segunda-feira, 27 de maio de 2019

Decisão interlocutória que versa sobre ônus da prova desafia agravo de instrumento?



NOÇÕES GERAIS SOBRE O ÔNUS DA PROVA
Se, ao final do processo, o juiz entender que os fatos alegados não foram provados, o que ele deverá fazer? Qual deve ser a sua decisão neste caso?
O juiz terá que analisar qual das partes tinha o ônus de provar esse fato.
A parte que tinha esse ônus e que não conseguiu provar o fato irá suportar as consequências negativas. Em outras palavras, a parte que tinha o ônus e não provou, será “prejudicada” no resultado do processo.
Daí a importância de se estudar e analisar o ônus da prova.

Ônus da prova
Ônus da prova é a regra que atribui a uma das partes o ônus de suportar a falta de prova de um determinado fato.

Ônus x obrigação
Repare que, em nenhum momento eu disse que a parte tem a “obrigação” ou o “dever” de produzir a prova. Eu falei em “ônus”. Quais as diferenças?
DEVER
OBRIGAÇÃO
ÔNUS
É a necessidade de observar um comportamento imposto, de forma geral, pelo ordenamento jurídico.
É um dever jurídico específico e individualizado de prestação (dar, fazer, não fazer).
A obrigação é uma atividade que a pessoa faz em benefício de outrem.
É a necessidade de adotar determinada conduta para defender um interesse próprio.
Se a pessoa não adotar essa conduta, não há uma sanção contra ela. No entanto, deixará de ter uma vantagem.
É possível exigir que a parte cumpra o dever.
É possível exigir que a parte cumpra a obrigação.
Não é possível exigir que a parte cumpra o ônus.
Ex: dever de expor os fatos em juízo conforme a verdade (art. 77, I, do CPC).
Ex: em um contrato de compra e venda, o vendedor tem a obrigação de pagar o preço.
Ex: o autor tem o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito (art. 373, I, do CPC).

Ônus imperfeito
Vimos acima que, se a parte tinha um ônus e deixou de adotar a providência necessária, ela terá uma desvantagem, perderá alguma coisa.
No caso do ônus da prova, contudo, a doutrina afirma que se trata de um ônus imperfeito. Isso porque, se a parte não se desincumbir do seu ônus (se a parte não conseguir trazer aos autos a prova que deveria), existe a mera possibilidade (mas não certeza) de que ocorra uma situação de desvantagem para ela.
Dessa forma, mesmo que a parte não consiga ela própria, provar suas alegações, ainda assim esse fato pode ser provado por outros meios e a parte pode vencer a demanda.
Ex: o autor não faz prova de suas alegações; o réu, no entanto, por descuido, juntou determinado documento que prova as afirmações do requerente. Nesse caso, mesmo o autor não tendo feito a prova, ele sofrerá nenhuma desvantagem e vencerá a demanda.
Essa realidade existe em razão do princípio da comunhão das provas: a prova produzida é prova do processo, não interessando quem produziu.

Aspectos subjetivo e objetivo
O ônus da prova pode ser analisado sob dois prismas:
a) Aspecto subjetivo:
Consiste em analisar o instituto sob o ângulo de quem é o responsável pela produção da prova (regra de conduta das partes).
Trata-se de informar as partes quem será prejudicado com a não produção da prova: autor ou réu.
Ex: o art. 373, I, do CPC prevê que o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito. A lei já está avisando que o autor será prejudicado caso não demonstre o fato constitutivo de seu direito.

b) Aspecto objetivo:
Quando se fala em o ônus da prova sob o aspecto objetivo, o que se está dizendo é que se trata de uma regra de julgamento, ou seja, o ônus da prova é uma regra que o juiz deverá verificar no momento da prolação da sentença.
Ao decidir, o magistrado irá analisar se as partes juntaram aos autos provas que sirvam para elucidar os fatos controvertidos (ex: o autor alega que o réu bateu na traseira de seu veículo; o requerido argumenta que o autor deu marcha à ré). Caso não tenham sido produzidas provas suficientes e não seja possível elucidar a controvérsia por outros meios (presunções, máximas de experiências etc.), o juiz deverá aplicar as regras do ônus da prova e verificar quem tinha o ônus de provar o fato não demonstrado. A parte que tinha esse ônus sofrerá as consequências negativas e perderá a demanda neste ponto.

Os dois aspectos estão umbilicalmente ligados e se trata de uma classificação doutrinária, mas que não tem tanta relevância na prática forense essa distinção.

Aplicação subsidiária
As regras do ônus da prova são regras de aplicação subsidiária. Só podem ser aplicadas se não houver mais como produzir prova e o juiz ainda estiver em estado de dúvida.
A razão de existir das regras do ônus da prova é “evitar o non liquet, ou seja, a falta de resolução da crise de direito material”, de modo que “as regras sobre o ônus da prova constituem a ‘última saída para o juiz’, que não pode deixar de decidir”. Assim, as regras do ônus da prova “são necessárias, mas devem ser tratadas como exceção, pois o que se pretende com a atividade jurisdicional é que os provimentos dela emanados retratem a realidade, não meras ficções”. (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 6ª ed. São Paulo: RT, 2011, p. 127-130).
Em outras palavras, o juiz deve sempre tentar decidir com as provas que foram produzidas e com outros elementos de convicção. Somente se não conseguir mesmo, deverá se valer das regras do art. 373 do CPC e decidir em sentido contrário a quem não atendeu o ônus da prova.

Prova diabólica
Um tema intimamente ligado ao que estamos estudando diz respeito à prova diabólica.
Prova diabólica é aquela impossível ou excessivamente difícil de ser produzida.
Ex: o autor alega, na petição inicial, que o réu nunca lhe enviou a notificação extrajudicial. O autor não tem como comprovar isso. Seria exigir uma prova diabólica.
Outro bom exemplo “é a do autor da ação de usucapião especial, que teria de fazer prova do fato de não ser proprietário de nenhum outro imóvel (pressuposto para essa espécie de usucapião). É prova impossível de ser feita, pois o autor teria de juntar certidões negativas de todos os cartórios de registro de imóvel do mundo.” (DIDIER JR. Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 137).
Ainda segundo as lições de Didier, Braga e Oliveira, a prova diabólica pode ser de duas espécies:
Prova unilateralmente diabólica
Prova bilateralmente diabólica
Ocorre quando a prova é diabólica para a parte que tinha o ônus de produzi-la (segundo as regras do art. 373 do CPC), no entanto, é uma prova possível de ser juntada pela outra parte.
Ocorre quando a prova é diabólica para ambas as partes, ou seja, é impossível ou muito difícil para ambas as partes.
Neste caso, o juiz poderá inverter o ônus, determinando que a prova seja produzida pela outra parte que não tinha inicialmente o ônus de juntá-la. Isso está previsto no § 1º do art. 373.
Neste caso, não haverá inversão do ônus por conta da prova diabólica.
Não se pode simplesmente transferir a prova diabólica de uma parte para a outra.
§ 1º (...) diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput (...) poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso (...)
§ 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.

Distribuição estática do ônus da prova
As regras gerais de distribuição do ônus da prova estão previstas no art. 373 do CPC:
Art. 373.  O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

O sistema processual brasileiro adotou, como regra, a teoria da distribuição estática do ônus da prova, segundo a qual cabe ao autor provar o fato constitutivo do direito e ao réu cabe provar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Na distribuição estática do ônus da prova a lei atribui a uma determinada parte, de modo apriorístico, quais são os fatos específicos que deverão ser por ela provados, dando-lhe ciência prévia sobre como se desenvolverá a atividade instrutória, e o fato de que o ônus da prova, nessa perspectiva – estática – é uma regra de julgamento, motivo pelo qual não deve o juiz com ela se preocupar no curso da atividade probatória, mas somente ao final, e somente se porventura da instrução resultar algum fato relevante não esclarecido.

Inversão do ônus da prova
O cotidiano forense demonstrou, ao longo dos anos, que as regras de distribuição estática do ônus da prova previamente estabelecidas em lei não eram suficientes ou adequadas para solucionar todas as situações fáticas. Diante disso, chegou-se à conclusão de que seria necessária a criação de algumas regras de distribuição do ônus da prova diferentes daquelas pré-determinadas pela lei.
Surgiu, assim, o consenso de que, em determinados casos, haveria a necessidade de modificar (redistribuir, inverter) as regras gerais do ônus da prova.
O CPC denomina isso de “distribuição diversa do ônus da prova”. Na prática, é mais comum falarmos em inversão do ônus da prova.
A inversão do ônus da prova consiste, portanto, em modificar, em determinados casos excepcionais, as regras gerais do ônus da prova, que são previstas nos incisos do art. 373 do CPC.
Essa distribuição diversa pode ser decorrente de acordo entre as partes, da lei ou de decisão judicial. Assim, temos três espécies de inversão do ônus da prova:
a) Convencional;
b) Legal;
c) Judicial.

Inversão convencional do ônus da prova
Ocorre quando as partes combinam entre si que não seguirão as regras gerais dos incisos do art. 373, adotando um outro arranjo. É um exemplo de negócio jurídico processual.
Trata-se de hipótese de difícil ocorrência na prática, mas que é prevista no § 3º do art. 373 do CPC:
Em regra, a lei admite a distribuição diversa do ônus da prova por convenção das partes. Existem, contudo, três exceções.
Assim, não cabe a inversão convencional do ônus da prova quando:
a) recair sobre direito indisponível da parte;
b) tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.
c) a inversão for estabelecida em detrimento do consumidor (art. 51, VI, do CDC).

Inversão legal do ônus da prova
Também chamada de inversão ope legis do ônus da prova.
Ocorre quando a lei determina que, em certas situações, haverá uma regra de ônus da prova diferente do art. 373 do CPC. São, portanto, exceções criadas pelo legislador à regra geral do art. 373 do CPC.
Na inversão legal do ônus da prova, a lei cria uma presunção relativa de determinado fato.
É o que acontece no art. 12, § 3º, no art. 14, § 3º e no art. 38, todos do CDC:
Art. 12 (...)
§ 3º - O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:
I - que não colocou o produto no mercado;
II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Art. 14 (...)
§ 3º - O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.

Inversão judicial do ônus da prova (distribuição do ônus da prova feita pelo juiz)
Ocorre quando o juiz, diante das peculiaridades do caso concreto, altera a regra geral prevista nos incisos do art. 373 do CPC.
A redistribuição judicial do ônus da prova pode ser feita a requerimento da parte ou até mesmo de ofício.

Inversão judicial do ônus da prova no CPC/2015
Encontra-se disciplinada nos §§ 1º e 2º do art. 373.
Vejamos, de forma organizada, o que dizem esses dois dispositivos.
O juiz poderá atribuir o ônus da prova de modo diferente da regra geral prevista no caput do art. 373 em três situações:
1) nos casos previstos em lei. Ex: art. 6º, VIII, do CDC.

2) quando for impossível ou extremamente difícil cumprir o encargo previsto no caput do art. 373.
Trata-se da inversão do ônus da prova para evitar que a parte tenha que produzir uma prova unilateralmente diabólica.
Em outras palavras, quando a regra geral do caput do art. 373 exigir que a parte faça uma prova diabólica, o juiz deverá inverter o ônus.
Obs: a decisão de inversão não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil. Em outras palavras, a inversão não pode gerar para a parte que recebeu esse ônus a tarefa de produzir uma prova diabólica. Não se pode simplesmente transferir a prova diabólica de uma parte para a outra. Não se admite a inversão do ônus em caso de prova duplamente diabólica (§ 2º do art. 373 do CPC).

3) quando a inversão gerar maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário.
Ex: o autor alega determinado fato; pela regra geral, caberia a ele o ônus de provar esse fato; no entanto, as peculiaridades do caso concreto revelam que é muito mais fácil para o réu trazer essa prova. Nesta hipótese seria possível a inversão.

A lei exige que essa inversão seja feita por decisão fundamentada do magistrado.
Além disso, a decisão que determina a inversão deve ser proferida antes da sentença, em um momento processual no qual se permita que a parte possa se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
Pela sua importância, vale a pena ler os dispositivos do CPC:
Art. 373 (...)
§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
§ 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.

Obs: este § 1º do art. 373 do CPC/2015 adotou a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova. Assim, o caput traz a teoria estática e o § 1º a teoria dinâmica.
Obs2: a doutrina afirma que o § 2º do art. 373 do CPC traz a proibição de a redistribuição implicar prova diabólica reversa, ou seja, a inversão do ônus da prova “não pode implicar uma situação que torne impossível ou excessivamente oneroso à parte arcar com o encargo que acabou de receber”. (DIDIER JR. Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 148).

Inversão judicial do ônus da prova no CDC
O art. 6º, VIII, do CDC permite a inversão judicial do ônus da prova em duas hipóteses:
a) quando for verossímil a alegação do consumidor; ou
b) quando o consumidor for hipossuficiente.

Algumas observações sobre o tema:
• as duas situações acima são alternativas, ou seja, a inversão ocorrerá quando a alegação do consumidor for verossímil ou quando o consumidor for hipossuficiente;
• trata-se de inversão ope iudicis (a critério do juiz), ou seja, não se trata de inversão automática por força de lei (ope legis);
• pode ser concedida de ofício ou a requerimento da parte;
• a inversão sempre ocorre em benefício do consumidor, isto é, nunca pode ser contrária a ele.
• a inversão do ônus da prova de que trata o art. 6º, VIII, do CDC é regra de instrução, devendo a decisão judicial que determiná-la ser proferida preferencialmente na fase de saneamento do processo ou, pelo menos, assegurar à parte a quem não incumbia inicialmente o encargo a reabertura de oportunidade para manifestar-se nos autos (STJ. 2ª Seção. EREsp 422778-SP, Rel. para o acórdão Min. Maria Isabel Gallotti julgado em 29/2/2012).

Aprofundando. Inversão do ônus da prova x distribuição dinâmica do ônus da prova
É comum falarmos em inversão do ônus da prova e distribuição dinâmica do ônus da prova como sendo expressões sinônimas. No entanto, aprofundando o estudo do tema iremos encontrar alguns doutrinadores fazendo a distinção entre os institutos.
Inversão do ônus da prova
Distribuição dinâmica do ônus da prova
É uma mudança prévia e abstrata das regras de ônus da prova.
É uma mudança das regras de ônus da prova que se dá no caso concreto, com base na análise de quem está em melhores condições de produzir a prova.
O juiz não tem ampla liberdade na distribuição do ônus da prova. Não existe a possibilidade de se inverter o ônus de apenas um fato, por exemplo.
Há uma ingerência mais ampla do juiz na distribuição do ônus da prova entre as partes que permitirá, inclusive, o exame e a distribuição de cada fato específico isoladamente.
Ex: art. 6º, VIII, do CDC.
Ex: hipóteses 2 e 3 do § 1º do art. 373 do CPC (veja novamente acima).

Como leciona Eduardo Cambi:
“Pela teoria das cargas probatórias dinâmicas, a facilitação da prova para a tutela do bem jurídico não exige a prévia apreciação do magistrado (ope judicis) de critérios preestabelecidos de inversão do onus probandi, como se dá no art. 6º, inc. VIII, do CDC (verossimilhança da alegação ou hipossuficiência do consumidor).
Com efeito, na distribuição dinâmica do ônus da prova, não há uma verdadeira inversão, porque só se poderia falar em inversão caso o ônus fosse estabelecido prévia e abstratamente. Não é o que acontece com a técnica da distribuição dinâmica que se dá no caso concreto. O magistrado continua sendo o gestor da prova, agora com poderes ainda maiores, porquanto, ao invés de partir do modelo clássico (CPC-73, art. 333) para depois inverter o onus probandi (CDC, art. 6º, inc. VIII), cabe verificar, no caso concreto, quem está em melhores condições de produzir a prova e, destarte, distribuir este ônus entre as partes (NCPC, art. 373, §1º).” (CAMBI, Eduardo. Teoria das cargas probatórias dinâmicas (distribuição dinâmica do onus da prova) in Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 5: direito probatório. Coord.: Fredie Didier Jr. et. al. 3ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2018. p. 332/333).

Destaca a doutrina, ainda, que a distribuição dinâmica do ônus da prova se diferencia da inversão do ônus da prova porque, naquela (distribuição), haverá uma mais ampla ingerência do juiz na distribuição do ônus da prova entre as partes que permitirá, inclusive, o exame e a distribuição de cada fato específico isoladamente:
“3.4. A possibilidade de redistribuição do ônus da prova não importa na inversão mecânica das regras estipuladas no art. 373, para, exemplificativamente, repassar ao autor a prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo do seu direito ou, mesmo, para atribuir ao réu a prova do fato constitutivo. Tal se dá, por exemplo, nas situações relativas à inversão do ônus da prova no Código de Defesa e Proteção do Consumidor (art. 6º, VIII). Diversamente, na dinamização prevista no preceptivo, a redistribuição do ônus da prova pode recair sobre determinado fato, sem que isso envolva necessariamente a atribuição para o onerado de toda uma classe de fatos (v.g., fatos constitutivos). Noutras palavras, o juiz poderá, em demanda indenizatória, atribuir ao réu a demonstração da ausência de nexo causal, permanecendo com o autor o encargo da comprovação da ação culposa e dos danos. Logo, o juiz pode modular o ônus das provas de acordo com as peculiaridades da causa, atribuindo a cada parte a comprovação de determinados fatos, tudo objetivando a formação de um melhor módulo probatório.” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016. p. 271)

Segundo a Min. Nancy Andrighi, “embora ontologicamente distintas, a distribuição dinâmica e a inversão do ônus têm em comum o fato de excepcionarem a regra geral do art. 373, I e II, do CPC/15, de terem sido criadas para superar dificuldades de natureza econômica ou técnica e para buscar a maior justiça possível na decisão de mérito e de se tratarem de regras de instrução que devem ser implementadas antes da sentença, a fim de que não haja surpresa à parte que recebe o ônus no curso do processo e também para que possa a parte se desincumbir do ônus recebido”.
Vale ressaltar, no entanto, que você encontrará diversos outros doutrinadores (talvez a maioria) afirmando que a hipótese do § 1º do art. 373 do CPC é inversão do ônus da prova.

RECURSO CONTRA A DECISÃO QUE DELIBERA SOBRE A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Imagine a seguinte situação hipotética:
João ajuizou ação de indenização contra a Volvo do Brasil Veículos Ltda. alegando que adquiriu um veículo 0km dessa marca e que, no entanto, o automóvel apresentou inúmeros vícios de qualidade (“defeitos”) que não foram consertados pela concessionária autorizada.
O juiz proferiu decisão interlocutória determinando a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, VIII, do CDC:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(...)
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência;

Assim, o magistrado determinou que a Volvo provasse que o vício (“defeito”) não existia e que o carro está funcionando perfeitamente.
A Volvo não se conformou com a decisão e interpôs agravo de instrumento afirmando que esse recurso seria cabível com base no inciso XI do art. 1.015 do CPC/2015:
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
(...)
XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º;

João apresentou contrarrazões afirmando que não cabe agravo de instrumento nesta hipótese. Isso porque a decisão proferida pelo juiz inverteu o ônus da prova com fundamento no CDC e não com base no instituto da redistribuição dinâmica do ônus da prova previsto no § 1º do art. 373 do CPC/2015.
Assim, para João, não se pode aplicar o art. 1.015, XI, do CPC, que é específico para impugnar a decisão que trata sobre a redistribuição dinâmica do ônus prova do art. 373, § 1º do CPC.

O recurso será conhecido? Cabe agravo de instrumento nesta hipótese?
SIM.
É cabível a impugnação imediata (é cabível agravo de instrumento) da decisão interlocutória que tenha tratado sobre quaisquer das exceções mencionadas no § 1º do art. 373 do CPC/2015.
Assim, o agravo de instrumento deve ser admitido não apenas na hipótese de decisão interlocutória que defere ou que indefere a distribuição dinâmica do ônus da prova, mas, igualmente, na hipótese de decisão interlocutória que defere ou que indefere quaisquer outras atribuições do ônus da prova distintas da regra geral.
Conforme vimos acima, o art. 373, §1º, do CPC/2015, contempla duas regras jurídicas distintas, ambas criadas para excepcionar à regra geral do caput do art. 373, sendo que a primeira diz respeito à atribuição do ônus da prova, pelo juiz, em hipóteses previstas em lei, de que é exemplo a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, e a segunda diz respeito à teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, incidente a partir de peculiaridades da causa que se relacionem com a impossibilidade ou com a excessiva dificuldade de se desvencilhar do ônus estaticamente distribuído ou, ainda, com a maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário.
Em outras palavras, a hipótese do art. 6º, VIII, do CDC está sim tratada no § 1º do art. 373 do CPC uma vez que esse dispositivo dispõe também a inversão do ônus da prova nos casos previstos em lei:
Art. 373 (...)
§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade (....)

Em suma, decidiu o STJ que:
É cabível agravo de instrumento contra decisão interlocutória que defere ou indefere a distribuição dinâmica do ônus da prova ou quaisquer outras atribuições do ônus da prova distinta da regra geral, desde que se operem ope judicis e mediante autorização legal.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.729.110-CE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/04/2019 (Info 645).




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