1ª) Trabalhador e demais segurados do RGPS (art. 195, II).

Incide sobre o salário de contribuição, exceto no caso do segurado especial.

2ª) Empregador, empresa ou entidade equiparada (art. 195, I, “a”).

Incide sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício.

 

Para que incida a contribuição previdenciária sobre os valores pagos aos empregados é necessário que a verba paga tenha duas características cumulativas:

a) precisa ter natureza remuneratória; e

b) deve ter um caráter de habitualidade.

Vamos analisar se os valores pagos a título de férias estão, ou não, sujeitos à contribuição previdenciária.

 

Férias

O art. 7º, XVII, da CF/88 assegura aos trabalhadores o direito a férias anuais.

No mês das férias, o trabalhador, além de ter direito ao descanso, receberá uma verba adicional correspondente a um terço a mais do seu salário normal. A isso chamamos de “terço constitucional de férias” porque foi introduzido pela CF/88.

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

 

Ex: João recebe o salário de R$ 1 mil. Na época das férias, ele receberá R$ 1.300,00, ou seja, o salário normal (R$ 1 mil) acrescido de um terço (R$ 300,00).

 

Incide contribuição previdenciária sobre o salário do trabalhador pago durante as férias por ele gozadas? Ex: no mês de março João estava de férias, mesmo assim, a empresa terá que pagar a contribuição previdenciária?

SIM. Incide contribuição previdenciária sobre o pagamento de férias gozadas. Isso porque essa verba possui natureza remuneratória e salarial, nos termos do art. 148 da CLT. Logo, integra o salário de contribuição.

Em nosso exemplo, a alíquota da contribuição será aplicada sobre os R$ 1 mil.

 

Incide contribuição previdenciária sobre o valor do terço de férias gozadas? No momento de fazer o cálculo da quantia que a empresa irá pagar como contribuição previdenciária, deverá a alíquota recair também sobre o terço de férias?

• STJ: decidiu que não, ou seja, que não deveria incidir. Isso porque, para o STJ, o terço de férias gozadas não teria natureza remuneratória e, além disso, não seria um ganho habitual do empregado. Logo, não preencheu nenhum dos dois requisitos acima mencionados. Veja:

A importância paga a título de terço constitucional de férias possui natureza indenizatória/compensatória, e não constitui ganho habitual do empregado, razão pela qual sobre ela não é possível a incidência de contribuição previdenciária (a cargo da empresa).

STJ. 1ª Seção. REsp 1230957/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 26/02/2014 (Recurso Repetitivo – Tema 479) (Info 536).

 

Assim, em nosso exemplo, segundo o entendimento do STJ, a empresa teria que pagar a contribuição previdenciária sobre o valor das férias (alíquota que incidirá sobre 1.000 reais), mas não sobre o valor do terço de férias (300 reais).

 

• STF: seis anos depois do entendimento acima fixado, o STF decidiu de forma diversa. Confira:

É legítima a incidência de contribuição social, a cargo do empregador, sobre os valores pagos ao empregado a título de terço constitucional de férias gozadas.

STF. Plenário. RE 1072485, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 31/08/2020 (Repercussão Geral – Tema 985) (Info 993 – clipping).

 

Para o STF, o terço constitucional de férias preenche esses dois pressupostos.

 

Primeiro requisito: ser verba remuneratória

Segundo o Min. Marco Aurélio, quando se fala em natureza remuneratória, isso engloba todos “os rendimentos pagos em decorrência do contrato de trabalho em curso”, com exceção das verbas nitidamente indenizatórias. Verbas nitidamente indenizatórias seria aquelas “destinadas a recompor o patrimônio jurídico do empregado, em razão de alguma perda ou violação de direito”.

O terço constitucional pago não teria caráter de verba indenizatória. Logo, seria remuneratória.

 

Segundo requisito: ter natureza de habitualidade

É habitual porque se trata de verba auferida, periodicamente, como complemento à remuneração. Adquire-se o direito, conforme o decurso do ciclo de trabalho, sendo um adiantamento em reforço ao que pago, ordinariamente, ao empregado, quando do descanso.

O contrário de habitual é eventual. Eventual é um recebimento desprovido de previsibilidade. Não se pode dizer que seja o pagamento do terço constitucional de férias seja eventual. Isso porque ele se repete em um contexto temporal e decorre de uma previsibilidade inerente ao contrato de trabalho.

 

Desse modo, como o tema envolve a interpretação do texto constitucional, o STJ terá que se adequar ao entendimento fixado pelo STF. Acompanhem.

Vale registrar que, no que se refere ao âmbito do imposto de renda, o STJ já tinha o entendimento de que essa verba tem natureza remuneratória. Veja:

Incide imposto de renda sobre o adicional de 1/3 (um terço) de férias gozadas.

Essa verba tem natureza remuneratória (e não indenizatória) e configura acréscimo patrimonial.

STJ. 1ª Seção. REsp 1459779-MA, Rel. para acórdão Min. Benedito Gonçalves, julgado em 22/04/2015 (recurso repetitivo) (Info 573).

 

Vamos analisar agora um último aspecto relacionado com o assunto.

 

O que acontece se a pessoa for mandada embora sem ter gozado as férias a que tem direito?

Nesse caso, o empregador deverá pagar uma indenização ao trabalhador. A isso chamamos de “férias indenizadas”. Além da indenização, o trabalhador receberá também o adicional de 1/3.

 

Incide contribuição previdenciária sobre o valor das férias indenizadas? Incide contribuição previdenciária sobre o valor do terço de férias indenizadas?

NÃO. A resposta é não para as duas perguntas.

Não incide contribuição previdenciária sobre o pagamento de férias indenizadas.

Também não incide contribuição previdenciária a cargo da empresa sobre o valor pago a título de terço constitucional de férias indenizadas.

A própria Lei nº 8.212/91 afirma que não incide a contribuição previdenciária. Veja:

Art. 28 (...)

§ 9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente:

d) as importâncias recebidas a título de férias indenizadas e respectivo adicional constitucional, inclusive o valor correspondente à dobra da remuneração de férias de que trata o art. 137 da Consolidação das Leis do Trabalho-CLT;

 

Para finalizar, trago à colação os ensinamentos do Min. Maurício Godinho Delgado:

“Terço constitucional de férias é a parcela suplementar que se agrega, necessariamente, ao valor pertinente às férias trabalhistas, à base de um terço desse valor. À figura tem sido consignada também a equívoca denominação “abono constitucional de férias”.

A análise de sua natureza jurídica desenvolve-se a partir da constatação de que a verba tem nítido caráter acessório: trata-se de percentagem incidente sobre as férias. Como acessório que é, assume a natureza da parcela principal a que se acopla. Terá, desse modo, caráter salarial nas férias gozadas ao longo do contrato; terá natureza indenizatória nas férias indenizadas na rescisão.” (Curso de direito do trabalho. 11ª ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 1003). 


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