domingo, 30 de outubro de 2022

Não é possível a Turma Recursal nos Juizados Especiais da Fazenda Pública realizar juízo prévio de admissibilidade de Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (PUIL) a ser julgado pelo STJ

 

Microssistemas dos Juizados Especiais

Quando falamos em “sistema dos Juizados Especiais”, podemos identificar a existência de três microssistemas, cada um deles destinado a julgar determinados tipos de causas, possuindo regras específicas de procedimento. Veja:

1) Juizados Especiais Cíveis e Criminais estaduais

Compete ao Juizado Especial Criminal processar e julgar infrações penais de menor potencial ofensivo que sejam de competência da Justiça Estadual.

Compete ao Juizado Especial Cível processar e julgar causas cíveis de menor complexidade que sejam de competência da Justiça Estadual.

Ficam excluídas deste microssistema as causas cíveis de interesse da Fazenda Pública.

Lei nº 9.099/95

2) Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.

Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar as infrações de menor potencial ofensivo que sejam de competência da Justiça Federal.

Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de 60 salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.

Neste microssistema, é permitida a participação da União, autarquias, fundações e empresas públicas federais, desde que na condição de rés.

 

Lei nº 10.259/2001

3) Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados,

do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios.

Compete ao Juizado Especial da Fazenda Pública processar e julgar as causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 salários mínimos.

Neste microssistema, são julgadas as causas de até 60 salários mínimos, de competência da Justiça Estadual, e que tenham como réus os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, bem como autarquias, fundações e empresas públicas a eles vinculadas.

 

Lei nº 12.153/2009

 

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

João ingressou com ação de repetição de indébito, no Juizado Especial da Fazenda Pública, contra uma autarquia estadual pedindo a devolução de tarifas de água e esgoto cobradas indevidamente.

O pedido foi julgado improcedente, sob o argumento de que a pretensão estaria prescrita já que o prazo seria de 5 anos.

O autor interpôs recurso inominado endereçado à Turma Recursal sustentando que o prazo seria de 10 anos, de acordo com o disposto no art. 205 do Código Civil e na Súmula 412 do STJ:

Súmula 412-STJ: A ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto sujeita-se ao prazo prescricional estabelecido no Código Civil.

 

Código Civil

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

 

A turma Recursal da Fazenda Pública negou provimento ao recurso, mantendo a sentença.

Diante disso, João apresentou incidente de uniformização de interpretação de lei, com base no art. 18, § 3º da Lei nº 12.153/2009, argumentando que a decisão da Turma Recursal contrariou súmula do STJ:

Art. 18. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei quando houver divergência entre decisões proferidas por Turmas Recursais sobre questões de direito material.

(...)

§ 3º Quando as Turmas de diferentes Estados derem a lei federal interpretações divergentes, ou quando a decisão proferida estiver em contrariedade com súmula do Superior Tribunal de Justiça, o pedido será por este (obs: STJ) julgado.

 

Como o processo tramitava na Turma Recursal, o pedido de uniformização foi apresentado para o Presidente da Turma, com requerimento de que ele remetesse esse pedido (e os autos) para o STJ a fim de que, ali, fosse julgado.

Ocorre que a Turma Recursal decidiu não remeter ao STJ o pedido de uniformização porque a situação não se enquadraria na previsão legal.

Considerando esse cenário, João ingressou com uma reclamação diretamente no STJ alegando que a Turma Recursal usurpou competência do Tribunal. Isso porque a competência para julgar o incidente de uniformização é do STJ (art. 18, § 3º, da Lei nº 12.153/2009) e não cabia à Turma Recursal realizar juízo de admissibilidade.

 

O STJ concordou com os argumentos de João?

SIM.

A Lei nº 12.153/2009, que trata dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, disciplina um sistema próprio de uniformização jurisprudencial, mediante o denominado Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei, o qual poderá ser processado e julgado tanto pelo Poder Judiciário local quanto pelo STJ, a depender da divergência apontada. Veja:

1) Se a situação envolver uma divergência entre acórdãos de Turmas Recursais de um mesmo Estado: o pedido de uniformização será julgado pelo Poder Judiciário local, que irá reunir as Turmas Recursais, sob a presidência de um Desembargador indicado pelo Tribunal de Justiça. É o que prevê o art. 18, § 1º da Lei nº 12.153/2009:

Art. 18.  Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei quando houver divergência entre decisões proferidas por Turmas Recursais sobre questões de direito material.

§ 1º O pedido fundado em divergência entre Turmas do mesmo Estado será julgado em reunião conjunta das Turmas em conflito, sob a presidência de desembargador indicado pelo Tribunal de Justiça.

(...)

 

2) Por outro lado, o pedido de uniformização será julgado pelo STJ se a situação envolver:

2.1) divergência entre Turmas Recursais de Estados diferentes; ou

2.2) quando o acórdão recorrido estiver em desacordo com súmula do STJ.

 

É o que estabelece o § 3º do art. 18 da Lei nº 12.153/2009:

Art. 18.  Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei quando houver divergência entre decisões proferidas por Turmas Recursais sobre questões de direito material.

(...)

§ 3º Quando as Turmas de diferentes Estados derem a lei federal interpretações divergentes, ou quando a decisão proferida estiver em contrariedade com súmula do Superior Tribunal de Justiça, o pedido será por este julgado.

 

No caso do pedido de uniformização baseado no § 3º do art. 18, não existe a previsão de juízo prévio de admissibilidade pela Turma Recursal. O que a Turma irá fazer será apenas receber o pedido, intimar a parte contrária para responder e, depois disso, remeter os autos ao STJ.

Logo, não agiu corretamente a Turma Recursal ao fazer um juízo negativo de admissibilidade, impedindo que o pedido de uniformização fosse remetido ao Tribunal competente para julgá-lo (STJ).

 

Em suma:



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