quarta-feira, 22 de maio de 2019

Mentir no currículo lattes configura o crime de falsidade ideológica?



Crime de falsidade ideológica
O crime de falsidade ideológica é assim tipificado pelo Código Penal:
Art. 299. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular.
Parágrafo único - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.

Inserir informação falsa no currículo lattes configura falsidade ideológica (art. 299 do CP)?
NÃO.

Não configura falsidade ideológica a conduta do agente de inserir, em currículo Lattes, dado que não condiz com a realidade.
STJ. 6ª Turma. RHC 81.451-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 22/8/2017 (Info 610).

Plataforma Lattes não é considerada documento
O currículo lattes não é considerado como “documento” pelo STJ.
A plataforma Lattes, como se sabe, é virtual e nela o usuário, após colocar seu "login" e senha, insere as informações desejadas. Não se trata, portanto, de um escrito palpável, ou seja, um papel do mundo real, mas sim de uma página em um sítio eletrônico.

Para que seja documento eletrônico, é necessária assinatura digital
Embora possa existir "documento eletrônico", não está ele presente no caso concreto. Isso porque somente pode ser considerado “documento eletrônico” aquele que consta em site que possa ter sua autenticidade aferida por assinatura digital. Nesse sentido, a MP 2.200-2/2001, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), dispõe no seu art. 1º:
Art. 1º Fica instituída a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras.

No Brasil, a infraestrutura de chaves públicas é de responsabilidade de uma Autarquia Federal, o ITI - Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, ligado à Presidência da República.
Para que pudesse ser considerado documento eletrônico, a plataforma Lattes teria que ter a sua validade jurídica atestada por meio da assinatura digital.
Logo, não se pode ter como documento o currículo inserido na plataforma virtual do Lattes do CNPq, porque desprovido de assinatura digital e, portanto, sem validade jurídica.

Currículo Lattes é passível de averiguação e, portanto, não é objeto material de falsidade ideológica
O STJ foi além e disse o seguinte: ainda que o currículo Lattes pudesse ser considerado um documento digital válido para fins penais, mesmo assim não teria havido crime. Isso porque, como qualquer currículo, seja clássico (papel escrito) ou digital, o currículo Lattes é passível de averiguação, ou seja, as informações nele contidas deverão ser objeto de aferição por quem nelas tenha interesse.
Quando o documento é passível de averiguação, o STJ entende que não há crime de falsidade ideológica, mesmo que o agente tenha inserido nele informações falsas. Nesse sentido:
(...) Já se sedimentou na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que a petição apresentada em Juízo não caracteriza documento para fins penais, uma vez que não é capaz de produzir prova por si mesma, dependendo de outras verificações para que sua fidelidade seja atestada. (...)
STJ. 5ª Turma. RHC 70.596/MS, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 01/09/2016.

(...) somente se configura o crime de falsidade ideológica se a declaração prestada não estiver sujeita a confirmação pela parte interessada, gozando, portanto, de presunção absoluta de veracidade. (...)
STJ. 6ª Turma. RHC 46.569/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 28/04/2015.

É a opinião também da doutrina:
"(...) havendo necessidade de comprovação - objetiva e concomitante -, pela autoridade, da autenticidade da declaração, não se configura o crime, caso ela seja falsa ou, de algum modo, dissociada da realidade." (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 13ª ed., São Paulo: RT, 2013, p. 1.138)




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