segunda-feira, 6 de setembro de 2021

A concessão de aposentadoria ao empregado público, com utilização do tempo de contribuição, acarreta obrigatoriamente o rompimento do vínculo trabalhista?


Imagine a seguinte situação hipotética:

João era empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), empresa pública federal.

Ele se aposentou voluntariamente, por tempo de contribuição, no regime geral de previdência social (INSS), mas continuou trabalhando normalmente nos Correios.

Passado algum tempo, a ECT determinou o desligamento de João alegando que ele não poderia ter continuado trabalhando tendo em vista que a aposentadoria voluntária do empregado público causa a automática extinção do vínculo empregatício. Logo, quando ele se aposentou, teria sido rompido o vínculo empregatício.

Inconformado, João ingressou com ação de reintegração, na Justiça do Trabalho, argumentando que a mera concessão da aposentadoria voluntária ao trabalhador não tem por efeito extinguir, instantânea e automaticamente, o seu vínculo de emprego. Assim, seria permitido ao empregado público requerer a aposentadoria voluntária pelo RGPS e continuar trabalhando.

 

Primeira pergunta: a Justiça do Trabalho é realmente competente para julgar esta causa?

NÃO. A competência é da Justiça Comum. Em nosso exemplo, Justiça Comum Federal (porque envolve os Correios, ou seja, uma empresa pública federal).

A justiça comum (federal ou estadual, a depender da entidade envolvida) é competente para processar e julgar ação em que se discute a reintegração de empregados públicos dispensados em face da concessão de aposentadoria espontânea. Isso porque, neste caso, não se discute relação de trabalho, mas somente a possibilidade de reintegração ao emprego público na eventualidade de se obter aposentadoria administrada pelo INSS.

 

E quanto ao mérito: João tem direito de ser reintegrado?

Depende. Veja:

A concessão de aposentadoria ao empregado público, com utilização do tempo de contribuição, acarreta obrigatoriamente o rompimento do vínculo trabalhista?

Antes da EC 103/2019: NÃO

Depois da EC 103/2019: SIM

Antes da EC 103/2019, era possível a manutenção do vínculo trabalhista, com a acumulação dos proventos com o salário:

O STF, por ocasião do julgamento da ADI 1.770/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, e da ADI 1.721/DF, Rel. Min. Ayres Britto, declarou inconstitucionais o § 1º e o § 2º do art. 453 da CLT, sob o fundamento de que a mera concessão da aposentadoria voluntária ao trabalhador não tem por efeito extinguir, instantânea e automaticamente, o seu vínculo de emprego.

A contrario sensu, pode-se afirmar, então, que é permitido ao empregado público requerer a aposentadoria voluntária no Regime Geral de Previdenciária Social e continuar trabalhando e, consequentemente, recebendo a respectiva remuneração. Isso porque em tais situações não há acumulação vedada pela Constituição Federal.

STF. Plenário. Rcl 9762 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 16/05/2013.

A concessão de aposentadoria, com utilização do tempo de contribuição, leva ao rompimento do vínculo trabalhista nos termos do art. 37, § 14, da CF/88:

 

Art. 37 (...) § 14. A aposentadoria concedida com a utilização de tempo de contribuição decorrente de cargo, emprego ou função pública, inclusive do Regime Geral de Previdência Social, acarretará o rompimento do vínculo que gerou o referido tempo de contribuição. (Incluído pela EC 103/2019)

 

Após a inserção do art. 37, § 14, pela EC 103/2019, a Constituição Federal, de modo expresso, definiu que a aposentadoria faz cessar o vínculo ao cargo, emprego ou função pública cujo tempo de contribuição embasou a passagem do servidor/empregado público para a inatividade, inclusive quando feita sob o RGPS.

Vale ressaltar, contudo, que a EC 103/2019 afirmou que não se aplica o novo § 14 do art. 37 da CF/88 às aposentadorias já concedidas pelo RGPS até a data de sua entrada em vigor da Emenda:

Art. 6º O disposto no § 14 do art. 37 da Constituição Federal não se aplica a aposentadorias concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional.

 

O tema foi apreciado pelo STF sob a sistemática da repercussão geral, tendo sido fixada a seguinte tese:

A natureza do ato de demissão de empregado público é constitucional-administrativa e não trabalhista, o que atrai a competência da Justiça comum para julgar a questão.

A concessão de aposentadoria aos empregados públicos inviabiliza a permanência no emprego, nos termos do art. 37, § 14, da Constituição Federal, salvo para as aposentadorias concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor da Emenda Constitucional 103/09, nos termos do que dispõe seu art. 6º.

STF. Plenário. RE 655283/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Dias Toffoli, julgado em 16/6/2021 (Repercussão Geral – Tema 606) (Info 1022).

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