quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Se o recurso possui algum vício relacionado com a capacidade processual ou com a regularidade da representação, o Relator deverá conceder prazo para a sua correção? Como está a situação da Súmula 115 do STJ?



Imagine a seguinte situação hipotética:
O juiz proferiu sentença condenando João a pagar determinada quantia.
Trata-se de processo físico (não eletrônico).
João protocolizou uma apelação contra a sentença.
Ocorre que, em vez de dar entrada no original, João apresentou uma cópia do recurso.
Isso significa que a assinatura que estava no recurso não era original, mas sim uma xérox.

O que acontecerá neste caso?
A falta de assinatura original no recurso apresentado é considerado um vício sanável.
Logo, o recorrente deve ser intimado para, em um prazo razoável, suprir o defeito relativo à falta de assinatura no recurso.
Se o recorrente não cumprir a determinação no prazo, aí sim o recurso não será conhecido.
Desse modo, antes do não conhecimento, deve ser data a oportunidade ao recorrente de sanar o vício. É o que prevê o art. 76 do CPC/2015 (art. 13 do CPC/1973):
CPC/2015
CPC/1973
Art. 76. Verificada a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte, o juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o vício.

Art. 13. Verificando a incapacidade processual ou a irregularidade da representação das partes, o juiz, suspendendo o processo, marcará prazo razoável para ser sanado o defeito.

§ 1º Descumprida a determinação, caso o processo esteja na instância originária:
I - o processo será extinto, se a providência couber ao autor;
II - o réu será considerado revel, se a providência lhe couber;
III - o terceiro será considerado revel ou excluído do processo, dependendo do polo em que se encontre.

Não sendo cumprido o despacho dentro do prazo, se a providência couber:
I - ao autor, o juiz decretará a nulidade do processo;
II - ao réu, reputar-se-á revel;
III - ao terceiro, será excluído do processo.
§ 2º Descumprida a determinação em fase recursal perante tribunal de justiça, tribunal regional federal ou tribunal superior, o relator:
I - não conhecerá do recurso, se a providência couber ao recorrente;
II - determinará o desentranhamento das contrarrazões, se a providência couber ao recorrido.
Não havia previsão semelhante.

Em suma:
A falta de assinatura nos recursos interpostos nas instâncias ordinárias configura vício sanável, devendo ser concedido prazo razoável para o suprimento dessa irregularidade.
STJ. 3ª Turma. REsp 1746047/PA, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 21/08/2018.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 980.664/MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 23/5/2017.

O julgado acima fala em instância “ordinária”. E na instância “extraordinária” (STJ/STF)? Se João tivesse feito isso ao interpor um recurso especial, como ficaria a questão? Seria possível aplicar o mesmo raciocínio e, antes de não conhecer o Resp, exigir a intimação do recorrente para suprir o vício? Aplica-se a mesma regra para o caso de recursos interpostos nos Tribunais Superiores?

Na vigência do CPC/1973: NÃO
O STJ possuía o entendimento pacífico de que não se aplicava o art. 13 do CPC/1973 no caso de recurso especial. Veja:
Não se afigura aplicável a providência do art. 13 do CPC/1973, uma vez que o vício de representação é considerado insanável na instância extraordinária.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1033330/PE, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 10/10/2017.

Na vigência do CPC/2015: SIM
O art. 76 do CPC/2015, que veio substituir o art. 13 do CPC/1973, deve ser aplicado para o recurso especial. Isso porque existe um comando expresso nesse sentido no § 2º do art. 76:
Art. 76 (...)
§ 2º Descumprida a determinação em fase recursal perante tribunal de justiça, tribunal regional federal ou tribunal superior, o relator:
I - não conhecerá do recurso, se a providência couber ao recorrente;
II - determinará o desentranhamento das contrarrazões, se a providência couber ao recorrido.

Além disso, podemos também invocar o art. 932, parágrafo único, do CPC/2015:
Art. 932 (...)
Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.

Desse modo, atualmente, o Ministro detectar situação de incapacidade processual ou irregularidade da representação, ele deverá intimar a parte para, em um prazo de 5 dias, sanar o vício.
Se o vício não for sanado, aí sim, ele poderá:
• não conhecer do recurso (se a providência couber ao recorrente);
• determinar o desentranhamento das contrarrazões (se a providência couber ao recorrido).

Advogado sem procuração nos autos
Exemplo comum da situação acima explicada: o advogado que assinou o recurso especial não tem procuração nos autos nem substabelecimento. Isso é comum porque algumas vezes a parte contrata novo escritório apenas para o recurso especial/extraordinário.
Diante dessa lacuna, o que acontece?
O Ministro deverá intimar a parte para regularizar a representação processual.
• Se a parte corrigir o vício, segue a análise do recurso.
• Se a parte não o fizer, o recurso não será conhecido.

Veja um exemplo concreto:



Desse modo, podemos assim resumir o entendimento atual:
Não é possível conhecer do recurso especial subscrito por advogado sem procuração nos autos caso a parte, depois de intimada para regularizar sua representação processual, nos termos do art. 932, parágrafo único, do CPC/2015, deixa transcorrer in albis o prazo concedido para o saneamento do vício, nos termos do art. 76, § 2º, I, do CPC/2015.
Isso significa que detectado o vício na representação processual, mesmo que se trate de recurso especial, deverá ser dado um prazo de 5 dias para que a parte regularize a situação. Somente se a parte não regularizar, o recurso não será conhecido.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1219271/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 23/08/2018.

Vale ressaltar que o STF também está aplicando o art. 932, parágrafo único, do CPC/2015 e determinando a parte para regularizar a representação em caso de ausência de procuração.

Alguns de vocês podem estar lembrando e se perguntando a respeito da Súmula 115 do STJ. Como ela fica diante deste cenário?
A Súmula 115 do STJ preconiza o seguinte:
Súmula 115-STJ: Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos.

Na vigência do CPC/1973, O STJ tinha um entendimento muito rigoroso na aplicação desta súmula. Assim, se o advogado que assinou o recurso especial não tinha procuração nem substabelecimento nos autos, o Ministro não conhecida do recurso, sem dar qualquer oportunidade de a parte regularizar a situação.
Repetindo: se o recurso especial foi subscrito por advogado sem poderes para atuar nos autos, o Ministro não dava uma segunda chance para a parte. O recurso simplesmente não era conhecido, aplicando-se a Súmula 115 do STJ.
Prevalecia o posicionamento no sentido de que a representação processual da parte recorrente deve estar perfeitamente demonstrada no momento da interposição do recurso especial, não sendo possível sua posterior regularização. Veja julgado que espelha essa conclusão:
Nos termos da jurisprudência consolidada sob a égide do anterior diploma adjetivo, consideram-se inexistentes os recursos dirigidos à instância superior, desacompanhados do respectivo instrumento de procuração, à luz do disposto na Súmula 115 do STJ. Vício não sanável por juntada posterior de mandato ou substabelecimento, uma vez inaplicável o disposto no artigo 13 do CPC/73 (vigente à época da interposição do reclamo) na instância extraordinária.
STJ. 4ª Turma. AgInt nos EDcl no AREsp n. 183.869/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 6/3/2018.

E agora, com o CPC/2015, como fica a Súmula 115 do STJ?
Assim que o CPC/2015 foi editado, a doutrina amplamente majoritária afirmou que o enunciado estaria superado. Nesse sentido foi aprovado o Enunciado nº 83 do Fórum Permanente de Processualistas Civis.
Eu também defendi isso em meu livro de Súmulas.
O STJ, no entanto, teve uma solução mais interessante para o tema. O STJ afirmou o seguinte: a súmula 115 do STJ permanece válida, no entanto, agora, mesmo que o recurso tenha sido interposto por advogado sem procuração nos autos, o Ministro, antes de considerá-lo inexistente, deverá intimar a parte para apresentar a procuração, nos termos do art. 932, parágrafo único.
Em outras palavras, não é preciso cancelar a súmula, mas tão somente interpretá-la de acordo com o art. 76 c/c art. 932, parágrafo único.
Assim, a súmula 116 do STJ deve agora ser interpretada da seguinte maneira:
“Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos”, desde que a parte, devidamente intimada para regularizar a representação, não o faça no prazo de 5 dias.
Nesse sentido:
Intimada a regularizar a sua representação processual, nos termos do art. 932, parágrafo único, do CPC vigente, a parte que deixa de proceder à juntada no prazo de 5 (cinco) dias, faz incidir ao caso a Súmula 115/STJ.
STJ. 3ª Turma. AgInt no AgInt no AREsp 1053466/MS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 07/08/2018.





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