sexta-feira, 10 de junho de 2022

Comentários à Lei 14.356/2022: como ficam os gastos com publicidade dos órgãos públicos no primeiro semestre do ano de eleição

 

Márcio André Lopes Cavalcante

Juiz Federal integrante do pleno do TRE/AM no biênio 2020/2022

 

Robério Moreira Borges

Analista Judiciário do TRE/AM

 

A Lei 14.356/2022 tratou dos seguintes assuntos:

- Alterou os limites de despesas com propaganda institucional no ano eleitoral

- Introduziu normas relativas à contratação de serviços de comunicação institucional

 

ALTERAÇÃO DOS LIMITES DE DESPESAS COM PROPAGANDA INSTITUCIONAL NO ANO ELEITORAL

 

A Lei nº 9.504/97 (Lei das Eleições) prevê, em seu art. 73, condutas que são vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais.

A Lei nº 14.356/2022 promoveu relevantes alterações nesse dispositivo.

Antes de apreciá-las, vamos rememorar alguns pontos que são importantes para entendermos melhor o assunto.

 

O que são condutas vedadas?

Trata-se de um mecanismo destinado a assegurar a igualdade de oportunidades entre os candidatos, de forma a evitar que algum agente público possa se valer da máquina pública para impulsionar sua candidatura ou a de terceiros.

Para tanto, o legislador enumerou uma série de condutas e as interditou expressamente, cominando sanções diversas, como multa e até mesmo cassação do registro ou diploma.

Esse rol está previsto nos arts. 73 a 77, da Lei das Eleições. Ele é taxativo e não admite interpretação analógica.

Eventual prática das condutas enumeradas nesses artigos é apurada mediante representação por conduta vedada, a ser proposta por candidato, partido político, coligação ou pelo Ministério Público.

 

Quem pode praticá-las?

O agente público, assim considerado como “quem exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos ou entidades da administração pública direta, indireta ou fundacional” (art. 73, §1º, Lei nº 9.504/97).

 

Conduta vedada é sinônimo de abuso de poder político?

NÃO. As principais diferenças entre eles são as seguintes:

 

CONDUTA VEDADA

ABUSO DE PODER

Bem jurídico tutelado

Igualdade de oportunidade entre os candidatos (art. 73, caput, da Lei nº 9.504/97).

Normalidade e legitimidade do pleito (art. 19, parágrafo único, LC 64/90).

Conduta

Rol taxativo.

 

Forma livre.

Legitimidade

A conduta deve obrigatoriamente ser praticada por um agente público.

A conduta lesiva pode ser praticada por qualquer pessoa.

Configuração

Configura-se pela mera prática da conduta

Exige-se prova de que a conduta praticada ostente gravidade suficiente para comprometer a normalidade e legitimidade das eleições (art. 22, inc. XVI, da LC 64/90)

Forma de apuração

Representação por conduta vedada

• Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE); ou

• Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME)

A quem deve ser encami-nhada

Eleições municipais: juiz eleitoral

Eleições estaduais: Juiz Auxiliar (TRE)

Eleições presidenciais: Juiz Auxiliar (TSE)

 

(art. 96, §2º e 3º, da Lei 9.504/97)

 

AIJE:

Eleições municipais: juiz eleitoral

Eleições estaduais: Corregedor-Regional Eleitoral

Eleições presidenciais: Corregedor-Geral Eleitoral

(art. 22, I, e art. 24, da LC 64/90)

 

AIME:

Eleições municipais: juiz eleitoral

Eleições estaduais: TRE (a ser distribuída a um de seus membros)

Eleições presidenciais: TSE (a ser distribuída a um de seus membros)

Sanções

Multa e/ou cassação de registro ou diploma

(em caso de cassação de registro ou diploma, a inelegibilidade pode se dar de forma indireta, a ser aferida por ocasião do registro de candidatura – art. 1º, I, “j”, LC 64/90).

Cassação do registro ou diploma e inelegibilidade pelo prazo de 8 anos

(a inelegibilidade é declarada na sentença, conforme art. 22, XIV, da LC 64/90).

 

Como se observa, cuidam-se de institutos diversos, que tutelam bens jurídicos distintos. No entanto, é possível que uma conduta vedada eventualmente venha a configurar abuso de poder político, desde que tal conduta ostente gravidade suficiente para comprometer a normalidade do pleito.

De igual forma, é possível que o agente público pratique uma conduta que não se amolde a nenhuma daquelas enumeradas no rol de condutas interditadas, porém o ato seja grave o suficiente para caracterizar abuso do poder político.

Essa distinção é muito importante para definir tanto a ação a ser proposta, como também a competência para processá-la.

 

Rol de condutas vedadas

De uma forma bem simplificada, as condutas vedadas aos agentes públicos são as seguintes:

ROL DE CONDUTAS VEDADAS

- Ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária.

 

OBS: Há outras duas exceções: (1) o uso do transporte oficial do Presidente e (2) o uso, em campanha, das residências oficiais por candidatos à reeleição, desde que não tenham caráter de ato público.

 

- Usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram.

 

- Ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado.

 

- Fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público

 

- Nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:

(a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança;

(b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República; (c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo;

(d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;

(e) a transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários.

 

- Nos três meses que antecedem o pleito:

a) realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública;

 

b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral (Redação dada pela Lei 14.356/2022);

 

c) fazer pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, fora do horário eleitoral gratuito, salvo quando, a critério da Justiça Eleitoral, tratar-se de matéria urgente, relevante e característica das funções de governo.

 

OBS: As vedações contidas nas alíneas b e c, aplicam-se apenas aos agentes públicos das esferas administrativas cujos cargos estejam em disputa na eleição.

 

- Empenhar, no primeiro semestre do ano de eleição, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a 6 (seis) vezes a média mensal dos valores empenhados e não cancelados nos 3 (três) últimos anos que antecedem o pleito (Redação dada pela Lei 14.356/2022);

 

- Fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos.

 

- Distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

 

OBS: Veda-se, ainda, a execução desses programas por entidade nominalmente vinculada a candidato ou por esse mantida.

 

- Contratação de shows artísticos pagos com recursos públicos para realização de inaugurações nos três meses que antecedem as eleições.

 

- Comparecer, nos 3 (três) meses que precedem o pleito, a inaugurações de obras públicas.

 

 

Como se observa, são diversas as condutas vedadas aos agentes públicos.

Contudo, o presente estudo se limitará às condutas vedadas relacionadas à propaganda institucional, que foram objeto de alteração pela Lei nº 14.356/2022.

 

O que vem a ser propaganda institucional?

A propaganda institucional, segundo José Jairo Gomes, pode ser conceituada como aquela “promovida, autorizada e custeada por ente ou órgão público a fim de divulgar seus atos, programas, obras, serviços, campanhas e políticas públicas”. (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 18ª ed. Barueri/SP: Atlas, 2022, p. 824).

 

Mencionada espécie de propaganda não se confunde com propaganda política.

Confira as principais diferenças:

PROPAGANDA INSTITUCIONAL

PROPAGANDA POLÍTICA

Propaganda promovida, autorizada e custeada por ente público para promover serviços e campanhas públicas.

De acordo com o art. 37, §1º, da CF/88, deve ser impessoal e ostentar caráter educativo, informativo e de orientação social.

A propaganda política é gênero que abrange as seguintes espécies:

Propaganda partidária: A propaganda partidária se presta à difusão dos princípios ideológicos, atividades e programas dos partidos políticos. Sua finalidade é a de angariar eleitores e cidadãos que simpatizem com os ideais do partido. Nessa modalidade, é vedada a divulgação de propaganda de candidatos a cargos eletivos (Art. 50-B, §4º, II, LPP). É veiculada fora do período eleitoral.

 

Propaganda intrapartidária: propaganda dirigida somente a um grupo específico de eleitores, com foco em uma "eleição interna", em âmbito partidário.

 

Propaganda eleitoral: propaganda eleitoral é aquela que se realiza antes de certame eleitoral e objetiva, basicamente, a obtenção de votos, tornando-se instrumento de convencimento do eleitor, que pode, por seu intermédio, ampliar seu conhecimento sobre as convicções de cada candidato ou partido, fazendo a escolha que mais lhe convier. Veiculada após o dia 15 de agosto do ano da eleição (Art. 36, LE)

 

E o que mudou?

Para melhor compreensão, vamos comparar as redações antiga e a nova, destacando-se as principais alterações:

REDAÇÃO ANTERIOR

NOVA REDAÇÃO

 

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

 

VII - realizar, no primeiro semestre do ano de eleição, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos no primeiro semestre dos três últimos anos que antecedem o pleito; (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

VII - empenhar, no primeiro semestre do ano de eleição, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a 6 (seis) vezes a média mensal dos valores empenhados e não cancelados nos 3 (três) últimos anos que antecedem o pleito; (Redação dada pela Lei nº 14.356, de 2022)

 

§ 14. Para efeito de cálculo da média prevista no inciso VII do caput deste artigo, os gastos serão reajustados pelo IPCA, aferido pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou outro índice que venha a substituí-lo, a partir da data em que foram empenhados.        (Incluído pela Lei nº 14.356, de 2022)

 

Note que há duas alterações principais:

- Alteração do núcleo da conduta vedada (“realizar” para “empenhar”);

- Alteração da forma de cálculo do limite legal.

 

Substituição do verbo “realizar” por “empenhar”

A primeira alteração promovida pela Lei nº 14.356/2022 diz respeito ao núcleo da conduta vedada, substituindo o verbo “realizar” por “empenhar”.

Para compreender essa alteração, é necessário rememorar alguns conceitos de Direito Financeiro contidos na Lei nº 4.320/64:

Empenho

Liquidação

Pagamento

É o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição (art. 58, da Lei nº 4.320/64).

Consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito (art. 63, da Lei nº 4.320/64).

É o ato pelo qual a Administração reconhece o direito ao crédito e repassa o numerário ao credor, recebendo a devida quitação. Segundo o art. 62, da Lei 4.320/64, “o pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado após sua regular liquidação”.

 

Em palavras mais simples, pode-se dizer que a Administração, antes de efetuar uma despesa, deve fazer uma espécie de reserva do valor correspondente, que ficará bloqueado e vinculado à despesa informada. A essa reserva dá-se o nome de empenho.

Trata-se de uma etapa anterior e, em regra, obrigatória, tanto que o art. 60, da Lei nº 4.320/64 dispõe que “é vedada a realização de despesa sem prévio empenho”.

Em seguida, após prestado o serviço, cabe à Administração realizar a liquidação da despesa, ou seja, confirmar que o objeto do contrato foi efetivamente cumprido.

Após a liquidação, cumpre à Administração realizar o pagamento ao credor.

 

A redação antiga do dispositivo mencionava “realizar despesa”. A qual dessas etapas ela se referia?

O Tribunal Superior Eleitoral, sob a égide da legislação anterior, definiu que o verbo “realizar” corresponderia ao conceito de liquidação previsto na Lei nº 4.320/64, ou seja, a vedação compreendia as despesas que fossem efetivamente liquidadas no período vedado.

Nesse sentido, confira:

O vocábulo “despesas” deve ser entendido como liquidação, isto é, o atesto oficial de que o serviço foi prestado, independentemente da data do respectivo empenho ou pagamento (arts. 62 e 63, § 2º, III, da Lei 4.320/64).

TSE - RESPE - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 37820 - ITAREMA – CE - Acórdão de 17/10/2019 - Relator(a) Min. Jorge Mussi.

 

A melhor interpretação da regra do art. 73, VII, da Lei das Eleições, no que tange à definição - para fins eleitorais do que sejam despesas com publicidade -, é no sentido de considerar o momento da liquidação, ou seja, do reconhecimento oficial de que o serviço foi prestado - independentemente de se verificar a data do respectivo empenho ou do pagamento, para fins de aferição dos limites indicados na referida disposição legal.

TSE - RESPE - Recurso Especial Eleitoral nº 67994 - GUARUJÁ – SP - Acórdão de 24/10/2013 - Relator(a) Min. Henrique Neves da Silva.

 

A nova redação da Lei nº 14.356/2022, ao menos em princípio, altera essa interpretação feita pelo TSE, ao vedar o empenho de despesa com propaganda institucional acima do limite legal, e não mais sua liquidação.

 

Assim, a partir da vigência da nova lei, o simples fato de empenhar recursos para propaganda institucional em montante superior ao limite legal caracterizará a conduta vedada, independentemente da efetiva veiculação dessa propaganda.

 

A nova redação parece, em um primeiro momento, ser mais restritiva que a anterior. No entanto, é possível imaginar um cenário no qual ela seria mais favorável. Suponhamos que a propaganda institucional está prevista para ser veiculada no primeiro semestre do ano da eleição. Vale ressaltar, contudo, que o empenho foi realizado ano anterior. Nesse caso, essa propaganda seria proibida segundo a nova redação do art. 73, VII?

Pela redação literal do dispositivo, a resposta é não, ou seja, a propaganda poderia ser veiculada normalmente já que o empenho foi feito antes.

 

Importante registrar, contudo, que é possível que a matéria seja levada ao TSE, tendo em vista que aquela Corte, sob a égide da legislação anterior, vinha adotando posicionamento bem restritivo sobre o tema, evitando tentativas de burla da proibição:

A adoção de tese contrária à esposada pelo acórdão regional geraria possibilidade inversa, essa, sim, perniciosa ao processo eleitoral, de se permitir que a publicidade realizada no ano da eleição não fosse considerada, caso a sua efetiva quitação fosse postergada para o ano seguinte ao da eleição, sob o título de restos a pagar, observados os limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

TSE - RESPE - Recurso Especial Eleitoral nº 67994 - GUARUJÁ – SP - Acórdão de 24/10/2013 - Relator(a) Min. Henrique Neves Da Silva.

 

Vamos agora tratar sobre a segunda mudança promovida pela Lei nº 14.356/2022 no dispositivo: qual é a forma de cálculo do limite legal?

A redação anterior previa que o limite seria aferido a partir da média dos primeiros semestres dos três anos anteriores ao pleito.

A nova redação alterou essa fórmula de cálculo, passando a dispor que o limite será aferido a partir da média mensal dos três anos anteriores ao pleito.

A novidade da redação reside no fato de que o cálculo passará a levar em consideração as despesas empenhadas ao longo de todos os meses dos três anos anteriores ao pleito, e não mais as despesas liquidadas apenas no primeiro semestre desse período.

Ficou assim:

ANTES DA LEI 14.356/2022

DEPOIS DA LEI 14.356/2022

O limite é aferido a partir da média de despesas liquidadas no primeiro semestre dos três anos anteriores ao pleito.

 

Inicialmente, calcula-se a média mensal dos empenhos realizados (e não cancelados) nos três últimos anos anteriores ao pleito.

Em seguida, essa média mensal é multiplicada por seis.

O resultado disso é o limite de despesas dessa natureza para o primeiro semestre do ano da eleição.

 

Desse modo, continua existindo a limitação para veiculação de propaganda institucional no primeiro semestre do ano de eleição. No entanto, o limite passa a considerar as despesas empenhadas (e não mais as liquidadas) e o cálculo deverá ser efetivado a partir da média mensal de empenhos dos três anos anteriores (e não mais o primeiro semestre desse mesmo período).

 

Além disso, a Lei nº 14.356/2022 introduziu o §14 ao art. 73, da Lei das Eleições, prevendo, para efeito dos cálculos supracitados, que os gastos com propaganda nos anos anteriores sejam atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA a partir da data em que forem empenhados.

 

E no segundo semestre do ano eleitoral? É possível a veiculação de propaganda institucional?

O art. 73, VI, “b”, afirma que, em regra, é vedada a veiculação de propaganda institucional nos três meses que antecedem o pleito.

 

O mesmo artigo menciona duas exceções a essa regra:

1) propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado;

2) caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral.

 

Na prática, em caso de grave e urgente necessidade pública, o órgão público interessado em veicular propaganda institucional durante esse período ingressa com um pedido junto à Justiça Eleitoral, que poderá liberar ou não a veiculação.

 

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(...)

VI - nos três meses que antecedem o pleito:

(...)

b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;

 

E como fica a propaganda institucional relativa ao coronavírus?

A Lei nº 14.356/2022 trouxe uma exceção às vedações e limitações supracitadas na hipótese de propaganda relacionada ao coronavírus, assim conceituada como sendo a propaganda institucional destinada exclusivamente ao enfrentamento da pandemia causada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e à orientação da população quanto aos serviços públicos relacionados ao combate da pandemia.

Confira o art. 4º da Lei nº 14.356/2022:

Art. 4º Não se sujeita às disposições dos incisos VI e VII do caput do art. 73 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, a publicidade institucional de atos e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais e de suas respectivas entidades da administração indireta destinados exclusivamente ao enfrentamento da pandemia causada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e à orientação da população quanto a serviços públicos relacionados ao combate da pandemia, resguardada a possibilidade de apuração de eventual conduta abusiva, nos termos da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997.

 

Qual o impacto dessa novidade legislativa na propaganda institucional veiculada no primeiro semestre do ano de eleição?

No que tange à propaganda institucional veiculada no primeiro semestre, disciplina o novo dispositivo que a propaganda relacionada ao coronavírus não se sujeitará às disposições do inciso VII, do caput do art. 73, da Lei nº 9.504/97. 

Dessa forma, a limitação de empenhos relativa ao primeiro semestre do ano da eleição não considerará, em seu cômputo, as despesas relacionadas ao coronavírus.

Assim, em se tratando de propaganda institucional relativa ao coronavírus, o agente público ficará dispensado de observar esse limite legal.

 

E o impacto na vedação à propaganda institucional nos três meses anteriores ao pleito?

De igual forma, o novo dispositivo excluiu a propaganda institucional relativa ao coronavírus da vedação contida no inciso VI, “b” do art. 73, da Lei nº 9.504/97 (vedação de propaganda institucional nos três meses anteriores ao pleito).

Assim, eventual propaganda institucional relativa ao coronavírus poderá ser veiculada pelo ente público dentro dos três meses que antecederem o pleito, sendo dispensada a prévia autorização da Justiça Eleitoral.

 

E se houver abuso? É possível apurá-lo?

SIM. De acordo com o art. 37, §1º, da CF/88, a propaganda institucional deve ser impessoal e ostentar caráter educativo, informativo e de orientação social.

Por essa razão, eventual extrapolação desses limites constitucionais pode caracterizar abuso, o que, segundo o novo dispositivo legal, poderá ser apurado nos termos da Lei nº 9.504/97.

 

Uma última pergunta: as alterações promovidas pela Lei nº 14.356/2022 no art. 73 da Lei nº 9.504/97 podem ser aplicadas nas eleições 2022?

Pensamos que não. Isso porque haveria violação ao princípio da anterioridade da lei eleitoral, previsto no art. 16 da CF/88:

Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.

 

A exigência da anterioridade da lei eleitoral (art. 16 da CF/88) consubstancia marco temporal objetivo que tem por escopo impedir mudanças abruptas na legislação eleitoral, como forma de assegurar o devido processo legal eleitoral, o direito das minorias e a paridade de armas na disputa eleitoral. O princípio da anterioridade – ou da anualidade – da lei eleitoral é um desdobramento do postulado da segurança jurídica (STF. Plenário. ADI 6359 Ref-MC/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 14/5/2020).

Conforme já explicado, as condutas vedadas do art. 73 da Lei nº 9.504/97 têm por objetivo assegurar a igualdade de oportunidades entre os candidatos, de forma a evitar que algum agente público possa se valer da máquina pública para impulsionar sua candidatura ou a de terceiros. Desse modo, a alteração em uma dessas vedações, por implicar potencial desequilíbrio do pleito e afronta à isonomia, precisa respeitar o princípio da anuidade ou anterioridade eleitoral.

Além disso, imaginemos a situação em que um agente público, candidato à reeleição, tenha efetuado despesas significativas com propaganda institucional apenas no primeiro semestre dos três anos anteriores ao pleito. Ao adotar a média mensal dos últimos três anos (todos os meses), a nova fórmula de cálculo reduzirá significativamente esse limite.

Nesse caso, se aplicada a nova lei, o agente público que, no início do ano, empenhou despesas com observância dos limites previstos na lei revogada poderia, em tese, ser responsabilizado por conduta vedada, caso superado o limite imposto pela lei nova (que ele até então sequer conhecia).

 

INTRODUÇÃO DE NORMAS RELATIVAS À CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL

 

A segunda alteração promovida pela Lei 14.356/2022 versa sobre as regras de licitação e contratação de serviços de publicidade pela Administração Pública.

Mas antes de estudá-la, vamos fazer uma breve introdução sobre o tema.

 

Qual é a lei que rege a licitação e contratação de serviços de publicidade?

É a Lei nº 12.232/2010, que dispõe sobre as normas gerais de licitação e contratação de serviços de publicidade prestados por intermédio de agências de propagandas à administração pública.

Trata-se de uma lei de caráter nacional, ou seja, é de observância obrigatória por Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário).

A exceção a essa regra é a contratação desses serviços por empresas públicas e sociedades de economia mista, que possuem regras próprias em seu estatuto (art. 28, da Lei 13.303/2016).

 

Essa lei continua valendo após a entrada em vigor da nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021)?

SIM. A nova Lei de Licitações passou a incidir apenas de forma subsidiária (art. 186, da Lei 14.133/2021).

 

Quais serviços podem ser licitados e contratados por meio desse procedimento?

A Lei nº 12.232/2022 define serviço de publicidade como sendo “o conjunto de atividades realizadas integradamente que tenham por objetivo o estudo, o planejamento, a conceituação, a concepção, a criação, a execução interna, a intermediação e a supervisão da execução externa e a distribuição de publicidade aos veículos e demais meios de divulgação, com o objetivo de promover a venda de bens ou serviços de qualquer natureza, difundir ideias ou informar o público em geral” (art. 2º).

Admite-se, ainda, a inclusão de atividades complementares, a saber:

I - ao planejamento e à execução de pesquisas e de outros instrumentos de avaliação e de geração de conhecimento sobre o mercado, o público-alvo, os meios de divulgação nos quais serão difundidas as peças e ações publicitárias ou sobre os resultados das campanhas realizadas, respeitado o disposto no art. 3o desta Lei;

II - à produção e à execução técnica das peças e projetos publicitários criados;

III - à criação e ao desenvolvimento de formas inovadoras de comunicação publicitária, em consonância com novas tecnologias, visando à expansão dos efeitos das mensagens e das ações publicitárias (art. 2º, §1º).

 

Lado outro, o art. 2º, §2º, veda a inclusão de quaisquer outras atividades, em especial as de assessoria de imprensa, comunicação e relações públicas ou as que tenham por finalidade a realização de eventos festivos de qualquer natureza, as quais serão contratadas por meio de procedimentos licitatórios próprios, respeitado o disposto na legislação em vigor.

 

E o que mudou?

A Lei 14.133/2021 introduziu os artigos 20-A e 20-B na Lei 12.232/2010, passando a dispor que a contratação de serviços de relação com a imprensa e de relações públicas estão compreendidos nos serviços de comunicação institucional e que sua contratação deveria observar o rito licitatório previsto na Lei 12.232/2010.

Os novos dispositivos legais também autorizam a contratação, pelo mesmo rito, dos serviços direcionados ao planejamento, criação, programação e manutenção de páginas eletrônicas da administração pública, ao monitoramento e gestão de suas redes sociais e à otimização de páginas e canais digitais para mecanismos de buscas e produção de mensagens, infográficos, painéis interativos e conteúdo institucional.

 

Mas o que vem a ser serviços de relação com a imprensa e de relações públicas?

De acordo com nova lei, mencionados serviços possuem as seguintes definições:

- Relações com a imprensa: ação que reúne estratégias organizacionais para promover e reforçar a comunicação dos órgãos e das entidades contratantes com seus públicos de interesse, por meio da interação com profissionais da imprensa;

- Relações Públicas: esforço de comunicação planejado, coeso e contínuo que tem por objetivo estabelecer adequada percepção da atuação e dos objetivos institucionais, a partir do estímulo à compreensão mútua e da manutenção de padrões de relacionamento e fluxos de informação entre os órgãos e as entidades contratantes e seus públicos de interesse, no Brasil e no exterior.

 

Confira a redação dos novos dispositivos:

 

Art. 20-A. A contratação de serviços de comunicação institucional, que compreendem os serviços de relação com a imprensa e de relações públicas, deverá observar o disposto no art. 5º desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.356, de 2022)

 

§ 1º Aplica-se o disposto no caput deste artigo à contratação dos serviços direcionados ao planejamento, criação, programação e manutenção de páginas eletrônicas da administração pública, ao monitoramento e gestão de suas redes sociais e à otimização de páginas e canais digitais para mecanismos de buscas e produção de mensagens, infográficos, painéis interativos e conteúdo institucional. (Incluído pela Lei nº 14.356, de 2022)

 

§ 2º O disposto no caput e no § 1º deste artigo não abrange a contratação de espaços publicitários e de mídia ou a expansão dos efeitos das mensagens e das ações de comunicação, que observarão o disposto no caput do art. 2º desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.356, de 2022)

 

§ 3º O disposto no caput não exclui a possibilidade de os serviços descritos no caput e no § 1º deste artigo serem prestados pelos servidores dos respectivos órgãos e entidades da administração pública. (Incluído pela Lei nº 14.356, de 2022)

 

Art. 20-B. Para fins desta Lei, os serviços de comunicação institucional compreendem os serviços de relações com a imprensa e de relações públicas, assim definidos: (Incluído pela Lei nº 14.356, de 2022)

 

I - relações com a imprensa: ação que reúne estratégias organizacionais para promover e reforçar a comunicação dos órgãos e das entidades contratantes com seus públicos de interesse, por meio da interação com profissionais da imprensa; e (Incluído pela Lei nº 14.356, de 2022)

 

II - relações públicas: esforço de comunicação planejado, coeso e contínuo que tem por objetivo estabelecer adequada percepção da atuação e dos objetivos institucionais, a partir do estímulo à compreensão mútua e da manutenção de padrões de relacionamento e fluxos de informação entre os órgãos e as entidades contratantes e seus públicos de interesse, no Brasil e no exterior. (Incluído pela Lei nº 14.356, de 2022).

 

 


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