terça-feira, 11 de setembro de 2018

No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição



Imagine a seguinte situação hipotética:
João, 71 anos de idade, decidiu se casar com Andressa.
Dez anos depois, Andressa pediu o divórcio.
Andressa pediu a partilha dos bens adquiridos onerosamente durante o casamento.
João alegou que não tinha que dividir o patrimônio considerando que, quando o casamento foi contraído, ele possuía mais de 70 anos de idade, de forma que o regime patrimonial que regulou a relação dos dois foi o regime legal da separação obrigatória de bens, previsto no art. 1.641, II, do Código Civil:
Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:
I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;
II - da pessoa maior de 70 (setenta) anos;
III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

Ao maior de 70 anos é imposto o regime de separação obrigatória de bens. O objetivo do legislador foi o de proteger o idoso e seus herdeiros de casamentos realizados por interesse estritamente econômico.
Trata-se de “prudência legislativa em favor das pessoas e de suas famílias, considerando a idade dos nubentes. É de lembrar que, conforme os anos passam, a idade avançada acarreta maiores carências afetivas e, portanto, maiores riscos corre aquele que tem mais de setenta anos de sujeitar-se a um casamento em que o outro nubente tenha em vista somente vantagens financeiras, ou seja, em que os atrativos matrimoniais sejam pautados em fortuna e não no afeto” (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 295).

Nomenclatura
O art. 1.641 trata sobre a separação obrigatória de bens (também chamada de separação legal de bens).

Havendo dissolução de casamento que era regulado pelo regime da separação obrigatória de bens (art. 1.641, II, do CC), como deve ser feita a partilha dos bens?
Deverão ser partilhados apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição.
Desse modo, em nosso exemplo, Andressa terá direito à meação dos bens adquiridos durante o casamento, desde que comprovado o esforço comum. Esse é o entendimento pacificado do STJ:
No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição. 
STJ. 2ª Seção. EREsp 1.623.858-MG, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), julgado em 23/05/2018 (Info 628).

Esse “esforço comum” pode ser presumido?
NÃO. O esforço comum deve ser comprovado.
Quando o STJ fala “desde que comprovado o esforço comum”, ele está dizendo que não se pode presumir. Deve ser provado pelo cônjuge supostamente prejudicado.

Se houvesse presunção do esforço comum o regime da separação obrigatória não existiria na prática
Se fosse adotada a ideia de que o esforço comum deve ser presumido isso levaria à ineficácia do regime da separação obrigatória (ou legal) de bens, pois, para afastar a presunção, o interessado teria que fazer prova negativa, comprovar que o ex-cônjuge ou ex-companheiro em nada contribuiu para a aquisição onerosa de determinado bem. Isso faria com que fosse praticamente impossível a separação dos aquestos.

A exigência de comprovação do esforço comum é mais consentânea com os fins da separação legal
O entendimento de que a comunhão dos bens adquiridos pode ocorrer, desde que comprovado o esforço comum, parece mais consentânea com o sistema legal de regime de bens do casamento, recentemente adotado no Código Civil de 2002, pois prestigia a eficácia do regime de separação legal de bens.
Caberá ao interessado comprovar que teve efetiva e relevante (ainda que não financeira) participação no esforço para aquisição onerosa de determinado bem a ser partilhado com a dissolução da união (prova positiva).

Súmula 377 do STF
O STF possui uma súmula antiga sobre o tema (editada em 1964). Veja a redação do enunciado:
Súmula 377-STF: No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.

Essa súmula 377 do STF permanece válida?
SIM. No entanto, ela deve ser interpretada da seguinte forma:
“No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição.
Nesse sentido: STJ. 4ª Turma. REsp 1.689.152/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/10/2017.

O que foi explicado acima vale também para a união estável?
SIM. O STJ possui alguns julgados afirmando que essas regras sobre separação legal devem ser aplicadas também no caso de união estável. Nesse sentido: STJ. 4ª Turma. REsp 646.259/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/06/2010.

Separação LEGAL (obrigatória) ≠ Separação ABSOLUTA
Separação LEGAL (OBRIGATÓRIA)
Separação ABSOLUTA
Separação LEGAL (obrigatória) é a prevista no art. 1.641 do Código Civil.
Separação ABSOLUTA é a separação convencional, ou seja, estipulada voluntariamente pelas partes (art. 1.687 do CC).
No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição. 
Na separação absoluta (convencional), não há comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento.
Assim, somente haverá separação absoluta (incomunicável) na separação convencional.




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