segunda-feira, 27 de abril de 2020

O acórdão que confirma ou reduz a pena enquadra-se no inciso IV do art. 117 do CP e, portanto, interrompe a prescrição



O que é prescrição no direito penal?
Prescrição pode ser conceituada como sendo:
- a perda do direito do Estado de
- punir (pretensão punitiva) ou
- executar uma punição já imposta (pretensão executória),
- em razão de não ter agido (inércia) nos prazos previstos em lei.

Natureza jurídica
A prescrição é causa de extinção da punibilidade (art. 107, IV do CP).

Prazos
Os prazos de prescrição estão previstos no art. 109 do CP.

Termo inicial da prescrição da pretensão punitiva
Quando começa a correr o prazo da prescrição? Em outras palavras, a partir de quando começa o prazo para que o Estado-acusação tente punir uma pessoa que, supostamente, cometeu um crime?
As regras e as exceções são as seguintes:

Regra geral no caso de
crimes consumados
O prazo prescricional começa a correr do dia
em que o crime se CONSUMOU.
                                                                  
Regra geral no caso de
crimes tentados
O prazo prescricional começa a correr do dia
em que CESSOU A ATIVIDADE CRIMINOSA.

1ª regra específica:
crimes permanentes
O prazo prescricional começa a correr do dia
em que CESSOU A PERMANÊNCIA.

2ª regra específica:
crime de bigamia
O prazo prescricional começa a correr do dia
em que O FATO SE TORNOU CONHECIDO.

3ª regra específica:
crime de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil
O prazo prescricional começa a correr do dia
em que O FATO SE TORNOU CONHECIDO.

4ª regra específica:
crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes
O prazo prescricional começa a correr do dia
em que a vítima completar 18 (dezoito) anos,
salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal.

Causas que interrompem o prazo prescricional
O art. 117 do CP traz os momentos em que o prazo da prescrição é interrompido.
Interrupção do prazo significa que ele é zerado e recomeça a ser contado a partir daquela data.
Art. 117. O curso da prescrição interrompe-se:
I - pelo recebimento da denúncia ou da queixa;
II - pela pronúncia;
III - pela decisão confirmatória da pronúncia;
IV - pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis;
V - pelo início ou continuação do cumprimento da pena;
VI - pela reincidência.

Análise do inciso IV do art. 117 do CP
O inciso IV do art. 117 do CP prevê que a publicação da sentença condenatória ou do acórdão condenatório interrompe o prazo prescricional. Esse é um inciso que gerava algumas polêmicas na doutrina e jurisprudência, razão pela qual irei explicá-lo com mais calma.

Imagine a seguinte situação hipotética:
João praticou um furto consumado em 28/03/2010.
Foi denunciado e a denúncia recebida em 28/06/2010.
O réu foi condenado, em 1ª instância, a uma pena de 2 anos de reclusão, sentença publicada em 28/10/2011.
O Ministério Público não recorreu.
A defesa interpôs apelação e o Tribunal de Justiça manteve a sentença, confirmando a condenação, acórdão publicado em 28/09/2013.
Contra a decisão do TJ, a defesa interpôs recurso extraordinário ao STF.
No dia 28/05/2015, a 1ª Turma do STF iniciou o julgamento do recurso.

Vamos verificar se houve prescrição no caso relatado acima.

Início do prazo prescricional
O prazo prescricional do crime cometido por João começou a correr em 28/03/2008, dia em que o crime se consumou, nos termos do art. 111, I, do CP:
Art. 111. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr:
I - do dia em que o crime se consumou;

Como ele foi condenado a uma pena não superior a 2 anos, qual é o prazo prescricional aplicável a este fato?
O delito praticado por João prescreverá em 4 anos, nos termos do art. 109, V do CP:
Art. 109.  A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:
(...)
V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;

Conforme vimos acima, existem algumas hipóteses que interrompem o prazo prescricional (art. 117). Vejamos quais delas se aplicam ao caso concreto:
• Início da contagem do prazo prescricional: dia em que o crime se consumou - 28/03/2010.
• Este prazo foi interrompido (recomeçou do zero) quando a denúncia foi recebida: 28/06/2010.
• O prazo foi novamente interrompido (recomeçou) quando a sentença condenatória foi publicada: 28/10/2011.

Confira se houve prescrição:
• Entre a data do fato e o recebimento da denúncia: 3 meses (não houve prescrição).
• Entre a data do recebimento e a publicação da sentença: 1 ano e 4 meses (não houve prescrição).

Logo, até aqui não houve prescrição.

Após a publicação da sentença condenatória, o que acontece com o prazo que já passou?
Ele será interrompido, ou seja, reiniciado. Despreza-se o período anterior (esse 1 ano e 4 meses) e inicia-se uma nova contagem a partir desta data (28/10/2011).

No dia 28/09/2013 foi publicado um acórdão do Tribunal de Justiça confirmando a condenação, ou seja, dizendo que a sentença deveria ser mantida, que não era caso de mudar nada. Este acórdão interrompeu a prescrição?
SIM. Depois de muita polêmica, o STF pacificou o tema e decidiu que a decisão que o acórdão confirmatório da sentença implica a interrupção da prescrição. Foi fixada a seguinte tese a respeito:
Nos termos do inciso IV do artigo 117 do Código Penal, o acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição, inclusive quando confirmatório da sentença de 1º grau, seja mantendo, reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta.
STF. Plenário. HC 176473/RR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 27/04/2020.

A prescrição é o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão executória pela inércia do próprio Estado.
As hipóteses do art. 117 do Código Penal representam hipóteses nas quais o Estado agiu, ou seja, situações nas quais não ficou inerte.
Se o Tribunal prolata acórdão confirmando a condenação, isso significa que o Tribunal agiu/decidiu o caso. Consequentemente, se o Estado não está inerte, há necessidade de se interromper a prescrição para o cumprimento do devido processo legal.
Assim, a interrupção da prescrição ocorre pela simples condenação em segundo grau, seja confirmando integralmente a sentença, seja reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta.

Posição do STJ e da doutrina majoritária era em sentido contrário
Vale ressaltar que a doutrina majoritária defende posição contrária ao que decidiu o STF.
O STJ também acompanhava esse entendimento doutrinário e dizia que:
Se o acórdão apenas CONFIRMA a condenação ou então REDUZ a pena do condenado, ele não terá o condão de interromper a prescrição.
STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1557791/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 06/02/2020.
STJ. Corte Especial. AgRg no RE nos EDcl no REsp 1301820/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 16/11/2016.

Essa posição do STJ será, certamente, revista para se adequar ao que decidiu o STF.
Portanto, o entendimento que atualmente vigora é o de que: o acórdão que confirma ou reduz a pena enquadra-se no inciso IV do art. 117 do CP e, portanto, interrompe a prescrição.




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