quarta-feira, 2 de agosto de 2017

De quem é a competência para julgar o delito do art. 241-A do ECA praticado por meio de Whatsapp ou chat do Facebook?



Inciso V do art. 109 da CF/88
O art. 109 da CF/88 prevê a competência da Justiça Federal comum em 1ª instância.
Veja a hipótese trazida pelo inciso V:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
(...)
V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

Este inciso fixa competência criminal da Justiça Federal. Consiste em competência estabelecida em função da matéria.

Requisitos para aplicação do inciso V
Para que o delito seja de competência da Justiça Federal com base neste inciso, são necessários três requisitos:
a) que o fato seja previsto como crime em tratado ou convenção;
b) que o Brasil tenha assinado tratado/convenção internacional se comprometendo a combater essa espécie de delito;
c) que exista uma relação de internacionalidade entre a conduta criminosa praticada e o resultado produzido que foi produzido ou que deveria ter sido produzido.

Relação de internacionalidade
A relação de internacionalidade ocorre quando:
• iniciada a execução do crime no Brasil, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro;
• iniciada a execução do crime no estrangeiro, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no Brasil.

Desse modo, não basta que o crime esteja previsto em tratado ou convenção internacional para ser julgado pela Justiça Federal.

Exemplos
Podemos citar os seguintes exemplos de crimes que poderão ser submetidos a julgamento pela Justiça Federal com fundamento no art. 109, V, da CF/88, desde que haja relação de internacionalidade, por serem previstos em tratados internacionais:
a) tráfico transnacional de drogas (art. 70, da Lei nº 11.343/2006);
b) tráfico internacional de arma de fogo (art. 18 da Lei nº 10.826/2003);
c) tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual (art. 231 do CP);
d) envio ilegal de criança ou adolescente para o exterior (art. 239 do ECA).

Todo crime praticado pela internet é de competência da Justiça Federal com base neste inciso V?
Obviamente que não. Segundo entendimento pacífico da jurisprudência, o fato de o delito ter sido cometido pela rede mundial de computadores não atrai, por si só, a competência da Justiça Federal.
Para que o delito cometido por meio da internet seja julgado pela Justiça Federal, é necessário que ele preencha os requisitos acima explicados.

Disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente
O ECA prevê três crimes que punem a conduta de disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente. Veja:
Art. 241.  Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

Art. 241-A.  Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
(...)

Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
(...)

De quem será a competência para julgar esses delitos caso tenham sido praticados por meio da internet?
O STF decidiu que a competência é da Justiça Federal, com base no art. 109, V, da CF/88.
Os delitos acima listados são crimes que o Brasil, por meio de tratado internacional, comprometeu-se a reprimir. Trata-se da Convenção sobre Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, aprovada pelo Decreto Legislativo 28/90 e pelo Decreto 99.710/90.
Se o crime é praticado por meio de página na internet, o vídeo ou a fotografia envolvendo a criança ou o adolescente em cenas de sexo ou de pornografia poderão ser visualizados em qualquer computador do mundo. Ocorre, portanto, a transnacionalidade do delito.
Vale ressaltar que, tendo sido divulgado o conteúdo pedófilo por meio de alguma página da internet, isso já é suficiente para configurar a relação de internacionalidade, porque o material se tornou acessível por alguém no estrangeiro. Não é necessário que se prove que alguém no estrangeiro efetivamente tenha acessado.

A tese firmada pelo STF ficou assim redigida:
Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente [artigos 241, 241-A e 241-B da Lei 8.069/1990] quando praticados por meio da rede mundial de computadores.
STF. Plenário. RE 628624/MG, Rel. Orig. Min. Marco Aurélio, Red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 28 e 29/10/2015 (repercussão geral) (Info 805).

De quem será a competência territorial neste caso?
A competência territorial é da Seção Judiciária do local onde o réu publicou as fotos, não importando o Estado onde se localize o servidor do site: STJ. CC 29.886/SP, julgado em 12/12/2007.
E se o réu publicou as fotos no exterior? Esse crime poderá ser julgado pelo Brasil, por se enquadrar na hipótese prevista no art. 7º, II, do CP, cumpridas as condições previstas no § 2º do mesmo art. 7º. Em sendo preenchidos tais requisitos, o delito seria julgado no Brasil pela Justiça Federal, sendo competente a Seção Judiciária da capital do Estado onde o acusado por último morou ou, se nunca residiu aqui, será competente a Seção Judiciária do Distrito Federal (art. 88 do CPP).

Intepretação dada pelo STJ à tese fixada pelo STF no RE 628624/MG
Se você observar a tese do STF no RE 628624/MG, verá que ela é bem ampla e afirma que os crimes de disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente, quando praticados por meio da internet, são de competência da Justiça Federal.
O STJ, no entanto, interpretando a tese do STF, afirmou que nos casos em que o crime é praticado por meio de troca de informações privadas, como nas conversas via Whatsapp ou por meio de chat na rede social Facebook, a competência será da Justiça ESTADUAL.
As conversas via Whatsapp ou chat do Facebook precisam de internet para acontecer. No entanto, o STJ afirmou que, nestes casos, a comunicação ocorre entre pessoas específicas, escolhidas pelo emissor da mensagem. Trata-se, portanto, de uma troca de informações privadas que não estão acessíveis a qualquer pessoa.
Diante disso, neste caso, não há competência da Justiça Federal porque a postagem de conteúdo pedófilo-pornográfico não foi feita em um ambiente propício ao livre acesso.

Resumindo:
O STF fixou a seguinte tese:
Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente (arts. 241, 241-A e 241-B do ECA), quando praticados por meio da rede mundial de computadores (internet).
STF. Plenário. RE 628624/MG, Rel. orig. Min. Marco Aurélio, Red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 28 e 29/10/2015 (repercussão geral) (Info 805).

O STJ, interpretando a decisão do STF, afirmou que, quando se fala em “praticados por meio da rede mundial de computadores (internet)”, o que o STF quer dizer é que a postagem de conteúdo pedófilo-pornográfico deve ter sido feita em um ambiente virtual propício ao livre acesso. Por outro lado, se a troca de material pedófilo ocorreu entre destinatários certos no Brasil não há relação de internacionalidade e, portanto, a competência é da Justiça Estadual.

Assim, o STJ afirmou que a definição da competência para julgar o delito do art. 241-A do ECA passa pela seguinte análise:
• Se ficar constatada a internacionalidade da conduta: Justiça FEDERAL. Ex: publicação do material feita em sites que possam ser acessados por qualquer sujeito, em qualquer parte do planeta, desde que esteja conectado à internet.
• Nos casos em que o crime é praticado por meio de troca de informações privadas, como nas conversas via Whatsapp ou por meio de chat na rede social Facebook: Justiça ESTADUAL.
Isso porque tanto no aplicativo WhatsApp quanto nos diálogos (chat) estabelecido na rede social Facebook, a comunicação se dá entre destinatários escolhidos pelo emissor da mensagem. Trata-se de troca de informação privada que não está acessível a qualquer pessoa.
Desse modo, como em tais situações o conteúdo pornográfico não foi disponibilizado em um ambiente de livre acesso, não se faz presente a competência da Justiça Federal.
STJ. 3ª Seção. CC 150.564-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 26/4/2017 (Info 603).



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